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Jermina (esq.) e Vanilda Leal, agricultoras de Cerro Azul, moram em casebres de madeira e chão de terra batida, mas aparecem como beneficiárias de altos salários “pagos” pela Assembleia. Situação levou o MP a investigá-las. As duas ainda correm o risco de perder o Bolsa Família que as sustenta | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Jermina (esq.) e Vanilda Leal, agricultoras de Cerro Azul, moram em casebres de madeira e chão de terra batida, mas aparecem como beneficiárias de altos salários “pagos” pela Assembleia. Situação levou o MP a investigá-las. As duas ainda correm o risco de perder o Bolsa Família que as sustenta| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Confira reportagem da RPCTV com a descoberta dos diários avulsos da Assembleia Legislativa

Deputado desmente informação da Assembleia

O deputado estadual Jocelito Canto (PTB) desmentiu a informação prestada ontem pela Assembleia Legislativa do Paraná de que a agricultora Vanilda Leal trabalhava no gabinete dele. Jocelito disse que nunca teve uma funcionária chamada Vanilda. "É um absurdo isso. Não conheço. Não sei quem é. Eu conheço todos os meus funcionários. A Assembleia deve ter se confundido", disse. O deputado informou que ontem mesmo ligou para o presidente da Casa, deputado Nelson Justus (DEM), falando sobre o suposto equívoco. "Ele [Justus] me disse que ia ver isso amanhã [hoje]", completou.

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Jermina Maria Leal da Silva e a filha dela, Vanilda Leal, aparecem na lista de funcionários da Assembleia Legislativa do Paraná, publicada no ano passado. Os salários são efetivamente depositados em contas bancárias nos seus nomes, mas a cor do dinheiro elas dizem nunca ter visto. E não foi pouco o que saiu do Legislativo para as duas agricultoras semianalfabetas que afirmam nunca terem trabalhado lá: R$ 1,6 milhão, em cinco anos. Moradoras da zona rural de Cerro Azul, cidade a 100 quilômetros de Curitiba, no Vale do Ribeira, elas sobrevivem com ajuda de vizinhos e do que ganham do Bolsa Família.

Vanilda diz que não sabe onde fica "essa tal de Assembleia". E afirma nem ter conta bancária. Morando num casebre de madeira e chão batido no pé de um barranco onde o carro não consegue descer, ela dá mostras de que não sabe o que significa ter R$ 1,2 milhão – valor que teria sido depositado em sua conta. Ela só teria tanto dinheiro se vivesse por 634 anos e nada gastasse dos R$ 164 que ganha por mês do Bolsa Família. Foram 60 pagamentos na conta dela desde 2004. Na média, cada depósito foi de R$ 20 mil, mas houve meses, em 2006, em que o salário dela foi de até R$ 35 mil.

O nome de Vanilda, de 33 anos, aparece apenas duas vezes nos diários oficiais da Assembleia de 2006 para cá. Uma nomeação em 2008 no gabinete da administração, comandado por José Ary Nassif, e na relação de servidores divulgada no ano passado. Ontem, a Assembleia confirmou que ela realmente é funcionária, mas lotada no gabinete do deputado estadual Jocelito Canto (PTB) – veja a explicação dele e da Assembleia na reportagem ao lado.

Vanilda mora a 50 metros da mãe, Jermina, de 60 anos. Em meio a galinhas e porcos, Jermina divide a casa de apenas um cômodo e chão batido com o marido Izaltino Floriano, de 62 anos, e um dos netos. Ela teve doze filhos. Quatro nasceram mortos.

Além de plantar para a própria subsistência e de receber dinheiro do Bolsa Família, Jermina complementa os ganhos com tapetes artesanais que produz em casa. No fim do mês, a renda não chega nem a R$ 1 mil.

Essa renda é incompatível com o que indicam as movimentações bancárias dela. Os depósitos para Jermina somam R$ 380 mil entre 2004 e 2009. Foram ao menos 21 pagamentos. Na média, os salários eram de R$ 18 mil, mas ela chegou a receber R$ 26 mil em alguns meses de 2006.

Semianalfabeta, Vanilda estudou só até a 2.ª série do ensino fundamental. A necessidade de sobrevivência superou o sonho da educação. Jermina, que fez a alfabetização depois de adulta, no programa Paraná Alfabetizado do governo do estado, tentou fazer de Vanilda uma moça estudada. Mas as necessidades convergiram para o trabalho e os livros ficaram em segundo plano. Tanto é que, na hora de escrever, Vanilda não vai muito além do nome. Em 2008, uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho encontrou Jermina numa atividade análoga à escravidão.

Toda essa situação reforça os indícios de que foi outro o destino dos altos salários que caíram nas contas de mãe e filha – em um caso que pode ser parecido com o esquema gafanhoto da Assembleia. Descoberto em julho de 2008, o caso envolvia o depósito de salários de vários servidores da Casa numa única conta bancária. Alguns desses funcionários, pobres como Vanilda e Jermina, tampouco sabiam serem servidores da Assembleia.

Desgosto

Ao ser informada do suposto salário, Jer­­­mina não esconde o desgosto: "Isso é uma vergonha. Nunca tive esse dinheiro. Deus está vendo isso", diz.

O possível crime de desvio de recursos público ainda pode ter agravantes fiscais. Consultando os CPFs de Jermina e Vanilda no site da Receita Federal, é possível saber que as agricultoras declararam Imposto de Renda e tiveram restituição de 2004 até o ano passado – dinheiro que ambas garantem também nunca ter recebido.

A agricultora Jermina inclusive está sendo investigada pelo Ministério Público do Paraná sob a suspeita de receber sem ter trabalhado na Assembleia. As pessoas que supostamente ficam com o dinheiro depositado para Jermina também lhe tiraram o direito de se aposentar. "Minha mãe tentou a aposentadoria, mas não consegue. Lá dizem que ela recebe altos salários na Assembleia", explica um dos filhos de Jermina. E até o benefício do Bolsa Família, agora, mãe e filha podem perder.

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