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Operários olham a barragem da Usina de Itaipu sendo erguida: período de obras grandiosas e pouca transparência | Arquivo/ Folhapress
Operários olham a barragem da Usina de Itaipu sendo erguida: período de obras grandiosas e pouca transparência| Foto: Arquivo/ Folhapress
  • Orlando Jr., Vera Lúcia, Maria Elisa e Nilo Cini Jr. são a 4ª geração a comandar a tradicional indústria curitibana de bebidas: empresa cresceu nos anos 70 e sofreu nos 80 – trajetória por que passaram quase todas as empresas do país
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Se a marca de refrigerantes Cini ocupa hoje o segundo lugar entre as mais vendidas em Curitiba e região metropolitana, deve muito aos anos 70. Famosa pelo refresco sabor de gengibre, a Gengibirra, a empresa saiu na frente dos concorrentes e implantou medidas inovadoras para a época: personalizou as embalagens e investiu na produção de outros sabores. O crédito barato ajudou. "Os diretores acreditaram e investiram muito na empresa, na expectativa de expansão. Isso permitiu que a Cini se firmasse", afirma Nilo Cini Jr., da 4.ª geração da família à frente da empresa. Era o período do milagre econômico, com crescimento médio de 12% ao ano, ritmo sem paralelo na história do Brasil República. O país crescia como nunca. A Cini cresceu junto.

Mas a bonança dos anos 70 acabou na hiperinflação e na estagnação econômica da década de 80. A Cini – e praticamente todas as empresas Brasil afora – acusou o golpe. Prejudicada pelos reajustes quase que diários no preço dos insumos, a companhia passou a estocar matéria-prima. A administração se dava um dia após o outro. O planejamento de médio e longo prazo foi deixado de lado. "Você só trabalhava, trocava seis por meia dúzia. A inflação corroeu as reservas da empresa. Era um plano econômico atrás do outro. Até 1994, com o Plano Real, ninguém sabia direito o que estava fazendo", relembra Nilo Cini Jr.

A trajetória da Cini resume uma parte da história recente do país. Uma história escrita pelos militares e que começou na década anterior à do milagre. Dentre outras razões, por causa de uma crise que afetava o bolso da população. Um dos motivos que catalisou o golpe foi o caos econômico do governo João Goulart, refletido numa inflação de 140% entre março de 1963 e março de 1964.

O primeiro presidente da ditadura, Castelo Branco, centrou suas ações na redução da escalada inflacionária. Para isso, tratou de reorganizar a economia na base da canetada. Adotando uma ortodoxia econômica radical, elevou a taxa de juros para 36% ao ano, restringiu o acesso ao crédito e segurou a emissão de moeda. A principal medida de combate à inflação, no entanto, foi o arrocho salarial. Por meio de uma complicada fórmula matemática, o salário mínimo teve uma perda real de 25% em três anos. Em paralelo, Castelo Branco cortou despesas, derrubando o déficit público de 8% para 1% do PIB. Também reestruturou o sistema fiscal, elevando a carga tributária para 21% do PIB – antes do golpe, ela oscilava entre 13% e 17%.

O governo ainda reorganizou o sistema financeiro, mexeu na previdência pública, fundou o Banco Nacional da Habitação e criou o FGTS – que, apesar de parecer bom para o trabalhador, permitia na verdade que as empresas demitissem empregados a um custo baixo em caso de recessão ou queda nos lucros. A economia brasileira entrava nos trilhos, apesar das medidas impopulares. "O grande mérito desse período foi o Brasil ter se encaixado, ainda que tardiamente, no ciclo ascendente da economia internacional no pós-guerra, o que vinha sendo travado pelo caos político e pela desordem inflacionária da época", explica o economista Gilmar Lourenço, presidente do Ipardes.

