
A interpretação de quando um juiz está sendo ativista ou não depende muito de a parte concordar ou não com a decisão dada. É o que sustenta a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Fordham, nos Estados Unidos, Toni Fine. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela falou sobre o ativismo judicial na Suprema Corte e a dinâmica do Judiciário dos EUA. Ela esteve em Curitiba, no fim do último mês, para participar de um encontro no mestrado em Direito da UniBrasil. A jurista é autora do livro Introdução ao Sistema Jurídico Anglo-Americano.
Quais são as consequências do ativismo judicial?
O grande debate nos Estados Unidos sobre ativismo judicial é sobre o que é, o que significa, se é bom ou se é ruim. Eu acho que é um conceito muito difícil para definir e para se falar sobre. Nós falamos que o juiz é ativista quando não gostamos da decisão. Quando nós gostamos da decisão, nós dizemos que foi bem analisado e muito bem pensado. Eu acho que é um termo misterioso, que não muito significado fora de contexto. Eu acho que no sistema judiciário dos EUA, os juízes têm uma enorme autonomia e uma enorme independência. Ultimamente, creio que os juízes, quase sempre, são muito responsáveis e o que eles pensam é a coisa correta de acordo com a lei.
A senhora acha que o ativismo judicial foi fundamental para a aprovação do novo sistema de saúde norte-americano, o Obamacare?
Essa é uma pergunta muito boa. Foi uma decisão muito interessante e, alguns de seus leitores devem saber, foi mantida principalmente pelos dispositivos da lei do Obamacare. O juiz-chefe da Justiça dos EUA [John Roberts], ultimamente, tem decidido com os liberais, em defesa da lei, mas isso em áreas muito restritas. Alguns acusam que o voto dele é um produto do ativismo judicial. Eu diria que ele está construindo um consenso e eu acredito que ele está fazendo o seu melhor, tentando ser o líder da corte, não um ativista. Mas se você perguntar a pessoas do outro lado do espectro político, elas vão discordar muito da minha opinião.
Nós temos instrumentos como a súmula vinculante e a repercussão geral para frear o afogamento do Judiciário. Qual a sua opinião sobre estas alternativas?
Uma coisa que eu sei sobre o Judiciário brasileiro é que há um enorme problema de carga de trabalho. Há centenas e centenas de milhares de casos que não podem ser resolvidos rapidamente. Esta é a realidade. Nenhum sistema pode absorver o número de casos que vocês têm. Para nós, o uso dos binding precedents, similares às súmulas vinculantes de vocês (pelo menos nos conceitos) tem sido muito útil. Nós jamais poderíamos fazer nosso trabalho judicial se, em cada uma das cortes, cada decisão precisasse ser tomada como se fosse pela primeira vez. Outro benefício da regra de tomar como base decisões anteriores é que isso permite às partes contrárias evitar ações inúteis. Se eles souberem, por exemplo, que a Corte está absolutamente a favor do outro lado, eles não vão ver razão para gastar tempo e dinheiro para recorrer. Eu acho que sem esse tipo de sistema de precedentes, todo mundo teria um incentivo para tentar e ver o que acontece.
Há alguns críticos que dizem que o sistema brasileiro está indo do civil law para o common law, a senhora concorda?
Eu não sou uma especialista no sistema judiciário brasileiro, mas muitas pessoas dizem que nos EUA nós estamos nos tornando muito mais um país de civil law, porque agora nós temos muitas e muitas legislações que não tínhamos antes. Eu acho que cada um de nós está se movendo para um pouco mais perto do sistema do outro. Não significa que os EUA está se tornando um país de civil law e o Brasil de common law. Significa que nós olhamos para os outros sistemas e tentamos adotar o que faz sentido dentro do nosso contexto e das nossas tradições.
Então, o que a senhora sugere do sistema americano que seria interessante aplicar aqui no Brasil?
Vim fazer uma palestra sobre alguns procedimentos que nós temos no EUA que ajudam a atingir eficiência no nosso sistema. Eu não sei suficiente sobre o sistema brasileiro, mas a minha expectativa é que alguns destes procedimentos sejam boas ideias para pessoas que trabalham nas reformas aqui no Brasil. Por exemplo, a nossa Suprema Corte é quase completamente discricionária em sua jurisdição, o que significa que ela escolhe quais casos vai revisar. Eles recebem talvez 10 mil petições por ano e escolhem 100. O que é ruim da perspectiva do Brasil e de muitos é que há muitos casos que nunca serão revisados pela Suprema Corte. O que é bom é que os casos que a Suprema Corte escolhe são resolvidos muito rápido, em cerca de um ano. Eles nunca atrasam 15, 20 anos para julgar. Outro exemplo é que, aqui, quando o juiz toma uma decisão, você pode apelar imediatamente. Nos Estados Unidos, os recursos chamados interlocutory appeals (em tradução livre, recursos interlocutórios) são muito limitados, as partes vão até o fim do processo para então apelarem sobre todas as questões que desejarem. Eu acho que há muitos aspectos eficientes que podem ou não funcionar no sistema de vocês, mas que merecem que se preste atenção e se reflita sobre eles.
E há algo do nosso sistema que poderia ser adotado nos EUA?
Absolutamente. Eu gosto muito do movimento no Brasil rumo a mais conciliação, mais mediação. Uma das coisas que me impressionou muito eu vi em São Paulo, mas deve haver em outros estados também , os juízes recentemente aposentados estão treinando os mediadores. Eles têm uma grande experiência, um enorme talento e inteligência para ajudar as partes em uma conciliação ou mediação. Nós não fazemos isso nos EUA, e acho que não fazemos muito bom proveito dos juízes aposentados. Eu acho que este é um ótimo caminho para trazer os talentos de volta ao sistema.




