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agricultura familiar

#soudocampo, com orgulho... e dificuldade

Em uma década, Paraná perdeu 22% da população jovem na área rural. Iniciativas do terceiro setor tentam fixar população no campo

Juciele Gatto: abrindo um ateliê de artesanato para continuar no campo com a família | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Juciele Gatto: abrindo um ateliê de artesanato para continuar no campo com a família (Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo)
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Nas áreas rurais do Paraná, nem sempre em se plantando tudo dá; mas, empreendendo, pequenos agricultores estão conseguindo diversificar a produção e aumentar sua renda. Na linha de frente desse movimento estão os jovens do campo, que geralmente fazem cursos mantidos por empresas e organizações não governamentais (ONGs). Um tipo de qualificação que não tem sido ofertado pelo poder público, apesar do problema permanente do êxodo rural.

O Censo 2010 apontou que o Paraná foi um dos estados que teve o maior decréscimo na população rural: em uma década, o número de habitantes foi de 1,7 milhão para 1,5 milhão (-14%). Essa tendência foi observada nos estados do Sul e do Sudeste do Brasil, mas o agravante do território paranaense é a "expulsão" dos jovens do campo. Na faixa etária dos 15 aos 29 anos, quase 100 mil pessoas (-22%) deixaram os domicílios rurais do Paraná. Dos 27 estados, apenas São Paulo (-37%) e Roraima (-24%) perderam mais jovens. Na média nacional, a queda foi de 9,1%.

Juciele Gatto, 19 anos, não quer saber de tendências. Ela pretende permanecer na propriedade rural da família, em Imbituva (Centro-Sul). Quando terminou o Ensino Médio, dispensou a universidade e buscou um curso mais adequado à sua realidade. Encontrou o que queria no Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural (Cedejor), em um projeto patrocinado pelo Instituto Souza Cruz. "Eles têm essa visão de diversificação na propriedade, e eu estava buscando uma alternativa para não ficar presa apenas à lavoura de fumo da minha família", conta.

A escolha de Juciele foi pelo artesanato, uma opção não agrícola que precisa ser estimulada no meio rural, segundo especialistas. Ela já fazia crochê e no Cedejor aprendeu conceitos de administração, marketing e finanças. Para Juciele, desenvolver outra atividade agrícola era inviável. "O fumo é uma lavoura muito intensiva, com horários específicos. Seria muito difícil conciliar outra produção. Já gostava de artesanato e resolvi fazer crochê, pois posso fazer à noite, dentro de casa."

Internet e lazer

Há dois anos a família de Juciele tem um provedor de internet em casa, o que facilitou sua formação e o desenvolvimento do ateliê Belartes – marca de suas peças de crochê. "Ainda não tenho o site, mas as pessoas entram em contato por e-mail ou Facebook e fazem encomendas. É muito legal para divulgar, e também busco novas ideias e amostras." O celular, porém, não tem um sinal muito bom.

"Há tempo que o jovem rural deixou de ser um tipo Chico Bento. Com a internet, acessa as mesmas coisas que o jovem urbano, é igualzinho", diz Cristiane Tabarro, coordenadora do Núcleo Centro-Sul do Cedejor no Paraná. E, por isso, não é difícil saber o que esse público quer. "Para permanecer na atividade agrícola, eles desejam estabelecer um projeto de futuro que possibilite renda própria, seja por alternativa agrícola ou não agrícola. Esperam por um novo ambiente educacional, possibilidades de acesso à inclusão digital e boas condições de vida", observa Carlos Antonio Biasi, oficial nacional de programas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Para tanto, o poder público precisa assumir um papel de protagonista, o que ainda não ocorreu. Na divisão de tarefas, Biasi aponta a necessidade de articulação conjunta dos governos municipais, estadual e federal. No Cedejor, a expectativa é por mais apoio e verba. Um convênio com a prefeitura de Guamiranga e a Associação dos Municípios do Centro-Sul garante a estrutura do centro, mas ela diz que o governo estadual poderia contribuir. "Os técnicos agrícolas reconhecem nosso trabalho, mas as portas para conseguirmos verbas se fecham, especialmente em um ano eleitoral como este. Só se preocupam com a campanha, e deixam de lado nossas angústias."

Êxodo põe em risco segurança alimentar

É comprovado que quase a totalidade dos alimentos colocados em nossa mesa vêm da agricultura familiar, observa o engenheiro agrônomo Luiz Claudio Antonio Nogueira, professor em São Paulo, na Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva (FAIT). Por isso os especialistas temem pelo futuro.

"Sem querer ser alarmista, se continuarmos no mesmo ritmo do último Censo Demográfico brasileiro, a segurança alimentar e nutricional nos anos 2050, 2060 corre risco", observa Carlos Antonio Biasi, da FAO. Segundo ele, é preciso uma discussão ampla sobre sucessão familiar nas propriedades agrícolas, envolvendo poder público e sindicatos representativos da agricultura familiar. "Sucessão é mais ampla que herança, pois envolve transferência de poder e do patrimônio material, histórico e sociocultural entre gerações no âmbito da produção agrícola, bem como a retirada paulatina das gerações mais idosas da gestão da propriedade e a consequente formação profissional de um novo agricultor", explica.

Para Biasi, as entidades representativas da agricultura familiar devem se inserir no debate, orientando as partes envolvidas e buscando as políticas públicas necessárias. O especialista aponta a necessidade de: ampliar o acesso à terra, facilitar o acesso ao crédito, até mesmo para jovens de 14 anos, mas com supervisão; melhorias nas estradas rurais, mais lazer e incentivar a participação dos jovens nas atividades relacionadas à cidadania.

"A maioria dos jovens que deixa o campo em busca da cidade é por questões financeiras, e não por mudança de ambiente", afirma Nogueira, que fez doutorado sobre o assunto. Segundo ele, é preciso que os projetos de formação no campo tenham um caráter permanente. "Quando são apresentados projetos sérios, com objetivos e metas bem definidas, seja do setor público, privado ou do terceiro setor, esse jovem rural, participa ativamente."

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