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Congresso

“Lei da Mordaça” reacende debate do papel da imprensa

Projeto de lei pretende instituir punição para servidor que “vazar” para órgãos de comunicação dados de investigações em andamento

Sandro Mabel nega que o projeto atrapalhe o trabalho da imprensa. O parlamentar alega que a proposta dele tipifica o crime cometido por funcionário público contra a administração | Antonio Cruz/ABr
Sandro Mabel nega que o projeto atrapalhe o trabalho da imprensa. O parlamentar alega que a proposta dele tipifica o crime cometido por funcionário público contra a administração (Foto: Antonio Cruz/ABr)

O mundo político passou o último mês discutindo o projeto da Lei de Acesso à Informação: documentos ultrassecretos dos órgãos governamentais devem ou não ter sigilo eterno? Mas outra proposta em tramitação no Congresso Nacional que trata de um tema correlato – a divulgação de informações relativas a investigações – também tem enorme potencial para afetar o rumo da transparência no Brasil.

Proposto pelo deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), o projeto de lei que tipifica o crime de violação e vazamento de informações sob sigilo de Justiça reacendeu o debate sobre o acompanhamento e divulgação pela imprensa de investigações em andamento ou de dados de autoridades.

Pela medida, batizada de Lei da Mordaça, aprovada no fim do mês passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, o servidor público que "vazar" dados sigilosos pode ser condenado a uma pena de dois a quatro anos de prisão, além de multa. Para especialistas, a aprovação do projeto seria um retrocesso. Para eles, quando existe interesse da sociedade no caso, a divulgação da investigação auxilia a fiscalização da administração e dos servidores públicos.

A divulgação de informações de investigações não raras vezes põe em conflito dois preceitos básicos da Constituição brasileira de 1988: de um lado, a liberdade de imprensa, quando utilizada em defesa do interesse público; do outro, a preservação da intimidade individual.

O caso mais recente foi o do ex-ministro da Casa Civil Antônio Palocci (PT), que saiu do cargo após o constrangimento causado pela divulgação pela imprensa de que seu patrimônio aumentou 20 vezes entre 2006 e 2010. Apesar de não existir nem investigação no caso, somente a suspeita de que ele tenha usado sua empresa de consultoria para receber dinheiro de interessados em negócios com o governo federal derrubou a credibilidade de Palocci para continuar a exercer a função.

Para o professor de Jornalismo Toni André Scharlau Vieira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é importante que a imprensa divulgue investigações, mesmo quando existe segredo de Justiça. Para ele, isso deve ser feito, porém, nos casos em que existe interesse da sociedade, como denúncias envolvendo políticos e servidores ou o mau uso de dinheiro público. "Quanto maior visibilidade tem um caso, maiores as chances da investigação transcorrer dentro da legalidade e o julgamento ser mais justo", diz Vieira.

Ele lembra um caso do período ditatorial, que ilustraria a importância da fiscalização da sociedade por meio da exposição de investigações sigilosas: a divulgação, em 1978, do sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Díaz. Eles foram presos clandestinamente pela polícia em Porto Alegre e entregues as autoridades uruguaias. A divulgação do fato impediu que o casal fosse morto.

Responsabilidade

O procurador da República em Santa Catarina e presidente da Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf), Rogério Filomeno Machado, lembra que a Constituição assegura o sigilo da fonte aos jornalistas e cabe aos repórteres e aos veículos de comunicação julgar se devem ou não divulgar uma informação sigilosa, cientes da possibilidade de serem responsabilizados cível ou criminalmente por possível calúnia contra alguém. "A imprensa tem que avaliar se vale a pena correr o risco ou não."

Bom senso

Para o presidente da Associa­­ção Brasileira Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, a responsabilidade de manter segredo em investigações é dos servidores públicos, não de jornalistas. "A Constituição assegura o acesso às informações, sejam sigilosas ou não. O dever de proteger esse sigilo é de quem tenha vinculação com os fatos que ensejaram a adoção do sigilo."

Porém, para o diretor da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Wilson José Witzel, a imprensa deveria respeitar o segredo de Justiça e evitar divulgar informações resguardadas pelos juízes para não prejudicar a própria investigação e os envolvidos. "O que se espera da imprensa é que ela tenha bom senso para divulgar informações."

Proposta pode atingir tanto os servidores como os jornalistas

A proposta de lei para tipificar o crime de violação e vazamento de sigilo de investigação, caso seja aprovada, poderia vir a ser aplicada para jornalistas que noticiem casos em segredo de Justiça, na opinião de alguns juristas. Porém, o autor do projeto, o deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), e o relator do projeto na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara Federal, deputado federal Maurício Quintella Lessa (PR-AL), negam que esse seja o objetivo. Eles dizem que a lei, se aprovada, não terá essa aplicação.

O texto do projeto de lei diz que constitui crime "revelar ou divulgar fatos ou dados que estejam sendo objeto de investigação criminal sob sigilo". O professor de Processo Penal Adriano Bretas, da Pontíficia Universi­­­dade Católica do Paraná (PUCPR), lembra que já existe uma lei para punir a divulgação de dados sigilosos. Ele afirma que essa lei já poderia ser estendida a jornalistas, que poderiam ser enquadrados como coautores do crime de publicar os dados.

Raciocínio

Para ele, o raciocínio é o mesmo para o projeto de lei. Bretas acredita que a proposta também poderia ser estendida aos repórteres. "Em tese, o jornalista poderia se sujeitar à lei", diz ele.

Porém, Mabel rebate a interpretação. Segundo ele, o projeto tipifica o crime na seção de delitos práticos "por funcionário público contra a administração em geral" e não atingiria o trabalho da imprensa. "O Direito Penal é específico. Se o artigo está inserido nos atos de servidores públicos, ele trata somente de servidores", afirma o deputado.

Mabel justifica ainda que apresentou o projeto para evitar que funcionários públicos vazem informações de investigações em curso e atrapalhem o combate a quadrilhas de tráfico de drogas, por exemplo.

Interatividade

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