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Entrevista

“O presidente de um tribunal pode fazer mais do que ninguém”

Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)

 | Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
(Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo)

A eleição do desembargador federal aposentado Vladimir Passos de Freitas para presidente do Associação Internacional de Administração da Justiça (IACA, na sigla em inglês) é o reflexo de uma preocupação do magistrado com a gestão do Judiciário. Ele já foi presidente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região e acredita que os dirigentes dos tribunais brasileiros precisam usar a autonomia de que dispõem para modernizar a justiça. Em entrevista ao Justiça & Direito, o professor ainda comenta sobre a crescente força das associações de juízes e sobre sua dedicação a escrever sobre as carreiras que o Direito pode oferecer ao jovem estudante.

O que é a Associação Internacional de Administração da Justiça (IACA, na sigla em inglês)?

É uma associação criada há dez anos na Eslovênia, cuja sede é nos Estados Unidos, por um grupo de pessoas especializadas em administração de tribunais. Esse tema é muito incipiente e pouco evoluído no Brasil, mas já melhorou. Até os anos 2000, não havia nada. Isso é estudado há muitos anos em vários países, principalmente nos Estados Unidos. Essas pessoas se uniram e criaram a associação, que cresceu muito, engloba 24 países, está em todos os continentes e se dedica acima de tudo a estudos de administração e fortalecimento do Poder Judiciário nesses países. Não há democracia sem um Judiciário forte e respeitado.

Quais são os seus planos na IACA?

A ideia é trabalhar muito, porque eu gosto disso. A vida toda tive interesse por essa área. Agora pretendo aplicar tudo de bom que vejo no Brasil e em outros países na associação. Também quero aplicar elementos de outros países que sejam interessantes para maior eficiência da Justiça.

Qual sua posição sobre o crescente associativismo dos juízes pelo Brasil?

Eu vejo como positivo como união da classe, mas vejo aspectos negativos quando as expectativas ficam só em torno de vencimentos. Isso é importante, o juiz tem que ganhar bem, para ter independência, porque ele não pode ser mais nada, só professor. Isso se torna ruim se a associação passa a ser um sindicato. Aí não, isso sai da missão do juiz.

A criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fez os tribunais olharem mais para o aspecto da administração?

Depois da criação do CNJ, houve uma melhora, porque o conselho fortalece as políticas públicas do Judiciário, cobra. Poderia fazer mais, porém não o faz porque a estrutura é pequena. Eu passei um ano e meio no CNJ como assessor da corregedora regional. Ele se foca mais no aspecto disciplinar do que em criação de políticas públicas. De qualquer forma, tem feito coisas boas e estimulado os tribunais a fazerem também. A Semana Nacional de Conciliação, por exemplo. Não adiantaria o Tribunal de Justiça de um estado querer fazer algo que tente unir a todos, porque os outros não seguirão. Vindo do CNJ, a adesão existe. Ele é o principal ator hoje, mas não o único. Os presidentes de tribunais têm muito poder e se quiserem podem fazer muitas coisas boas.

O que o senhor poderia destacar da sua passagem pelo CNJ?

Eu não tive grandes surpresas, porque já acompanhava o Judiciário há muito tempo, participando de associações e fazendo palestras. Não houve surpresas ou decepções. Houve uma constatação de realidade, que às vezes não é alegre, é triste, decepcionante, mas eu já tinha perdido a ingenuidade há muito tempo.

Os concursos para magistratura conseguem selecionar as pessoas adequadas para o cargo?

Isso é como a democracia, que muitas pessoas dizem que não presta, mas ninguém sabe o que seria melhor que ela. Os concursos não são perfeitos, aprovam pessoas muito novas, sem experiência de vida. Os mais velhos não conseguem passar porque não têm tempo de estudar a massa gigantesca de legislação. Qual seria outro tipo de concurso? Sem prova objetiva? É belíssimo escrever sobre isso, mas eu quero saber quem corrigiria 15 mil provas de candidatos.

