
Curitiba não tem mar. "Mas tem bar", emendou o boêmio poeta Paulo Leminski. Uma boa rima. Mas não uma solução para a maioria dos curitibanos. Aqui, o papel do espaço de convívio e lazer cabe principalmente aos parques.
INFOGRÁFICO: Confira o lugar de preferência dos curitibanos e o que acham dos parques
As áreas verdes estão definitivamente no coração dos curitibanos. Uma enquete com 410 moradores, encomendada pela Gazeta do Povo ao Instituto Paraná Pesquisas, revela que passear nos parques é o que 35% dos moradores da cidade mais gostam de fazer em Curitiba o programa preferido do curitibano. Para 31%, os parques também são aquilo de que mais gostam na capital. Nenhuma outra característica da cidade foi mais citada. E 18% dizem que eles são o local em que se sentem melhor o segundo espaço preferido (veja infográfico no fim da página).
"O parque é um espaço de lazer gratuito; de qualidade de vida ao ar livre. Não troco este lugar por nada", diz a advogada e professora universitária Alessandra Back. Vizinha do Parque Bacacheri há oito anos, ela agradece a sorte de ter conseguido criar o filho Zion "solto", tendo a área verde como quintal de casa.
Alessandra observa, porém, que o adensamento populacional está deixando o parque "pequeno". Nos fins de semana, fica superlotado algo que também tem ocorrido com outros espaços da cidade. "A gente torce para que a prefeitura consiga comprar áreas vizinhas para ampliar o nosso parque", diz a advogada.
O sonho de Alessandra garantir que o crescimento populacional não "congestione" os parques impõe um desafio ao futuro prefeito: agir rapidamente para criar mais unidades de conservação e lazer. Afinal, a cidade já não tem mais tantas áreas verdes grandes o suficiente para a criação de parques. E as que sobraram são alvo constante do apetite do mercado imobiliário.
Decisão estratégica
Curitiba tem hoje 30 parques. Somados à cobertura vegetal mantida por particulares, eles garantem a cada curitibano 51 metros quadrados de área verde.
Esse invejável índice de verde per capita foi possível porque, na virada dos anos 60 para os 70, a prefeitura tomou uma decisão estratégica: preservar em vez de deixar que áreas de fundo de vale sujeitas a alagamentos fossem loteadas ou ocupadas irregularmente. Nelas foi implantada, a partir de 1972, a imensa maioria dos parques da cidade. Antes disso, Curitiba tinha apenas o velho Passeio Público, de 1886. Com essa política, a cidade promoveu um casamento de sucesso entre conservação ambiental, lazer e proteção social.
Mais de 40 anos depois, a cidade não tem apenas o desafio de criar mais áreas verdes. Há também a necessidade de cuidar melhor das que já existem. Principalmente da qualidade de suas águas. Lagos de diversos parques de Curitiba costumam ficar sujos e malcheirosos, devido ao esgoto lançado nos rios.
Sem resolver esse problema, a cidade acaba por depreciar um dos principais orgulho dos moradores. "Os parques são a representação imagética de Curitiba para o cidadão e também para o visitante", diz Letícia Peret Antunes Hardt, professora do mestrado em Gestão Urbana da PUCPR. A enquete da Paraná Pesquisas corrobora a constatação de Letícia: 62% dos curitibanos disseram que o primeiro lugar ao qual levariam um parente ou amigo que nunca esteve na cidade seria um parque.
Poder do afeto
O afeto do curitibano pelas áreas verdes também poderia ser aproveitado pela prefeitura para se aproximar da população. "Por que não usar estes grandes equipamentos públicos, que são largamente visitados, para fazer a sociedade participar da vida da cidade?", questiona o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná, Jéferson Navolar.
Ele sugere que os parques sejam usados pela prefeitura para "conversar" com os moradores. Ou seja, que haja nos parques espaços para o curitibano informar demandas, fazer sugestões e críticas à prefeitura. O poder público também poderia usá-los para ofertar serviços e promover cultura e campanhas educativas.
Atrair moradores é solução para o Centro
Cenário de crimes e paixões nos contos de Dalton Trevisan. De comícios e passeatas políticas. De polêmicas e bravatas de anônimos (ou não) da Boca Maldita. Lar da pequena multidão de desabrigados que lhe ocupam as ruas nas madrugadas. O Centro tem lugar cativo no imaginário e no coração de grande parte dos curitibanos.
