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Faixa exclusiva para ônibus no Centro de Curitiba: tendência e solução. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Faixa exclusiva para ônibus no Centro de Curitiba: tendência e solução.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Quem hoje anda por ela nem imagina. Mas nem tudo foram flores na Rua das Flores. Se cada floreira do calçadão tivesse uma boca maldita pra falar, contaria a épica história de um Davi a pé que lançou uma pedra de petit-pavé contra um Golias motorizado. O pedestre ganhou a batalha com o carro. Não sem chiadeira. Curitiba estava em confronto aberto naquele distante maio de 1972. De um lado, a prefeitura. Do outro, os comerciantes e parte expressiva da imprensa. O município queria fechar a via para automóveis. Os empresários, não. O xeque-mate veio no fim da tarde de uma sexta-feira, quando a obra começou. O calçadão foi construído num fim de semana. Nem deu tempo para reclamar. E a XV acabou caindo no gosto popular.

Mas floreiras não falam para contar a história de sucesso da Rua das Flores. E, 44 anos depois, discutir restrições para o “deus-automóvel” segue sendo sacrilégio para seus adoradores. E eles são muitos. Com direito a voto. O resultado: “o carro sempre teve muita vez na cidade”, diz a arquiteta Tatiana Gadda, professora e pesquisadora de mobilidade urbana da UTFPR e integrante do Conselho Estadual de Ciclomobilidade e do Conselho Municipal do Trânsito. “Houve um privilégio pontual na Rua XV para os pedestres.”

Por mais que os motoristas resmunguem, até hoje não há muitas restrições para o automóvel em Curitiba, afirma Tatiana. Nada que se compare ao rodízio de carros de São Paulo. Ou ao pedágio urbano de Londres. O que temos aqui são algumas canaletas e faixas exclusivas para ônibus. Um ou outro calçadão. Proibição de caminhões em determinados horários na Linha Verde. Radares. Área Calma no anel central. Ciclofaixas aqui e ali. Nada radical, enfim.

Barriguinha que “vira” congestionamento

Na direção contrária, há a pressão para dar mais espaço ao carro. “Um caminho perigoso”, diz Tatiana, que o compara ao cinto de um obeso: “Você vai afrouxando e daí tem mais espaço para crescer”. O problema é que chega uma hora em que isso vai fazer mal. No caso das cidades, a gordura são os congestionamentos.

No médio prazo, solução é evitar deslocamentos

O professor Carlos Hardt, coordenador do mestrado e doutorado em gestão urbana da PUCPR, afirma que a solução para o problema da mobilidade urbana em Curitiba passa, no médio e longo prazo, por um planejamento que diminua a necessidade de as pessoas se deslocarem. Ou seja, é preciso que a cidade tenha mais regiões “autônomas”, com comércio, instituições de ensino e oportunidades de trabalho.

Para isso, diz Hardt, é necessário pensar na lei de zoneamento como um instrumento para compatibilizar investimentos residenciais, comerciais e de serviços nos bairros.

Mas atire a atire a primeira pedra quem nunca cedeu às deliciosas tentações do automóvel. A professora da UTFPR, por exemplo, apesar das críticas, nem mesmo prescreve uma dieta radical para Curitiba. “Temos de pensar até que ponto podemos restringir o carro. Não dá para importar soluções prontas sem entender nosso contexto”, diz ela. “Talvez não precise restringir. Mas colocar algumas limitações.” O professor Carlos Hardt, coordenador do mestrado e doutorado em gestão urbana da PUCPR, concorda: “Só restringir o uso do carro não soluciona o problema da mobilidade”.

Melhor do que abrir uma guerra entre curitibanos motorizados e desmotorizados é oferecer alternativas de deslocamento: um sistema de transporte coletivo eficiente e confortável, uma rede ampla de vias para bicicletas, calçadas boas para quem quiser caminhar. Algo que seduza tanto quanto o automóvel. Ou mais.

Transporte coletivo

Outra concordância entre Tatiana e Hardt é que o sistema de transporte coletivo deve ser prioridade nessa estratégia. O professor da PUCPR elenca uma série de medidas que poderiam ajudar: novas faixas exclusivas, mais semáforos inteligentes que se abram quando um veículo do transporte coletivo se aproxima dele, aplicativo para celular que informa a hora que o ônibus está chegando (o usuário poupa tempo; pode sair de casa só quando o veículo está perto).

Hardt também afirma que é preciso discutir sem preconceito modais de transporte coletivo de maior capacidade para as linhas saturadas. Em bom português: o metrô ou algo equivalente. “Não é porque o projeto do metrô não se viabilizou financeiramente que deixou de ser uma opção”, diz Hardt. Tatiana acredita que o sistema de canaletas e de ônibus expressos ainda pode render mais. “Conseguimos tropicalizar o metrô”, diz ela. Uma solução mais barata e que funciona. “Temos de botar várias cabeças para pensar como melhorar o modelo.”

1,4 milhão de veículos...

... é o tamanho da frota de Curitiba, o que inclui carros, ônibus, caminhões e motos. Somente de carros, são 976 mil. Como a cidade 1,8 milhão de habitantes, é quase um veículo por morador.

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