O próximo presidente terá de assumir a Segurança Pública como uma questão de Estado caso pretenda começar a solucionar o problema da violência no país. A avaliação é feita por pesquisadores da área e também é um apelo da população. Mais da metade dos brasileiros considera que segurança pública deverá ser prioridade do próximo presidente, de acordo com pesquisa Ibope realizada no fim do ano passado.
A insatisfação com a área se reflete na avaliação do governo Lula. Embora tenha obtido 75% de aprovação na pesquisa CNI/Ibope de junho, o governo atingiu 55% de desaprovação quando o assunto é segurança pública. É o maior índice de desaprovação dos nove itens avaliados na pesquisa. A última rodada da pesquisa CNT/Sensus, realizada em maio deste ano, mostrou que 47,6% dos brasileiros consideram que a segurança piorou nos últimos seis meses e que 19,4% acreditam que a situação deve ficar ainda pior até outubro deste ano.
O pessimismo é explicado pelas estatísticas relacionadas à violência no país. De 1997 a 2007, o número de assassinatos no Brasil nunca foi inferior a 40 mil casos ao ano, segundo a base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa "Mapa da Violência 2010: Anatomia dos Homicídios no Brasil", do instituto Sangari, mostra que foram registradas quedas nas taxas de assassinatos entre 2003 e 2007 com uma leve alta em 2006. Mesmo assim, os patamares continuam altos.
Só em 2007 foram registrados pouco mais de 47,7 homicídios no Brasil, cerca de 131 por dia. Desse total, 26,1 mil foram mortes de jovens entre 15 e 29 anos. O Brasil está em 6.º lugar num rankig de países com o maior número de homicídios nessa faixa etária. À frente de Equador, Paraguai e Panamá, por exemplo.
Embora os números indiquem que o país enfrenta sérios problemas na área de segurança e que a população deseja uma atitude do governo federal para solucioná-los, os presidentes ainda resistem a chamar a responsabilidade para si. Nesse sentido, o texto constitucional acaba favorecendo o governo federal. Isso porque, pela Constituição, cabe à União manter e organizar a Polícia Federal, Polícia Rodoviária e a Polícia Ferroviária Federal. A duas últimas são responsáveis, respectivamente, por cuidar das rodovias e ferrovias federais. Para a PF ficam responsabilidades como combater o tráfico de drogas, o contrabando de mercadorias e a apuração de infrações penais relacionadas a bens e serviços da União.
Dessa forma, de modo geral, o combate direto à violência fica sob a responsabilidade da Polícia Militar. As investigações de casos como roubo, furtos, sequestros ou homicídios ficam com a Polícia Civil. Ambas são subordinadas ao governo do estado e cada uma delas tem uma função específica. Pelo texto constitucional, cabe à Polícia Militar o trabalho de vigilância e preservação da ordem pública, enquanto a Polícia Civil é responsável pelo trabalho de investigação.
Com essa separação, o governo federal fica distanciado do cotidiano da violência, passando a responsabilidade e o desgaste político para os governos estaduais. Na avaliação de especialistas na área de segurança, a falta de uma política de Estado voltada para segurança pública seria um dos maiores problemas para o combate à violência no país.
"Há um pacto federativo constitucional que deve ser respeitado. O que eu acho que a União pode fazer é realmente consolidar o sistema único de segurança pública como um sistema nacional e montar um padrão de atividade em prevenção da violência, da criminalidade e um padrão em termos de repressão ao crime organizado", avalia o sociólogo José Vicente Tavares, coordenador do Núcleo de Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Tavares também ressalta que mudanças no sistema e o estabelecimento de um projeto para a área de segurança pública no país exigiriam muito mais "inteligência" do que recursos do governo federal. "A União teria o papel de recrutar os melhores quadros das organizações policiais e das universidades para montar, realmente, um grande sistema único de segurança pública, com recursos e com a postura de uma polícia inteligente", diz.
A pesquisadora da área de violência Márcia Rodrigues, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Segurança e Prevenção Juvenil da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), tem um pensamento parecido. "Obviamente que dinheiro é importante. Mas isso é mais uma questão de parceria e integração, uma questão de determinação de governo", avalia.
Os dois fazem elogios ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), desenvolvido pelo Ministério da Justiça. O programa envolve a articulação de diversas áreas, com o foco voltado para jovens e mulheres, com a intenção de prevenção ao crime. Eles, no entanto, destacam que é preciso fazer ajustes no programa e que o Pronasci apenas não é suficiente.



