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Operadores do direito conhecem pouco o ECA

Apesar de a Constituição Federal estabelecer prioridade absoluta para os direitos da criança e do adolescente, profissionais ainda conhecem pouco a legislação; a falha começa na formação universitária

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A Constituição Fe­deral prevê prioridade absoluta para crianças e adolescentes. Mas, 25 anos depois da promulgação da lei maior, ainda não é isso que se vê. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1992, detalhou e regulamentou os principais assuntos relacionados à infância e à adolescência e é considerado uma das legislações mais avançadas do mundo no que se refere ao assunto. Na prática, o respeito à prioridade não ocorre nem pelo Judiciário, nem pelo Poder Executivo, e grande parte dos operadores do direito ainda tem pouco conhecimento ou intimidade com as leis relativas aos direitos da criança e do adolescente.

Levantamento mostra que faculdades de direito de Curitiba não priorizam disciplinas relacionadas ao ECA

O artigo 227 da Consti­tuição estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado garantir direitos, como saúde, educação, alimentação, lazer e profissiona­lização às crianças e aos adolescentes. O texto constitucional, de 1988, é considerado um divisor de águas pela advogada Mayta Lobo dos Santos, professora de Direitos da Criança e do Adolescente do Curso Luiz Carlos. Entre outras previsões, passou a se considerar a criança sujeito de direito. A Constituição levou à revogação do Código de Menores, de 1979. "Nesse Código, crianças eram consideradas objeto de propriedade", explica a advogada.

Por mais que o ponto de vista tenha sido alterado na lei, muitos profissionais do direito não acompanharam essa modificação que já tem mais de duas décadas. Mayta lamenta que, por desconhecimento, alguns ainda digam que o ECA é muito protetivo. Além disso, quando uma criança ou adolescente precisa de atendimento de um advogado, são geralmente profissionais da área penal ou de família que lhe dão assistência. Em situações de infração, como relata a professora, é comum advogados não terem conhecimento da legislação específica e recorrerem à área criminal. "Vemos nos processos erros e falta de técnica, muitos acham que as regras são as mesmas que valem para os imputáveis", diz Mayta.

Formação

O procurador de Justiça Olympio Sotto Maior, que colaborou com a redação do ECA, lamenta que ainda não exista defensoria pública consolidada no estado do Paraná. "Defensores dativos não conhecem direito a legislação da infância e da juventude", aponta Sotto Maior. O professor de direito da PUCPR Carlos Solon Cícero Linhares ressalta que a OAB tem comissões especializadas no ECA, mas, na opinião dele, de um modo geral, o operador de direito tem deficiência ao lidar com esse assunto. O juiz da Vara da Infância e Juventude de Cascavel, Sérgio Kreuz, considera que a falta de preparação dos profissionais para lidar com essas questões é um reflexo da formação deficiente, ainda na universidade. "Raros são os cursos de direito que contemplam a disciplina do Direito da Criança e do Adolescente. Quando muito, a matéria é tratada como optativa ou como apêndice de outras disciplinas", observa.

Todos os entrevistados para essa reportagem apontaram a falta de prioridade nas faculdades como um dos principais problemas que resultam no despreparo dos profissionais do direito para lidar com questões afetas à infância. Nas aulas que ministra na Escola de Magistratura, o juiz da 3.ª Vara da Infância e Juventude de Curitiba, Fábio Ribeiro Brandão, percebe que muitos alunos chegam à pós-graduação com dificuldades em entender o tema e reclamam que não tiveram a disciplina na faculdade.

Nova atribuição em vara de infância gera polêmica

No final de 2013, a Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes, em Curitiba, passou se chamar Vara de Infrações Penais contra Crianças, Adolescentes e Idosos e Infância e Juventude. Com a mudança de nome, também foi alterada a atribuição da vara, que, como se observa, também passa a atender idosos. O coordenador estadual da infância, juiz Fábio Ribeiro Brandão, explica que a decisão foi tomada com base na demanda. Enquanto outras varas criminais têm, em média, 550 ações penais em tramitação, na Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes há apenas 100 processos em tramitação.

Para a advogada e especialista em direitos da criança e do adolescente Mayta Lobo dos Santos, a medida é um retrocesso. "Não é uma questão de volume, mas de especificidade", argumenta. Na opinião dela, é preciso que os operadores que lidam com questões relacionadas à infância e à adolescência tenham sensibilidade e profundo conhecimento sobre o tema, o que pode ficar comprometido se houver outras áreas a serem atendidas na mesma vara. "Grosseiramente é como se falassem que agora os pediatras também podem ser geriatras", critica Mayta.

O juiz Fábio Ribeiro Brandão reconhece que, do ponto de vista acadêmico, a exclusividade ao atendimento de crianças e adolescentes pode ser o ideal. Mas na prática ele não vê a decisão, que foi proposta pela corregedoria do Tribunal de Justiça, como um retrocesso, pois assim como as crianças, os idosos também têm prioridade prevista em lei.

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