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Presença

Onde está o juiz?

Mesmo quem entrou para a magistratura mais recentemente também presenciou situações em que ser uma mulher com título de juiz causava estranhamento e comentários, como lembra a magistrada Luciane Bortoleto, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Curitiba. Ao se submeter à banca do concurso que prestou para juíza em 1998, ouviu um dos avaliadores comentar que uma candidata casada e com filhos não poderia dar conta do trabalho. "Então eu disse que certamente ela deveria ter babá e já deveria ter resolvido a situação com o marido. Acho que ajudou, pois ela foi aprovada, e hoje somos grandes amigas."

Em outra ocasião, Luciane coordenou a primeira eleição com urna eletrônica de um município. Era a única autoridade mulher ao lado de um delegado e dois promotores. Então um cidadão lhe disse: "Ainda bem que há um promotor homem aqui". Também era comum que cidadãos, e até vendedores de livros jurídicos, chegassem à sua sala e pedissem para falar com o juiz. Ao dizer que era a juíza, muitos estranhavam.

A desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná Rosana Fachin, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do órgão, lembra que, quando atuava como advogada, era comum que os clientes pedissem pelos profissionais homens do escritório. "Na época, a própria Ordem, todo o conselho e a diretoria não possuíam mulheres, a gente se ressentia um pouco, se sentia em segundo plano."

Hoje, após três mulheres já terem chegado ao STF, Rosana diz que é preciso avançar mais. "A presença da mulher é muito importante; ela já se mostra bastante presente no primeiro grau, mas no segundo grau nós não temos essa paridade – no STJ não são tantas e nos tribunais estaduais também não", diz. No TJ-PR, por exemplo, dos 116 desembargadores, 19 são mulheres. As mulheres, portanto, já não precisam lutar para entrar na magistratura, mas para ascender dentro dela sim.

As desbravadoras

Judiciário de saias – ou de calça

Em 2007, a ministra do Supremo Tribunal Federal Carmem Lúcia causou frisson no plenário e na imprensa por ter sido a primeira mulher a usar calças durante uma audiência. Durante um julgamento relativo à Lei Maria da Penha, ela alegou ter sofrido discriminação de gênero, quando alguém comentou, sem saber quem ela era, que o STF não era lugar para uma mulher.

Apenas mulheres

Em fevereiro de 2012, o julgamento de Lindemberg Alves, que matou a ex-namorada Eloá Pimentel, chamou a atenção do país pelo fato de ter contado com três mulheres em posições-chave: a juíza Milena Dias, a promotora Daniela Hashimoto e a advogada de defesa Ana Lúcia Assad.

Nome de turma

Em 2012, a professora de Direito Penal da UFPR Priscilla Placha Sá se tornou a primeira mulher a dar nome a uma turma do curso de Direito da instituição, que completou 100 anos no ano passado. Dos 76 professores da graduação, 19 são mulheres. O curso teve sua primeira professora em 1980.

Altos cargos

A primeira ministra do STF foi Ellen Gracie Northfleet, empossada em 2000 e já aposentada. Hoje, dos 11 ministros, duas são mulheres – a mineira Carmem Lúcia e a gaúcha Rosa Weber. Já no Ministério Público Federal, a primeira Procuradora-Geral da República foi Deborah Duprat, que assumiu o órgão interinamente durante uma transição, por 22 dias, em 2009.

Do zero a quase um terço dos profissionais atuantes em 114 anos. Esse é o balanço que se faz da trajetória feminina no mundo do Direito desde que, pela primeira vez, uma mulher estreou em um tribunal no Brasil. Era o ano de 1899 quando Myrthes Gomes de Campos causou sensação na imprensa e na sociedade carioca por defender no Tribunal do Júri um homem acusado de agredir outro com golpes de navalha. Desde então, a participação das mulheres como operadoras do Direito passou de 0% durante a primeira década do século 20 para 2,3%, nos anos de 1960, e 11%, nos anos 90, chegando a 30%, no fim da primeira década deste século, de acordo com estatísticas do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.

Nos escritórios, as mulheres tinham trânsito mais livre do que nas repartições públicas. Em 1902, Maria Augusta Saraiva se tornou a primeira mulher a se formar bacharel em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, tendo trabalhado em várias causas na área criminal. Ainda hoje, é a advocacia o espaço em que o número de mulheres atuantes mais se aproxima do de homens: elas representam 44,8% dos advogados ativos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 2012.

Nos concursos públicos, porém, as conquistas não vieram tão a galope. Foram necessários 55 anos, desde a estreia de Myrthes, para que uma juíza fosse empossada no Brasil. O feito coube à magistrada de Santa Catarina Thereza Grisólia Tang, em 1954. Após o fato, outros 46 anos se passaram até que uma mulher, Ellen Gracie, fosse admitida no Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país. Na magistratura, elas são 31% do total. No Ministério Público, o pioneirismo foi de Amélia Duarte, que passou em um concurso da instituição em 1936.

Questões íntimas

A trajetória da primeira magistrada do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, ilustra bem a dificuldade enfrentada pelas mulheres que quisessem ingressar na magistratura. "Eu sempre tive o sonho de ser juíza, mas na faculdade os colegas me ridicularizavam, era como se eu dissesse que queria ser astronauta", lembra ela, que se formou em 1971. Em 1973, quando se inscreveu para o concurso de juíza, as inscrições femininas eram rejeitadas pelo TJ-RS.

A gaúcha então foi à imprensa e denunciou a discriminação. O tribunal julgou a questão e houve empate, tendo o presidente do órgão desempatado em favor das candidatas. Porém, como as provas eram identificadas, elas exigiram que o nome fosse retirado dos documentos. De 400 inscritos, 60 eram mulheres, e apenas quatro passaram. "Na entrevista final, um desembargador me perguntou se eu era virgem, e me disse que não poderia andar de saia curta nem namorar oficial de justiça."

Uma mulher na penitenciária

Amante de romances policiais na adolescência, a advogada e professora da Faculdade de Direito da UFPR e da PUCPR Priscilla Placha Sá sempre acalentou o sonho de trabalhar numa das áreas mais masculinas e carregada de dramas dentro do Direito. Apesar da paixão e da dedicação pelo Direito Penal, sempre era colocada à prova. "Ouvi de várias pessoas que haviam gostado da minha atuação, mas que não me contratariam por ser mulher. As pessoas querem alguém que fale alto, batam na mesa, e acham que uma mulher não conseguiria se impor", diz.

Nas delegacias, era comum que lhe perguntassem se era a vítima. "Os clientes também me perguntavam: ‘mas, se eu for preso, como uma mulher vai me visitar na penitenciária? Se precisar sair para atender de madrugada, seu marido vai deixar?’". Em 2012 ela se tornou a primeira mulher a emprestar seu nome a uma turma no curso de Direito da UFPR. "Fiquei orgulhosa, mas sei que isso se deve a todo um trabalho feito pelas professoras que me antecederam. Devolvo esta homenagem a elas."

No início da carreira, a advogada e presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PR entre 2010 e 2012, Sandra Lia Bazzo Barwinski, costumava ser confundida com uma estagiária, ouvindo "você é do escritório de qual advogado?". "Descobri que existe um sistema de segregação de gênero, que nem sempre é declarado, porém é perverso. Encontrei então uma causa maior para a qual tenho me dedicado nos últimos anos. A minha modesta advocacia tomou novos rumos e novas proporções", diz Sandra, que se especializou em causas ligadas à mulher.

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