
Um dos períodos mais subdimensionados da história do Brasil é a Guerra da Independência. A avaliação é do jornalista e escritor Laurentino Gomes, que está escrevendo um novo livro, agora sobre os tempos da independência do país. Autor do best-seller 1808, que resgata o período no qual a corte portuguesa esteve no Brasil, ele revela que foram cerca de 20 mil brasileiros mortos, em um ano e quatro meses de guerra. Proporcionalmente, o número é maior que o de americanos mortos na Guera do Vietnã.
Além de desmistificar a crença de que o processo de ruptura com Portugal foi pacífico, Gomes explica que os acontecimentos importantes da história não se restringiram a Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. "A participação de outras províncias foi muito importante. Só na Bahia morreram cerca de 10 mil pessoas. No Pará, foi até em outubro de 1823." O autor diz que pretende contar o processo de independência do país de uma perspectiva mais nacional.
Em entrevista concedida à Gazeta do Povo, Laurentino Gomes ainda reconstrói a imagem de Dom Pedro I para além de um boêmio mulherengo autoritário. Na visão do escritor, há uma outra dimensão da personalidade do imperador, que ficou apagada na história. Dom Pedro I vive um momento épico, ao retornar a Portugal após abdicar da coroa em favor do filho. Segundo Gomes, dom Pedro desembarca em Portugal em 1831 com 7 mil soldados e luta contra o irmão d. Miguel I , que tinha um exército de 80 mil homens. Vence e coloca a filha no trono, com o título de Dona Maria II. Assim, antes de morrer, ele deixa seus filhos como soberanos de duas nações.
No microblog Twitter, Gomes vem publicando algumas de suas descobertas (www.twitter.com/laurentinogomes). O objetivo, diz o escritor, é ir atraindo a curiosidade das pessoas sobre a nova obra, que será lançada em 2010.
Como está a pesquisa para o novo livro?
Estou mergulhado na pesquisa a mais de um ano. Já li 40 livros e faltam mais uns 80. Tenho observado duas coisas muito curiosas. A primeira é que dom Pedro I passou para a história de forma muito desqualificada, imaturo, boêmio, mulherengo, imoral e que fez a independência por acaso. É certo que ele teve inúmeras amantes, teve 18 filhos, nove oficiais e nove bastardos. Mas foi personagem importantíssimo da história brasileira. Totalmente passional, brigava e fazia as pazes com igual facilidade. Era um chefe com muito senso de autoridade, o que acabou criando um conflito muito sério. Isso porque tinha um discurso liberal, mas era muito autoritário. Ao mesmo tempo, a Constituição brasileira do império era uma das mais liberais do mundo, em termos de direitos civis.
A segunda coisa que tenho observado é que o processo de Independência não foi pacífico. A impressão que se passa geralmente é que não existiram lutas. Mas a Guerra da Independência durou um ano e quatro meses. As revoltas contra os portugueses começaram na Bahia em fevereiro de 1822. Só na Bahia morreram cerca de 10 mil pessoas. A Guerra da Independência só foi terminar em julho de 1823. Proporcionalmente (às populações), morreram mais brasileiros na Guerra da Independência do que americanos no Vietnã. Foram mais de 20 mil mortos, dos quais 90% eram brasileiros. Na guerra do Vietnã, morreram 50 mil americanos. Mas, na prática, o "grito do Ipiranga" foi a formalização da ruptura com Portugal. O Brasil já funcionava sozinho, tinha leis próprias, constituinte própria. Vinha funcionando como um país desde maio de 1822, praticavam uma série de atos como se fosse um país. Em sete de setembro, foi o rompimento formal.
Há outros mitos sobre a independência do país?
Outra história curiosa é a que se refere "às margens do Ipiranga", como se tudo tivesse se resumido a episódios em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas a participação de outras províncias foi muito importante. Na Bahia, a guerra da independência durou até julho 1823. No Pará, foi até em outubro de 1823. Os episódios da Confederação do Equador, em Pernambuco, fazem parte da Guerra da Independência. No livro, pretendo dar uma perspectiva mais nacional do que aconteceu no período.
Há toda uma mística sobre o Dia da Independência, por causa de um quadro que frequentemente aparece nos livros escolares. Como foi o rompimento com Portugal no dia 7 de setembro?
