
Ao inaugurar o Porto de Mariel, em Cuba, a presidente Dilma Rousseff reacendeu anteontem os holofotes sobre o uso de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o financiamento de obras no exterior. O BNDES emprestou US$ 802 milhões (R$ 1,92 bilhão) para que um grupo de empresas brasileiras lideradas pela Odebrecht executasse o empreendimento. Diversas operações como essa estão em curso em outros países, com polêmicas sobre os acordos firmados entre o governo brasileiro e as autoridades locais.
Na contramão disso, o Brasil enfrenta dificuldades para viabilizar obras de infraestrutura internas, apontadas como um dos principais obstáculos para o crescimento do país. "Colocar dinheiro que sai do bolso dos brasileiros em investimentos fora do país, ainda mais na situação em que nos encontramos, soa como escárnio", diz o professor de Administração Pública da Universidade de Brasília José Matias-Pereira. O BNDES é capitalizado por recursos do Tesouro Nacional, impostos e contribuições como o Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Financiamentos
Em 2012, o banco financiou empreendimentos executados em 15 países, que totalizaram US$ 2,17 bilhões (R$ 5,2 bilhões). Entre janeiro e setembro de 2013, data do último levantamento disponível, o valor foi de US$ 1,37 bilhão (R$ 3,29 bilhões) para 16 países. Os valores correspondem aos financiamentos do tipo "pós-embarque", de apoio à comercialização de bens e serviços nacionais no exterior, e representam 2,2% do total de R$ 146,8 bilhões em desembolsos do BNDES entre janeiro e outubro.
As operações feitas pelo banco não são negociadas diretamente com os governos de outros países, mas com empresas brasileiras responsáveis pelos empreendimentos no exterior. No ano passado, contudo, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, tornou sigilosos até 2027 os documentos relacionados aos acordos para obras em Cuba e Angola. A justificativa era de que os papéis envolviam informações "estratégicas" e que o segredo foi solicitado pelos dois países.
De acordo com o Palácio do Planalto, a verba para o porto de Mariel foi gasta com a compra de bens e serviços "comprovadamente" brasileiros, o que teria gerado cerca de 156 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no país. No discurso de inauguração da obra, Dilma anunciou que o BNDES vai financiar mais US$ 290 milhões (R$ 701 milhões) em uma segunda etapa da obra. "O Brasil quer tornar-se um parceiro econômico de primeira ordem para Cuba", declarou a presidente.
Análise
Professor do programa de mestrado em Planejamento e Governança Pública da Universidade Federal do Paraná, Antonio Gonçalves de Oliveira avalia que os empréstimos para obras fora do país podem ser considerados como uma ação de relações internacionais, mas não como uma prática positiva para a economia brasileira. "Se você investe aqui, gera empregos enquanto a obra está sendo desenvolvida e, depois, na operação da estrutura que foi construída", avalia.
A estratégia também é criticada pela oposição, que chegou a tentar instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar ações do BNDES no ano passa do. "Que o PT tenha paixão por regimes ditatoriais como Cuba é problema deles. O nosso problema é financiar esses regimes com dinheiro dos brasileiros", afirma o senador paranaense Alvaro Dias (PSDB).
Dinheiro rumo aos EUA
Apesar das reclamações da oposição sobre o viés ideológico dos financiamentos concedidos pelo BNDES para investimentos no exterior, os Estados Unidos foram o destino da maioria dos recursos do tipo "pós-embarque" financiados pelo banco entre janeiro e setembro de 2013. Ao todo, os investimentos comandados por empresas brasileiras no país chegaram a US$ 436,3 milhões (R$ 1,05 bilhão). Na sequência, porém, aparecem Venezuela e Cuba, governadas por socialistas. Juntos, os dois países receberam US$ 485 milhões (R$ 1,16 bilhão).
Resposta
A assessoria do BNDES afirmou em nota que a instituição tem atendido, "dentro dos limites estabelecidos pela lei", todas as solicitações de informações realizadas pelos órgãos de controle. "Todos foram plenamente atendidos, salvo quando havia algum impedimento legal", anotou. A instituição ressaltou que o respeito à lei que protege o sigilo bancário "não é uma escolha do BNDES, mas uma obrigação legal do banco".




