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Eduardo Cunha: aliados já cogitam a possibilidade de vê-lo fora da presidência da Câmara. | Agência Brasil
Eduardo Cunha: aliados já cogitam a possibilidade de vê-lo fora da presidência da Câmara.| Foto: Agência Brasil

Ao se tornar líder do PMDB em 2013, já de olho na presidência da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) decidiu sair dos bastidores, onde sempre atuou, e virar um protagonista na política brasileira, mesmo tendo telhado de vidro. Hoje, após a revelação de documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça atestando que ele manteria contas secretas naquele país abastecidas por propina, a decisão de se expor e depois brigar pelo cargo mais importante da Câmara é considerada a manobra “kamikaze” que levou à derrocada de Cunha.

Os mais próximos se dizem surpresos com o nível de materialidade das provas contra o peemedebista e dizem que o presidente da Câmara sempre garantiu, de forma enfática, que nada haveria contra ele. Em março, Cunha protagonizou cenas de teatro ao ir à CPI da Petrobras, sem ter sido convidado, para negar que tivesse contas não declaradas no exterior. Este mesmo destemor, visto por alguns como arrogância, é que agora serve de base para o processo de cassação do seu mandato no Conselho de Ética, em que é acusado por quebra de decoro por supostamente ter mentido na CPI.

“Até alguns meses atrás, Eduardo era visto como um presidenciável. Ele frequentava a nata brasileira e sua mulher agia como primeira-dama. Agora, se ele escapar da cassação, já tem que agradecer a Deus”, afirmou um peemedebista.

Nem todos, no entanto, se surpreenderam com a situação que Cunha vive hoje. Lideranças do PMDB afirmam que, quando ele começou a se movimentar para assumir a liderança do partido em 2013, um alerta de preocupação se acendeu, e ponderaram com o vice-presidente Michel Temer que ele era um “operador”, e não um político. “Ele é um polvo que deixa rastro, não é um saci que sai pulando”, disse nesta semana um dirigente do PMDB.

Delatores, contas secretas e mentiras: a teia de Eduardo Cunha

Seis delatores, quatro contas secretas e um rosário de mentiras formam a teia que grudam o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na rede da corrupção na Petrobras. A teia pode aumentar ainda mais nas próximas semanas. A partir da decisão do STF de abrir um segundo inquérito sobre o envolvimento de Cunha com corrupção passiva, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, o grupo de trabalho da Procuradoria-Geral da República intensificou as investigações sobre a movimentação financeira de Cunha, da mulher Cláudia Cruz e da filha Danielle Cunha no Brasil e no exterior.

Cunha desativou duas contas secretas na Suíça logo depois do início da Lava Jato e sobreviveu incólume ao escândalo até 13 de outubro do ano passado, quando o doleiro Alberto Youssef sentou diante de delegados e procuradores na PF em Curitiba e disparou o primeiro petardo. O doleiro, caixa central da corrupção da Petrobras, ajudou o lobista Júlio Camargo a pagar parte de uma propina a Eduardo Cunha no Brasil e no exterior referente a contratação de dois navios-sondas da Samsung Heavy Industries pela Petrobras.

Youssef até lembrou que, segundo Camargo, Cunha usou a estrutura da Câmara, a Comissão de Fiscalização e Controle, para emitir dois requerimentos de informação contra o lobista e empresas que ele representava. Os requerimentos eram a espada que Cunha teria encostado no pescoço do lobista para exigir o pagamento de US$ 10 milhões, a última parcela de uma propina de US$ 40 milhões, acertada anteriormente com outro lobista, Fernando Soares, o Fernando Baiano. Depois, vieram as revelações de Júlio Camargo.

Eduardo Musa, ex-gerente da Petrobras, também disse em delação que quem mandava na diretoria internacional era Cunha e o PMDB mineiro. João Augusto Rezende Henriques, outro ex-dirigente da Petrobras, confessou ter depositado dinheiro numa das contas suíças de Cunha.

