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Curitiba

“Sou fria, sim. Mas tem muita gente que gosta”

Clima é a terceira característica da cidade que mais agrada ao curitibano, uma preferência que poderia ser melhor aproveitada pelo poder público

Geada cobre o Parque Tingui de branco: baixas temperaturas do inverno de Curitiba poderiam ser exploradas para atrair mais turistas e gerar novos empregos para os moradores da cidade | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Geada cobre o Parque Tingui de branco: baixas temperaturas do inverno de Curitiba poderiam ser exploradas para atrair mais turistas e gerar novos empregos para os moradores da cidade (Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)
Jardim Botânico: nem a chuva afasta os visitantes |

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Jardim Botânico: nem a chuva afasta os visitantes

Flávio Jacobsen: frio influencia a produção artística curitibana |

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Flávio Jacobsen: frio influencia a produção artística curitibana

Em julho de 1975, os Jacob­­sen moravam no Norte do Pa­­raná quando o pai anunciou que, no fim do ano, a família se mudaria para Curitiba. Dias depois, o Jornal Nacional mostrou cenas da lendária nevada que caiu na capital. Os olhos do primogênito Flávio, então com 8 anos, brilharam. "A cidade para onde a gente vai tem neve", comemorou. Meia-verdade. Desde então, não nevou de novo.

Mas se o primeiro contato com o frio curitibano pela televisão gerou encantamento, nos anos seguintes ele pôde sentir na carne o rigor do inverno da cidade. "Me lembro de ver a Copa do Mundo de 1978 embaixo das cobertas de lã, com o pé embrulhado no jornal", diz Flávio, que hoje é compositor e publicitário.

Após alguns invernos, ele passou de vítima a acostumado. E, algumas outras massas polares depois, apaixonou-se pelo clima peculiar de Curitiba. "Adoro o frio, mas quase morro com ele. Gosto de curtir ao ar livre, mas tem de ser perto da fogueira, tomando vinho, com cachecol e gorro. Essa é uma das graças da cidade: aqui dá para usar um sobretudo como os bandidos de filme americano."

Para muitos, a atração pelas baixas temperaturas pode parecer masoquismo. Mas Flávio Jacobsen não está sozinho. O cli­­ma curitibano – com seu frio e chuva – é a terceira ca­­racterística da cidade que mais agrada ao curitibano, de acordo com enquete feita pelo Instituto Paraná Pesquisas com 410 moradores de todas as regiões da cidade.

Quando questionados sobre o que mais gostam em Curitiba, 7,8% dos entrevistados responderam que é o clima. O porcentual pode parecer pequeno, mas é expressivo se for considerado que se trata de uma enquete espontânea, quando o entrevistado diz o primeiro pensamento que lhe vem à cabeça.

A enquete ainda revela que o gosto pelo frio poderia ser melhor aproveitado pelo poder público para satisfazer aos anseios do morador da cidade.

Relação afetiva

A relação afetiva dos curitibanos com o frio é tão antiga quanto o bebedouro do Largo da Ordem. E já deu margem para todo tipo de teorias sobre a influência do tempo na "alma" do povo.

A mais famosa talvez seja a crônica Curitiba, a Fria, escrita em 1967 pelo jornalista e poeta pernambucano Fernando Pessoa Ferreira, que então vivia na cidade. A divertida carta de insultos à cultura curitibana desencadeou uma violenta polêmica na capital à época. Nela, a cidade é assim descrita: "A maior atração turística de Curitiba é o inverno que começa em fevereiro e termina em dezembro. Nos outros meses, chove".

Para o cronista e escritor Dante Mendonça, a ironia de Ferreira traz uma grande verdade sobre a cidade. Mendonça incluiu a crônica maledicente do colega pernambucano como uma espécie de epígrafe do seu livro Curitiba, Melhores Defeitos Piores Qualidades, lançado em 2010. Nele, Mendonça busca mostrar que o frio é um traço definidor dos usos e costumes locais.

"As pessoas não só adoram o frio, mas o cultuam", diz Dante Mendonça. "Existe até uma indústria do frio no Sul do país. Porém, estamos perdendo o monopólio do frio para os catarinenses e gaúchos."

A professora de Turismo Deize Bezerra, da UFPR, concorda. Ela diz que que há um potencial subaproveitado do turismo de inverno em Curitiba, a capital brasileira com a menor média de temperatura. "Ser a capital mais fria do país é um slogan que precisa ser melhor trabalhado para criar alternativas de turismo", afirma ela. Para o músico Flávio Jacob­­sen, o frio influencia, por exemplo, a criação artística, principalmente a literatura e a música da cidade. Para ele, Curitiba deveria promover um festival de inverno com enfoque nessas duas áreas.

Clima também causa problema social

A despeito do charme do clima "europeu" de Cu­­ritiba, o frio intenso da cidade em muitos períodos do ano é um problema que a área social da prefeitura precisa administrar. Os moradores de rua ficam expostos a temperaturas que podem matá-los.

Segundo levantamento da Fundação de Ação Social (FAS), existem cerca de 3 mil pessoas que vivem na rua na capital, das quais 1,4 mil são consideradas "crônicas" – ou seja, perderam totalmente os vínculos familiares. Abrigos e comunidades terapêuticas de acolhimento têm vagas para até mil pessoas.

A coordenadora da central de resgate social da FAS, Luciana Kusman, diz que, apesar do aparente déficit de vagas, a taxa de ocupação é de menos de 30% porque a maioria dos moradores de rua não aceita o resgate social.

Segundo ela, na rua os mendigos recebem esmolas – o que os incentiva a não querer ir para o albergue. Uma parcela significativa também faz uso de álcool e de outras drogas, está dependente e não aceita tratamento.

"Nós queremos trazê-los para o abrigo e dar a eles alimentação, vestuário banho e atendimento social e de saúde", diz Luciana. "Mas é uma dificuldade, pois a população de rua não tem mais vínculos sociais." A FAS, diz ela, realiza um trabalho 24 horas por dia de abordagem à população de rua nos pontos críticos da cidade, principalmente no Centro.

Quando esfria muito, porém, os moradores de rua ficam receptivos à abordagem. É quando a FAS intensifica as ações. E a população colabora. "A comunidade fica mais sensível e aumenta consideravelmente a quantidade de solicitações do serviço de resgate social pelo telefone 156", diz Luciana. Com base nessa constatação, ela defende uma campanha para informar a sociedade a respeito da atuação da FAS.

Declarações

"As pessoas não só adoram o frio, mas o cultuam. Existe até uma indústria do frio no Sul do país. Porém, estamos perdendo o monopólio do frio para os catarinenses e gaúchos."

Dante Mendonça, cronista de Curitiba

"Ser a capital mais fria do país é um slogan que precisa ser melhor trabalhado para criar alternativas de turismo."

Deize Bezerra, professora de Turismo da UFPR.

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