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Dilma Rousseff como secretária de Minas, Energia e Comunicação no governo de Olívio Dutra (1999-2002). Ela já tinha ocupado o mesmo cargo na gestão de Alceu Collares | Antônio Sobral/Correio do Povo
Dilma Rousseff como secretária de Minas, Energia e Comunicação no governo de Olívio Dutra (1999-2002). Ela já tinha ocupado o mesmo cargo na gestão de Alceu Collares| Foto: Antônio Sobral/Correio do Povo

No poder

Dilma cobrava quem tinha cargo de chefia

Em Porto Alegre, onde iniciou sua carreira no poder público, Dilma Rousseff também tinha fama de "durona". Mas ela não cobrava de qualquer um, relembram companheiros de longa data, que, coincidência ou não, atenderam a reportagem da Gazeta do Povo vestidos com camisetas vermelhas e cheios de elogios para a primeira mulher eleita presidente do Brasil. "Ela cobrava eficiência de quem era responsável pela formulação de políticas públicas, mas nunca daqueles que eram simples executores de ordens", afirma Olívio Dutra, hoje presidente do PT gaúcho.

Que o diga o colega Calino Pacheco Filho, que também trabalhou como chefe de gabinete de Dilma no secretariado de Dutra entre 1999 e 2002. "Para ela, trabalho não tem horário. Várias vezes ela me ligava, às 3, 4 da manhã, dizendo que estava na secretaria, e que era para eu ir para lá também", relembra. "Mas essa era a Dilma trabalhadora. No trato pessoal, sempre foi muito amigável, culta e brincalhona, dando apelido pra todo mundo."

Essa alegria não cessou nem mesmo com a prisão e tortura do início dos anos 70. "Ela não se abateu, não se intimidou, e também nunca fez o papel de heroína ou de vítima. A passagem da luta dela contra a ditadura não era tema de conversa", conta Dutra.

Alceu Collares, que era deputado federal pelo MDB durante o regime militar, tinha suas reservas quanto à luta armada. "As pessoas podem pensar assim, mas não podemos deixar de reconhecer que jovens colocaram suas vidas em jogo pela liberdade e pela democracia." (RF)

Em 2007, a descoberta de petróleo na camada de pré-sal incentivou o Brasil a se projetar como um gigante econômico em um futuro não tão distante, injetando ainda mais popularidade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dilma Rousseff beneficiou-se diretamente dessa onda de aprovação, mas essa não foi a primeira vez que o "ouro negro" interferiu no seu destino. Em 1973, quando ela estava saindo do presídio Tiradentes, a crise mundial do petróleo deu início ao desmonte da ditadura militar – algo que nem ela nem milhares de brasileiros que lutaram na resistência haviam conseguido fazer.

Dilma, presa no início de 1970, cumpriu quase três anos de pena em São Paulo por participar de organizações da luta armada, co­­mo a VAR-Palmares. O segundo marido, Carlos Franklin Paixão de Araújo, foi preso em agosto daquele ano e, por alguns meses, os dois estiveram ao mesmo tempo no presídio Tiradentes. Nesses encontros, fizeram as pazes, pois ele havia engatado um romance com a atriz Bete Mendes.

Quando Dilma saiu, passou uma temporada com sua família, em Belo Horizonte, descansando e se recuperando dos males físicos e psicológicos que sofreu quando foi detida pela Dops, a polícia do governo militar que tinha a tortura como instrumento de trabalho. Logo se mudou para Porto Alegre para ficar próximo do companheiro, transferido para a Ilha do Presídio, no Rio Guaíba. Ela se instalou exatamente do outro lado da margem, na casa onde ele morava. Na metade de 1974, Araújo é solto. Dois anos depois, o casal tem a primeira e única filha, Paula.

Lenta e gradual

Não só o ambiente familiar é reconstruído. A vida política de Dilma e dos brasileiros em geral voltara a respirar com a promessa de transição à democracia de forma "lenta, gradual e segura". Quem assumiu o compromisso foi o general Ernesto Geisel, ao tomar posse na Presidência do Brasil em 1974, um ano após o choque do petróleo. O preço do produto quadruplicou e foi uma das principais causas do fim do "milagre" brasileiro e suas taxas de crescimento econômico a partir de 1968. A recessão gerou insatisfação, e a população reagiu nas eleições para o Congresso em 1974 e 1978, dando milhões de votos ao MDB, único partido oposicionista com permissão para funcionar.

