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Tema capital para o imediato devenir do Brasil e dos demais países emergentes, o agronegócio volta a alentar-se na agenda multilateral de comércio, com a retomada das negociações da Rodada de Doha, emperradas desde o começo do semestre. Dessa vez foi a Índia a provocar o colapso, em defesa de seus estoques reguladores e de sua alegada segurança alimentar, considerados em princípio ilegais na OMC. Concedidas as salvaguardas exigidas por Nova Delhi, volta-se a negociar, em agenda que deve priorizar temas da economia do campo e de seus derivados, contra a vontade dos Estados Unidos, da União Europeia e do Japão, é verdade, mas com o entusiasmo de todos os países emergentes.

A economia brasileira tem indicadores que falam per se: de janeiro a outubro último o país exportou 191,8 bilhões de dólares, dos quais cerca de 84 correspondem a commodities. É possível chegar-se ainda no decurso do ano, mercê do excelente desempenho do setor, a inéditos 45% de puro agronegócio na pauta de exportação do país. Na expressão de Paulo Roberto de Almeida, o Brasil transformou-se em um ‘killer’ do agribusiness internacional, por sua imbatível competitividade, escala e versatilidade. Se por um lado fatores virtuosos como empreendedorismo, qualificação, expertise tecnológica, acesso a crédito e agendas positivas foram basilares para os notáveis avanços, por outro se avolumam temores e desafios formidáveis, como a necessidade de agregar valor a produtos primários, a par da adoção de medidas preventivas em face da oscilação de preços internacionais; e, não com menos importância, do fortalecimento da interlocução entre o governo e o campo, na gestão estratégica de fatores macroeconômicos essenciais ao setor.

No plano internacional há todo um rol de alvissareiras perspectivas, a incluir enfrentamentos jurídicos inevitáveis. A demanda por alimentos parece tendência a confirmar-se, não apenas pelo fator China, mas tomando em conta toda uma cadeia de crescente mercado, atento à competente produção brasileira e à de seus vizinhos. Com as negociações da OMC recém destravadas, pode-se confrontar e colocar em xeque tanto europeus como norte-americanos, contumazes protecionistas ilegais, bem como buscar definir, dar transparência e limitar o uso abusivo de medidas sanitárias e fitosanitárias como barreiras ao livre comércio. Por tudo isso, não é exagerado otimismo esperar-se renovados ciclos virtuosos para o Brasil, apesar dos gargalos da burocracia, da fiscalidade voraz e da débil infraestrutura logística que emperra e atrasa.

No plano jurídico, embora as exportações de commodities sejam vítimas de reiterada política protecionista de países que escamoteiam o livre mercado, com subsídios escandalosos, como na política agrícola comunitária da Europa ou no Farm Bill dos Estados Unidos, pouco se pode fazer contra isso na OMC. Pressões políticas e salvaguardas que congelam negociações produtivas dificultam procedimentos judiciais condenatórios, em detrimento da segurança jurídica e da própria rationale do sistema multilateral de comércio. Assim mesmo há em Genebra 77 casos versados em questões do agronegócio, contra os conhecidos países de sempre, países de duplo discurso, que por um lado protegem ferozmente seu agronegócio e por outro cobram com notável hipocrisia livre comércio para exportações industriais e de serviços. Dentre esses casos emblemáticos, destaca-se o DS 365, em que o Brasil demanda os Estados Unidos por medidas domésticas de proteção às exportações com garantia de crédito para produtos agrícolas, tudo manifestamente ilegal. Com a fase de consultas iniciada em 2007, o caso já foi admitido e aguarda apenas a instalação do painel.

Desde 1947, todos os temas capitais para os países desenvolvidos foram sendo incorporados às normativas do GATT à OMC, a exemplo de normas antidumping, subsídios, propriedade intelectual, barreiras técnicas e barreiras sanitárias. Por seu turno, a regulação da questão agrícola, a incluir pecuária e agroindústria, foi sempre postergada, o que é deletério para o interesse brasileiro. No entanto, ainda que isso continue a ocorrer, por injunções políticas incontornáveis, há robusta base jurídica já consolidada, apta a permitir uma avalanche de demandas contra o protecionismo agropecuário dissimulado como política de Estado. Se cada cidadão europeu paga hoje cerca de 30 centavos de euro/dia para subsidiar ilegalmente a decadente economia rural do Velho Continente, sob subterfúgios dos mais diversos, também temos no Brasil razões de sobra para atender reivindicações do agronegócio, nem sempre de todo conformes às normas internacionais. Afinal, trata-se do carro-chefe da economia, que emprega 37% da força de trabalho do país.

Jorge Fontoura, doutor summa cum laude pela Universidade de Parma, Itália, é professor titular de direito internacional do Instituto Rio Branco e presidente do Tribunal Permanente do Mercosul.

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