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As respostas do direito à violência de gênero

Casos de maus tratos contra mulheres que vêm a público causam indignação, no entanto, a sociedade ainda resiste em discutir as violações que ocorrem na vida privada, e a aplicação do direito também reflete essa resistência

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No mês em que se celebrou o Dia Internacional da Mulher, o Brasil presenciou notícias revoltantes sobre violência de gênero que se referem tanto a fatos quanto à mentalidade que ainda impera no país. No metrô de São Paulo, uma tentativa de estupro em um trem lotado trouxe à tona os índices de abusos que ocorrem no transporte público da cidade. Foram 29 homens encaminhados à polícia sob acusação de abuso nos vagões só neste ano. No dia 27, uma pesquisa, divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostrou que 58% dos entrevistados concordaram que haveria menos estupros caso as mulheres soubessem se comportar.

Se os casos de violência no metrô geraram indignação, a reação ao que ocorre na esfera privada é bem mais branda: na mesma pesquisa, a maioria dos entrevistados concordou com a afirmação de que, em brigas que ocorrem em casa, quem é de fora não deve se meter. Essa mentalidade ajuda a manter altos os índices de violência doméstica, que é a que faz mais vítimas femininas. Além disso, a culpabilização das agredidas ainda é bastante comum.

Para essas situações, a legislação penal do país possui punições severas. Para o estupro, considerado crime hediondo, o Código Penal prevê pena de seis a dez anos ao agressor; para os casos de violência doméstica, a legislação brasileira é considerada referência internacional. A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) estabelece, não apenas medidas punitivas, mas uma política pública que garanta a proteção da mulher. O artigo 8.º institui que essa política deve ser feita "por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais", que devem integrar áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; que estudos e pesquisas sobre o assunto devem ser promovidos e que nos meios de comunicação sejam coibidos os estereótipos "que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar".

Outra pesquisa do Ipea, divulgada em 2013, mostra que a criação da lei não reduziu o número de homicídios de mulheres. Em 2006, ano em que a norma entrou em vigor, a média de mortes foi de 5,02 para cada 100 mil mulheres brasileiras. Já em 2011, esse número foi de 5,43.

Para a advogada e ativista do movimento feminista Xênia Mello, "se a Lei Maria da Penha for aplicada somente no aspecto punitivo, está fadada ao fracasso". Na opinião dela, as medidas preventivas ainda são tímidas e o grande desafio é a falta de orçamento para isso. Uma mudança legislativa que poderia aperfeiçoar o combate à violência seria a criação de rubricas específicas para o tema. Xênia explica que muitas vezes se diz que no orçamento de educação ou de saúde está previsto o direcionamento de uma parcela ao combate à violência doméstica, mas, como os valores não estão especificados, o foco acaba se perdendo no caminho que os recursos fazem até se tornarem ações.

Despreparo

Outro desafio nessa área é a preparação dos próprios operadores do direito que lidam com as vítimas. "É muito importante que todos os profissionais estejam preparados, sem revitimizar, sem criticar a mulher por ter demorado a denunciar", diz o promotor de Justiça Thiago Pierobom, coordenador dos Núcleos de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. A presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fernanda Marinela, diz que ainda há preconceito no próprio Judiciário. "A discriminação desses órgãos, que deveriam apoiar, receber e acolher, agrava ainda mais a situação. Na verdade, nós vivemos uma grande crise contra mulheres. O problema não é de normas, é a falta de preparo dos aplicadores e a falta de infraestrutura para a aplicação das leis."

Sistema de proteção precisa de mais estrutura

Segundo levantamento apresentado no Mapa da Violência 2012, o Paraná é o terceiro estado onde mais se matam mulheres, a média é de 6,3 homicídios para cada 100 mil. Existem apenas dois juizados de violência doméstica e 16 delegacias da mulher por aqui.

Segundo a desembargadora Denise Krüger Pereira, coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid), no Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher tramitam 17.659 feitos, incluindo ações penais e procedimentos relacionados à matéria, como medidas protetivas de urgência. Questionada, em entrevista por e-mail, se o número de juizados é suficiente, a desembargadora não respondeu à pergunta, mas disse: "Por certo que muito há ainda a ser realizado, mas o Poder Judiciário tem empregado todos os esforços para contribuir, de maneira ímpar, na efetivação e na consagração dos objetivos da Lei Maria da Penha".

A lei prevê que toda mulher em situação de violência tenha acesso à Defensoria Pública ou à Assistência Judiciária Gratuita. No Paraná a Defensoria Pública ainda é incipiente. "Como discutir atendimento à mulher se a Defensoria como um todo não tem estrutura?", questiona a advogada Xênia Mello.

Colaborou Rômulo Ogasavara

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