
Em dois anos e oito meses desde que foi deflagrada, a Operação Lava Jato nunca passou por um momento tão crítico. Paralelamente à defesa do projeto inicial das “Dez Medidas Contra a Corrupção”, a força-tarefa se mobiliza contra outra “ameaça”: a aprovação da Lei do Abuso de Autoridade, no Senado. O projeto 280/2016 define esse crime quando cometido por membros do Poder Judiciário e por agentes públicos no exercício de suas funções. A punição nestes casos também foi uma das emendas aprovadas pela Câmara no Pacote Anticorrupção nesta semana.
Nesta quinta-feira (1) o juiz federal Sergio Moro esteve em Brasília para participar de uma audiência no Senado sobre o projeto de lei 280/2016. O juiz aproveitou a oportunidade para uma dupla missão. A primeira foi pedir a inclusão de artigo que impeça que a punição a magistrados, promotores e policiais por atos ligados à interpretação da lei ou à avaliação dos fatos e provas.
Enquanto Moro falava no Senado, o procurador Deltan Dallagnol participou de uma manifestação de juízes de procuradores em frente à Justiça Federal de Curitiba. Eles protestavam contra a previsão de crimes de responsabilidade para investigadores e magistrados. Dallagnol não falou com a imprensa no ato.
A segunda missão de Moro no Congresso foi criticar a aprovação do pacote anticorrupção pela Câmara, que desfigurou o projeto inicial proposto pelo Ministério Público Federal (MPF). O juiz aproveitou a audiência no Senado para elogiar o relator da Comissão Especial, deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Segundo Moro, o parlamentar foi “atacado” por tentar aprovar o relatório negociado com o MPF.
Nesta semana, os 11 procuradores que integram a força-tarefa ameaçaram abandonar a investigação caso o Congresso insista em aprovar as modificações feitas em cima da hora no projeto de medidas anticorrupção. A afirmação, que pode ter sido um blefe para garantir a aprovação do relatório original, pode trazer consequências graves para o andamento da Lava Jato.
Lava Jato na corda bamba
De três cenários possíveis, dois inevitavelmente vão trazer prejuízos para a operação. “De três opções, em duas há possibilidade da Lava Jato sair prejudicada”, analisa o professor de Administração Pública do Fecap João Paulo Vergueiro. Caso o Senado insista em aprovar o pacote como saiu da Câmara, os procuradores terão pela frente duas opções: deixar o caso ou continuar com as investigações como se nada tivesse acontecido. “Ou eles vão ter que assumir o blefe ou vão perder credibilidade”, explica Vergueiro.
A terceira saída - a única verdadeiramente benéfica para a Lava Jato - seria o Senado dar o braço a torcer e rever o pacote aprovado pelos deputados federais. Para isso, a pressão popular pode ter um importante papel a desempenhar.
Para o professor de direito da PUCPR Cristian Tenório, a atitude dos procuradores foi um chamado à opinião pública. “No final das contas eles [procuradores] falaram aquilo menos para o Congresso e muito mais para a população. Ninguém é bobo nesse jogo. Dia 4 de dezembro estão marcados uma série de protestos. E claro que eles jogaram com isso”, analisa Tenório.
Atraso nas investigações
Caso realmente desejem deixar a investigação, os procuradores podem dissolver a força-tarefa criada para a Lava Jato no MPF. “Eles podem não encerrar as investigações, mas como força-tarefa dissolvê-las”, explica Tenório. Segundo ele, no regimento interno do MPF não há nada que trate desse tipo de abandono de investigação.
Caso isso ocorra, a Lava Jato pode sofrer um duro golpe. Isso porque quem assumir o caso vai demorar para tomar pé das investigações e dar sequência ao que ficar para trás. “Até que uma equipe nova seja designada, a partir dessa designação tome controle e comece a se familiarizar, você teria tempo suficiente do Legislativo tomar algumas medidas que blindariam os envolvidos ou possíveis envolvidos”, alerta Tenório.
“Você ter novos procuradores avaliando todo o processo para avaliar se vai apresentar denúncia, estamos falando em uns dois anos de atraso”, reforça Vergueiro. O atraso, inclusive, pode acarretar em mais impunidade. “Em alguns casos pode até ocasionar a prescrição de crimes”, explica.
Apesar de a Polícia Federal (PF), responsável por iniciar as investigações, continuar o trabalho normalmente, a saída dos procuradores da força-tarefa pode prejudicar o bom andamento do trabalho. “Nesses anos de investigação e trabalho conjunto, eles criaram uma sinergia entre as duas organizações que são ligadas às pessoas que estão lá”, diz Vergueiro.



