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Debate

Até onde vão os direitos dos animais

Polêmica sobre resgate de cães em São Paulo levanta discussão sobre como as leis brasileiras protegem os animais e até que ponto os direitos deles se confundem com os dos humanos

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O caso do Instituto Royal em São Paulo exaltou os ânimos dos grupos de defesa dos animais e despertou discussões que vão além dos fatos ocorridos no laboratório de pesquisas, onde cães da raça Beagle eram utilizados para pesquisas científicas e foram retirados à força por um grupo de ativistas. Há defensores que consideram que os animais devem ser tratados como sujeitos de direito. Por outro lado, há também aqueles que recorrem à legislação vigente para diferenciar os direitos dos humanos dos de animais.

O Código Civil se refere aos animais no livro do direito das coisas. Por essa razão são considerados bens, e os direitos e deveres de seus proprietários é que são levados em conta. As normas sobre o assunto no Brasil, contudo, vão além do CC e desde a Constituição Federal até a portarias do Ibama apresentam uma série de medidas protetivas.

A Lei de Crimes Am­­bien­­tais (nº 9605/1998), por exemplo, define pena de três meses a um ano e multa para quem praticar maus tratos contra animais e especifica no parágrafo primeiro a mesma punição para "quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos". O uso de animais para procedimentos científicos está normatizado na Lei Arouca (1.1794/2008).

O texto constitucional refere-se à proteção da fauna (art. 225) sem se referir a tipos específicos de animais, deixando margem para a interpretação de que todas as espécies, sejam domésticas ou silvestres, devem ser protegidas da extinção e de atos de crueldade.

Tratamento

Se não há dúvidas sobre a interpretação das leis que determinam medidas punitivas a quem maltrata os animais, o mesmo não se pode dizer sobre o tratamento jurídico dado a eles. A advogada e vice-presidente do Instituto Abolicionista Animal (IAA), Danielle Tetü Rodrigues, observa que a Constituição e as leis infraconstitucionais de proteção da fauna colocam limites na ideia sobre propriedade dos animais ao proibir a crueldade, pois, se fosse levada em conta apenas a concepção do Código Civil, de coisa, os proprietários poderiam fazer o que quisessem com o bem que lhes pertence. Ela defende também que, quando a Constituição define que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado" (artigo 225), refere-se a todos os seres e não apenas aos humanos.

A advogada vai além e defende que os animais sejam tratados como sujeitos de direito. "Eu acredito que os animais são sujeitos de direito, só que eles têm uma personalidade sui generis, autônoma. A meu ver, isso já está amplamente comprovado." Mas ela diz que não é por isso que os animais têm os mesmos direitos e deveres que os homens, pois cada um tem suas especificidades.

O advogado Ives Gandra Martins considera que, mesmo os animais tendo direito a um tratamento adequado, eles nunca serão sujeitos de direito e acrescenta: "Os direitos humanos não têm nada a ver com os direitos dos animais".

Ao mesmo tempo em que a Constituição trata da proteção da fauna, também define como competência do Estado fomentar a produção agropecuária (artigo 23, inciso VIII). "Nossa Constituição não é vegetariana", diz o procurador do Estado do Paraná e pesquisador sobre direitos dos animais, Diogo Cordeiro Rodrigues. Ele observa que a norma maior defende o bem-estar dos animais, mas não impede que se utilize uma cobaia, desde que o animal seja poupado de crueldade. Rodrigues lembra ainda que a Constituição utiliza o termo "pessoa humana", não deixando dúvidas sobre a quem se referem os direitos previstos.

Os problemas jurídicos no caso concreto

As suspeitas de que crimes ambientais fossem praticados no Instituto Royal é utilizada pelos ativistas para justificar a invasão do local. Ao se analisar o outro lado da questão, contudo, a prática de diversos tipos penais pode ser imputada àqueles que participaram da operação de resgate dos Beagles.

Com base nas notícias veiculadas sobre o caso, o professor de Direito Penal da Unibrasil Paulo Cohen indica alguns crimes dos quais os ativistas poderiam ser acusados. Entre os delitos estão dano (artigo 163 do CP), por destruir coisa alheia, e furto (artigo 155 do CP), pela subtração da coisa alheia. No caso daqueles que ficaram com os cães retirados do laboratório, há ainda o crime de receptação (artigo 180).

O professor considera, no entanto, que, se o crime contra os animais for confirmado, os ativistas poderiam utilizar esse argumento para atenuar a pena. Cohen ressalta, ainda, que os interesses nesse caso vão além dos assuntos de delegacia e passam à esfera constitucional, envolvendo a proteção aos animais e o próprio direito à vida daqueles que seriam beneficiados no caso de medicamentos desenvolvidos a partir da pesquisa com cães ou outras espécies.

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