Sucessor de Castelo Branco, o general Costa e Silva deu uma guinada na política econômica. Para comandar a mudança, foi escolhido o jovem professor da USP Delfim Netto, que prometeu "fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo". De imediato, os juros foram reduzidos de 36% para 22%, estimulando o crédito. As exportações dispararam, atingindo um crescimento médio anual de 39%. No mercado interno, a retomada da produção industrial se deu no campo dos bens de consumo duráveis (automóveis e eletrodomésticos). A indústria passou a crescer até 25% ao ano. A escolha foi pragmática: uma aposta no poder aquisitivo cada vez maior da classe média, que tinha recursos para gastar mas sofria com a baixa oferta de produtos. Em pouco tempo, o Fusca tornou-se um dos principais símbolos da expansão do consumo.

O Estado aproveitou o aumento na arrecadação e o acesso a empréstimos internacionais para investir em obras faraônicas, dentro do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), lançado pelo presidente-general Emílio Médici. O objetivo era preparar a infraestrutura para garantir o desenvolvimento nas décadas seguintes. Saíram do papel, dentre outras, a Ponte Rio-Niterói, a Usina de Itaipu, a Rodovia Transamazônica. Todas envoltas em muitas polêmicas -- tornadas públicas depois do fim do regime. A Rio-Niterói custou 11 vezes o orçamento inicial. Parte da construção de Itaipu foi tocada por empresas europeias que, segundo edição de 1981 da revista norte-americana Time, pagaram propina de US$ 140 milhões a autoridades brasileiras. Na Transamazônica, 90% das terras do entorno mostraram-se ruins para a agricultura. A imagem vendida à população, porém, era a de que o gigante tinha despertado. "O Brasil vivia tempos gloriosos no começo dos anos 70: pleno emprego, consumo farto, frenesi na bolsa de valores, tricampeonato na Copa do México", diz Marcos Napolitano, professor de História da USP. "Nunca fomos tão felizes!" era o slogan do governo entre 1968 e 1973.

Mas aí veio a primeira crise do petróleo, em 1973. O preço do barril triplicou numa época em que o país importava 90% do óleo que consumia. O governo, já sob o comando do general Ernesto Geisel, decidiu mudar a estratégia de desenvolvimento. E redirecionou os investimentos para setores bases da economia (metalúrgico, petroquímico, energético, de telecomunicações). O objetivo era diminuir a dependência de insumos importados e completar o processo de industrialização. Foi lançado o II PND, financiado pelos petrodólares que, graças ao valor do barril nas alturas, abarrotavam o caixa dos países árabes. "Podemos dizer que, sem esses investimentos, o Brasil hoje viveria problemas sérios. Boa parte da geração e distribuição de energia, por exemplo, vem desse período. Sem isso, hoje provavelmente viveríamos um apagão. A parte frágil foi a escolha de como isso se financiaria", diz Marcelo Luiz Curado, professor de Economia da UFPR.

A segunda crise do petróleo, em 1979, marcou a derrocada econômica da ditadura. Novamente houve aumento do preço do barril. A isso se somou a decisão do governo dos EUA de elevar os juros da economia. Como os empréstimos internacionais feitos pelos militares estavam balizados pela taxa americana, o resultado foi catastrófico: déficit público, retração do consumo e inflação. Em apenas cinco anos, entre 1974 e 1979, a dívida externa brasileira saltou de US$ 20 bilhões para US$ 55 bilhões. O país praticamente se tornou insolvente.

Os militares entregaram aos civis um país quebrado em 1985. E os anos 80 ficariam conhecidos como a Década Perdida. A população conheceu o desemprego crônico e a inflação galopante, que atingiu inimagináveis 6.584% em abril de 1990. À maior parte da população, restou a miséria. Se nos anos 60, a renda dos 10% mais ricos era 34 vezes maior que a dos 10% mais pobres, na década de 80 o abismo foi multiplicado por 47 vezes. O bolo de Delfim havia crescido, mas para a maioria restaram as migalhas.

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