O carinho dos moradores pela região em que a cidade nasceu aparece na enquete do Instituto Paraná Pesquisas. Para 9% dos moradores, o Centro é o lugar da cidade em que se sentem melhor. Pode parecer pouco. Mas é o quarto local mais lembrado pelos curitibanos, atrás apenas do bairro em que moram, dos parques e da residência dos entrevistados.
O urbanista e historiador Irã Dudeque diz que esse afeto se dá em razão de estarem no Centro os "monumentos significativos" da cidade. "O verdadeiro centro cívico de Curitiba é o calçadão da Rua das Flores. No sentido mais amplo da palavra: o local de encontro e discussão da cidade", diz ele. "Por mais que você faça um teatro, nenhum é o Guaíra. Existem muitas igrejas e templos, mas nenhuma é a Catedral. Você pode construir novas praças, mas nenhuma será a Tiradentes."
Apesar disso, diversos pontos da região central passam por um processo de degradação ainda que haja algumas iniciativas para resgatá-los.
Dudeque afirma que a desvalorização do Centro veio junto com a valorização do carro na sociedade moderna. "Os primeiros prédio feitos na região da Praça Osório não têm garagens. Isso [moradias projetadas para famílias sem automóvel] funcionava a partir do momento em que houve uma opção política por expandir a cidade por meios de eixos [do transporte coletivo], pois os grandes edifícios se espalham ao longo deles", diz o arquiteto. Ou seja, tendo um bom sistema de ônibus ao lado de casa, não era preciso ter carro.
Mas, diz Dudeque, quando as pessoas passaram a depender mais do automóvel, o Centro se desvalorizou como local de moradia. Sem gente, algumas áreas se degradaram.
Para Dudeque, a solução para o Centro seria o retorno da população. "Não se trata apenas de criar uma política de atrações [ comerciais, culturais ou de lazer] na área central; é preciso atrair moradores", diz ele. Para isso, o fundamental seria criar estacionamentos, que poderiam ser subterrâneos. Ele também diz que é preciso ousar e confrontar "vacas sagradas" do planejamento curitibano. Reabrir algumas áreas do Calçadão da Rua XV para a passagem de carros seria algo a se pensar, diz Dudeque.
Praças têm bom "potencial afetivo"
Logradouro público por excelência, as praças surgiram no Brasil como um espaço "para ver a igreja da cidade e [para] as pessoas se encontrarem" na definição do professor Murilo Marx, no livro Cidade Brasileira. Porém, aos poucos as praças como ponto de encontro estão sendo substituídas por outros locais como parques e shoppings.
Na enquete do Instituto Paraná Pesquisas, apenas 2,7% dos curitibanos disseram que o que mais gostam de fazer em Curitiba é passear pelas praças. É um porcentual pequeno, mas supera as pessoas que disseram, por exemplo, que gostam de frequentar restaurantes. Isso indica que há um potencial de uso mais frequente das praças como espaço de convívio desde que elas sejam seguras e tenham equipamentos ou atividades de lazer, esporte ou cultura.
Há alguns bons exemplos de praças curitibanas que foram "apropriadas" pela comunidade. A Praça da Espanha, no Batel, tem shows musicais, feira de antiguidades e mostra de carros antigos nos sábados. A 29 de Março (Mercês) também é usada pelos moradores do entorno. A Ouvidor Pardinho (Rebouças) foi transformada em um bem-sucedido centro de convívio e saúde para idosos. A Praça da Colonização Menonita (Boqueirão) tem quadras esportivas disputadas pela vizinhança.
O arquiteto e urbanista João Virmond Suplicy Neto, professor da PUCPR, explica que uma praça funciona bem quando se torna a continuidade das calçadas das ruas próximas, sem barreiras, degraus ou outros obstáculos que a separem da rua. "Quando estão encaixadas no traçado urbano, elas se tornam pontos de socialização", diz ele.
Mas Suplicy Neto ressalta uma deficiência nas condições de mobiliário urbano em Curitiba: "Temos poucas praças boas como a 29 de Março, que atraem as pessoas. A Rui Barbosa, por exemplo, hoje é um terminal de ônibus e não um espaço de convívio".
Ele ainda sugere que a iniciativa privada contribua com o poder pode público para ampliar os espaços destinados à comunidade. Morador da região do Bigorrilho, Suplicy Neto lamenta que o terreno do antigo Clube Juventus tenha sido aproveitado para abrir ruas e construir imóveis. "Que praça fantástica poderia ter sido feita ali, inclusive com o apoio da iniciativa privada."