O quadro de Pedro Américo (Independência ou Morte), pintado em 1886, é quase uma cópia da obra de Jean-Louis Meissonier (Napoleão na batalha de Friedland, pintado em 1875). Pedro Américo mostra uma cena épica de dom Pedro. Na realidade, ele estava voltando de Santos, subindo a serra numa mula. O caminho era muito difícil e o jeito correto de se fazer o trajeto era de mula. Ele tinha comido em Santos algo que fez mal e tinha de parar o tempo todo para correr para o mato. Foi quando lhe foi entregue uma carta de Portugal, que mandava que retornasse. Nesse momento é que os laços com a metrópole foram rompidos definitivamente.
No Twitter, o senhor comentou que recebeu um email de um leitor que lhe aconselhava a não cair na armadilha de considerar José Bonifácio de Andrada e Silva como o patriarca da Independência. Para o leitor, Bonifácio teria sido "endeusado" pelos historiadores e o verdadeiro patriarca seria Joaquim Gonçalves Ledo. Qual sua opinião a esse respeito?
Essa questão foi partidarizada ao longo da história. José Bonifácio e Joaquim Gonçalves Ledo eram rivais na maçonaria do Rio de Janeiro e encenaram uma disputa tão ferrenha quanto a de Lula e Fernando Henrique Cardoso hoje. Os projetos dos dois eram parecidos em longo prazo. Joaquim Gonçalves Ledo defendia a submissão do imperador à Constituição e à soberania popular. Já Bonifácio defendia uma monarquia constitucional, sem federalismo, com poder centralizado na mão do imperador. Havia vários outros projetos políticos para o Brasil. O de frei Caneca, por exemplo era federalista e republicano. Tinha gente que defendia o absolutismo. Outros, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Mas foi o de José Bonifácio que venceu. Portanto, ele é chamado corretamente de o patriarca da Independência. Atualmente, tem gente que acha que Bonifácio foi sábio. Outros acham que ele impediu que o Brasil se tornasse uma república mais cedo. Mas Bonifácio tinha senso mais acurado da conjuntura nacional que Gonçalves Ledo. Embora seja muito difícil julgar, 200 anos depois. Num país escravocrata, de latifúndios e analfabetos, o Estado poderia ter se fragmentado, se virasse uma república.
Qual foi o papel da maçonaria no processo de Independência?
A maçonaria funcionou como um "protopartido político." A monarquia portuguesa era muito católica conservadora, não admitia as ideias das revoluções americana e francesa. Então, as ideias eram propagadas em sociedades secretas. A maçonaria teve o papel importante de trazer essas ideias, mas também de propiciar um mínimo de organização. O historiador Oliveira Lima afirma que as lojas maçônicas foram aglutinando as elites brasileiras. O mito é que houve conspiração da maçonaria. O manifesto do Dia do Fico (em 9 de janeiro de 1822) foi feito por Gonçalves Ledo, que era o mestre maçônico no Rio de Janeiro. Tanto que o lema "independência ou morte" era o nome de uma loja maçônica de José Bonifácio, no Rio de Janeiro.
O jornalista Barbosa de Lima Sobrinho comenta em um de seus livros ("A língua portuguesa e a unidade do Brasil") que o idioma foi decisivo para manter o país coeso. Qual sua opinião?
Acho que a língua e a cultura portuguesa eram os únicos elementos de identidade do país. As pessoas não se reconheciam naquele momento como brasileiros. A cultura funcionou como se fosse "um farol".
Qual será o período exato da história do Brasil que o próximo livro seu irá tratar?
O primeiro livro (1808) tratou de um período de 14 anos, entre a vinda da família real até a volta para Portugal. O livro que será publicado no próximo ano vai começar em 1820, após a Revolução Liberal do Porto e o retorno da família real, até a morte de d. Pedro I em 1834. A imagem comum que se tem de dom Pedro após a abdicação é muito apagada. Vou mostrar que tem um dom Pedro muito épico após a abdicação, em abril de 1831. Ao voltar para Portugal, ele enfrenta o irmão dom Miguel, que aliado com sua mãe Carlota Joaquina, havia usurpado a Coroa portuguesa. Dom Pedro tinha abdicado do trono português quando morreu seu pai, em 1826, sob a condição que sua filha, Maria da Glória, fosse a herdeira. Ele chegou em Portugal em 1831, com 7 mil soldados, para lutar contra o irmão, que tinha um exército de 80 mil homens. Dom Pedro ganha a guerra e coloca a filha no trono, com o título de dona Maria II. Três anos depois, morre no mesmo quarto que nasceu, no palácio de Queluz. O quarto chamava-se Dom Quixote. Isso é simbólico, porque dom Pedro foi um grande personagem, que lutou contra tudo.