O senhor foi presidente do TRF-4. O que o senhor pode destacar dessa passagem?

Foi uma experiência riquíssima. Aprendi que o presidente de um tribunal pode fazer mais do que ninguém, mais até do que o presidente do CNJ, porque ele tem autonomia dentro do tribunal. Precisa ser respeitado pelos colegas e ter o apoio dos funcionários, que ele só conquista dando o exemplo, não por imposição de cima para baixo. Precisa também ter um relacionamento bom com a sociedade em geral. Todo tribunal no Brasil tem autonomia administrativa. Ele pode criar formas de simplificar a Justiça, maneiras de tirar obstáculos burocráticos que são uma praga do Judiciário. Ele pode estimular os juízes a produzir, a estudar. Tudo isso foi praticado, não são abstrações teóricas. Desde que ele tenha energia, porque os obstáculos desanimam as pessoas, que muitas vezes se entregam. Quando sofrer o golpe, que é parte da vida, ele tem que levantar, fingir que não percebeu e continuar com o dobro de força.

O que deve mudar com a instalação da sede de um TRF em Curitiba?

O Brasil só tem cinco TRFs desde 1989, quando foram implantados. Os EUA têm 13 tribunais federais com muito menos processos. Esses quatro novos tribunais que foram propostos ajudariam a agilizar a justiça. A Justiça do Trabalho tem 24 TRTs e funciona com muito mais rapidez que a federal e a estadual.

O direito ambiental, que é sua área de estudo, é valorizado no Brasil?

Atualmente sim, mais do que em outros países. As universidades todas têm professores, a produção de livros é uma coisa impressionante. Dentro do direito ambiental, há livros das várias peculiaridades. Os concursos exigem e a mídia dá muito valor à questão ambiental. Posso dizer que o direito ambiental é prestigiado.

A partir de que momento houve essa dedicação ao direito ambiental?

Houve uma lenta evolução. Comecei a estudar nos anos 70, quando eu era promotor. Iniciou com o Congresso de Estocolmo, depois nos anos 80 com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei da Ação Civil Pública e com a Constituição houve uma grande disparada do interesse. Não é perfeito, há muito que evoluir, mas, se compararmos com os países latino-americanos, estamos com vantagens sobre todos.

O que sua experiência como professor o leva a pensar sobre o ensino jurídico?

O que me parece um pouco negativo é que a universidade fica mais distante da realidade. Os estudos são muito teóricos, abstratos e, quando se formam, os alunos raramente têm condição de exercer a advocacia. Além disso, as universidades formam muito para o litígio e não dão formação para conciliação. A conciliação, além de trazer paz social, ensina o profissional do direito a aproximar as pessoas, a aparar arestas, a trazer satisfação a todos.

Por que o senhor decidiu escrever sobre carreira no direito [Curso de Direito - Antes, Durante e Depois]?

Chegou um momento da vida em que eu tinha acumulado muita experiência e queria passar para os mais novos, que estavam completamente perdidos. Sem conhecer alguém que fosse da área jurídica, eles ficavam sem compreender o sistema e chegavam a conclusões erradas. Quando escrevo sobre isso, as pessoas gostam porque ninguém escreve sobre isso. Esse tema é tratado como uma coisa menor. Bonito é escrever sobre grandes teses constitucionais, e ninguém se preocupa com a vida real. Isso é muito importante. Os jovens gostam e me escrevem do Brasil inteiro. O livro vende bastante e há um interesse. Não fiz por dinheiro, porque livro para concurso é que dá dinheiro no país.

Falta espaço para outros tipos de livros jurídicos?

Hoje em dia é muito mais conhecido um jovem que escreve para concurso um livro pequenininho do que um grande autor da área. Porque o jovem dá aula em cursinho, é divulgado pela mídia e atinge uma massa imensa de estudantes. É um fenômeno da nossa época. Vendem muito mais do que os clássicos. Mas os grandes livros continuam a existir.

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