Foi no MDB gaúcho, mais exatamente no Instituto de Estudos Políticos e Sociais, que Dilma voltou a agir politicamente. Não mais planejando assaltos como na guerrilha, mas sim políticas de governo para reduzir a injustiça social, segundo o colega de longa data Calino Pacheco Filho. Ele e Dilma, companheiros na VAR-Palmares, conseguiram um estágio no órgão governamental gaúcho Fundação de Economia e Estatística (FEE), em 1974. No ano seguinte ingressaram na Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com isso, foram efetivados no órgão público – como eram estagiários, passaram por uma seleção interna e se livraram da exigência de apresentar atestado de bons antecedentes – coisa que o Dops, certamente, não forneceria.

Mas os militares ainda estavam alertas e, em 1977, a ditadura voltou a rugir. Algumas alas do governo eram contrárias à abertura política que Geisel vinha fazendo, como o ministro do Exército, Sílvio Frota, pré-candidato à sucessão presidencial. "Não dá para dizer que o Geisel era brando, mas o Frota era muito mais linha-dura, e até chamou o presidente de 'criptocomunista'", relembra Pacheco Filho.

O general foi exonerado em outubro e, em novembro, quis comprovar o que dizia. "Ele apresentou uma lista com o nome de 97 pessoas que ele dizia serem perigosos comunistas infiltrados na máquina do Estado. Eu e a Dilma estávamos na FEE e, após o anúncio do Frota, fomos expulsos", acrescenta. O atual governador de São Paulo, Alberto Goldman (PSDB), também estava na lista.

Expurgada, Dilma inicia em 1978 um mestrado em Ciência Econômica na Unicamp, no interior de São Paulo. Passa lá a maior parte do tempo e leva a pequena Paula consigo. Além do estudo formal – porém inconcluso, pois não apresentou a dissertação – ela participa de alguns grupos de discussão política, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Com os gaúchos organiza o "coletivinho", formado principalmente por brizolistas e trabalhistas.

Entre dois caudilhos

Em 1979, a Lei da Anistia permite a volta dos exilados, entre eles Leo­­­nel Brizola, que tenta refundar o PTB. Mas o governo militar não libera a sigla. É criado, então, o PDT, partido pelo qual Araújo, ma­­­rido de Dilma, se elege deputado estadual em 1982. Nessa época (en­­­tre 1980 e 1985), ela e Calino já eram assessores econômicos da bancada do PDT no Legislativo gaúcho.

Nas eleições municipais de 1985, Alceu Collares (PDT) e Olívio Dutra (PT) fazem o segundo de uma série de confronto nas urnas – a primeira vez foi em 1982, quando Jair Soares (PDS) os derrotou. Nesse round, o pedetista venceu. Dilma, que tinha participado da formulação de seu plano de governo, é nomeada secretária da Fazenda de Porto Alegre. Entre 1989 e 1990, ela ocupa a diretoria-geral da Câmara de Vereadores da cidade. Em 1990, a FEE readmite Dilma e Calino e, no ano seguinte, ela assume a presidência do órgão, conforme nomeação de Collares, agora no governo do Rio Grande do Sul. De 1993 ao fim de 1994, é secretária de Minas, Energia e Comunicação.

Ela ocupou esse mesmo cargo entre 1999 e 2002, quando Dutra foi eleito governador com o apoio de Collares no segundo turno. A simpatia com o PT virou ligação partidária em 2000, após um racha dos dois partidos. Collares, que considerou esse ato uma "traição", não abandonou Dilma, e agora em 2010 foi a vez dele arranjar briga com o PDT gaúcho porque apoiou a petista.

Em 1995, quando deixou a presidência da FEE, Dilma teve uma mal-sucedida experiência como empreendedora. Junto com a ex-cunhada – ela e Araújo finalizaram a união de 25 anos em 1994 –, abriu uma loja de bugigangas importadas, do tipo R$ 1,99. Era a época da paridade do real com o dólar, mas o negócio não prosperou. Olívio Dutra relembra essa época como "o tsunami da privataria", tanto no Rio Grande do Sul, com a gestão de Antonio Britto, como no Brasil, com o Fernando Henrique Cardoso.

*Chico Buarque

Os títulos da série fazem referência a composições de Chico Buarque que marcaram os períodos retratados pelas reportagens.

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