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Relações internacionais

Entre poderes e problemas

Vista como oportunidade de conquistar status de potência global, vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU pode custar caro ao Brasil

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Obsessão da diplomacia brasileira, a vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) entrou em xeque após a visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Ao dizer que tem "apreço" pelo pleito do Brasil, mas não revelar apoio explícito (como fez em relação à Índia há cinco meses), o norte-americano deu sinais de que a questão não vai avançar em curto prazo. A declaração gera questionamentos sobre os ganhos e perdas da demanda.A ampliação das cadeiras permanentes implica um reposicionamento da ordem mundial, já que o órgão tem autonomia para questionar, negociar, sancionar e atacar militarmente qualquer "agressor" da paz mundial. Para o Brasil, seria a oportunidade de avançar do status de liderança na América Latina para o de potência global.

Reformas como essa, no entanto, provocam reações de países beneficiados pelo formato vigente e que não querem perder poder, além dos que temem que as alterações mundiais afetem cenários de disputa regionais. Existem também demais ônus, como o aumento de gastos com o aparato militar e a possível antipatia de países prejudicados por decisões do órgão.

O coordenador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da Universidade Federal do Paraná, Alexandro Eugenio Pereira, avalia que o Brasil precisa estar preparado para as consequências de uma possível entrada permanente no Conselho. "O país precisaria lidar com mais responsabilidades no campo das negociações internacionais [envolvendo a mediação de conflitos e a tomada de decisões sobre eventuais retaliações] dessa área e poderia ser chamado a participar mais ativamente de missões de paz e de intervenções humanitárias em diversas regiões do mundo", diz.

Membros

Criado em 1946 junto com a própria ONU, o Conselho tem hoje cinco membros permanentes – China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Há ainda outros dez temporários, eleitos para períodos de dois anos. Japão e Brasil (que atualmente cumpre mandato no biênio 2010/2011) são os países que mais vezes ocuparam esses assentos.

A diferença entre os dois tipos de membros é que os permanentes têm poder de veto sobre as resoluções do Conselho. A aprovação depende do apoio de nove dos 15 membros, desde que todos os permanentes se posicionem ao lado da maioria. A contrariedade de qualquer um dos cinco permanentes é suficiente para impedir decisões.

O professor de Relações Inter­nacionais da Universidade Anhembi-Morumbi, David Magalhães, revela que todos os permanentes trabalham por uma "ordem estática", baseada na preservação de espaços distribuídos no pós-guerra. "A visão brasileira e de outros países é correta quanto à ideia de readequar o Conselho a uma nova configuração de poder, que precisaria contemplar as atuais potências emergentes", afirma. Por outro lado, ele não vê indícios de que isso vai acontecer.

"O sinal que o Obama deu para a Índia foi muito mais claro do que para o Brasil. Mas também não garante nada, já que os chineses não aprovam a Índia." Nesse xadrez por uma vaga permanente, brasileiros e indianos encaixam-se ao lado de alemães e japoneses.

As quatro nações chegaram a atuar em conjunto, em um grupo batizado como G4, defendendo a ampliação de cadeiras no Conselho de 15 para 25, sendo cinco novas permanentes. O quinto escolhido seria um país da África (possivelmente a África do Sul). Reino Unido e França até se posicionaram timidamente a favor da proposta, que nunca prosperou por desinteresse especial de China e Rússia.

Além disso, há outros países que trabalham contra os interesses do G4 por questões regionais. O Brasil sofre resistência de México e Argentina, enquanto a Índia é alvo do Paquistão. Na Europa, a Itália é contra a Alemanha e, na Ásia, a Coreia do Sul é contra o Japão.

Em meio a tantas disputas, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Virgílio Arraes aponta que, no curto prazo, não deve ser criada qualquer expectativa de reforma. "Em termos práticos, o impacto da declaração do presidente Obama no Brasil é nulo. Foi uma manifestação de cortesia, de deferência, um gesto de simpatia ao governo Dilma, principalmente porque ela está mais reticente quanto ao Irã", afirma.

A visão é compartilhada pelo membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo Carlos Eduardo Lins da Silva. Para ele, o país tem desperdiçado energia e recursos com a questão. "A ação no Haiti é uma demonstração clara do papel que o Brasil quer exercer. A aspiração é justa, mas não há qualquer materialidade que indique mudanças no Conselho."

Na opinião de Arraes, a diplomacia brasileira alcançaria mais resultado caso concentrasse esforços na ocupação de outros espaços de direção na ONU, como na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. "É preciso entender que, por enquanto, a questão do Conselho não é de execução possível", diz Arraes.

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