Num lance ainda mais ousado, Cunha lançou sua candidatura à presidência da Câmara no fim do ano passado, contra o governo e com a Operação Lava Jato já em curso. Depois que ele foi eleito para comandar a Casa em fevereiro deste ano, seu grupo mais próximo chegou a cogitar uma candidatura à Presidência da República. Em junho, quando o PMDB passou a reforçar a tese de candidatura própria em 2018, Cunha foi cortejado por colegas como um dos presidenciáveis do partido. Só que o tempo virou. Atualmente, mesmo aliados de Cunha dizem que ele passou de “presidenciável” a deputado “cassável”. Mesmo na berlinda, o peemedebista resiste a deixar o cargo.

O entorno do presidente da Câmara cita como erro crucial – e ponto de inflexão em sua trajetória ascendente – o fato de ter entrado em confronto direto com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Lembram que a lista envolvendo dezenas de parlamentares no esquema de corrupção da Petrobras ficou praticamente esquecida desde que Cunha escolheu Janot como seu arquirrival. E destacam que ele não deveria ter se declarado oposição ao governo em reação às denúncias, o que só piorou sua situação.

“Eduardo é um político muito acima da média, mas ele age com o fígado, e isso acaba por prejudicá-lo. Se tivesse ficado quieto, quem sabe o alvo a ser destruído agora não seria Renan?”, avalia um deputado próximo a Cunha, citando o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

No meio político, a avaliação é que, por ser “muito inteligente”, ele acabou subestimando as pessoas. Um exemplo disso é a soberba que mostrava nas entrevistas. Em dezembro passado, quando estava em campanha aberta para a presidência da Câmara, Cunha foi irônico ao ser indagado numa entrevista à Folha de S.Paulo se uma bala de prata da Lava Jato poderia atingi-lo: “Estou escutando isso há dois meses e rio toda vez. E continuarei rindo. Eu estou absolutamente tranquilo”.

As ironias se seguiram até três meses atrás. Em julho, ao ser questionado em entrevista coletiva se não temia ser o próximo alvo, zombou da Polícia Federal: “A porta da minha casa está aberta, podem ir a hora que quiserem. Eu acordo seis horas. De preferência, não cheguem antes de seis horas para não me acordarem”.

Entre os pecados de Cunha na atuação política, integrantes da cúpula do PMDB dizem que ele não sabe ouvir, toma decisões isoladamente e acha que tudo se resume a dinheiro. Seu jeito direto e objetivo já afetou suscetibilidades de colegas mais preocupados em conquistar influência que turbinar seus caixas. “Ele acha que tudo é dinheiro e não entende que tem gente que está na política por poder ou por vaidade”, disse um integrante do PMDB.

Em Brasília, a voz corrente é que o presidente da Câmara ajudou a financiar a campanha de cerca de cem deputados. Não à toa, é com essa rede de proteção suprapartidária, além do poder de decidir sobre o impeachment, que o peemedebista conta para ter uma sobrevida, depois que a oposição formalmente o abandonou. Até pouco tempo atrás, Cunha dava o tom desse poder, e de seu estilo, em conversas reservadas. “Tem duas coisas que só não resolvem quando é pouco: dinheiro e porrada”, disse Cunha a mais de um interlocutor.

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Além de sua visão de mundo, a frase mostra afinidade de Cunha com o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, de quem é amigo. Funaro fez delação premiada no escândalo do mensalão, confessando ter realizado operações de lavagem de dinheiro. De acordo com o delator Julio Camargo, consultor da empreiteira Toyo Setal, o doleiro foi um dos passageiros, no ano passado, de voos em táxi aéreo faturados como parte do pagamento de propina a Eduardo Cunha. Num dos voos, no dia 3 de agosto, Funaro e Cunha teriam viajado juntos. “Aprendi na vida que há dois jeitos de resolver um problema. Ou é com dinheiro ou é na porrada”, disse Funaro em entrevista publicada na edição de agosto da revista “Piauí”.

Embora surpreenda deputados com a aparente tranquilidade em meio ao turbilhão, pessoas mais próximas disseram que ele está tenso, principalmente por causa do evolvimento da família (a esposa Cláudia Cruz e uma das filhas) no escândalo. A insistência em permanecer no cargo, como se nada tivesse ocorrido, é vista com assombro por muitos parlamentares. O deputado J arbas Vasconcelos (PMDB-PE) – que ajudou a eleger Cunha para a presidência da Câmara – chamou-o em mais de uma ocasião de “cínico e psicopata”.

Na Câmara, já é consenso que, mais cedo ou mais tarde, Cunha será obrigado a deixar o cargo. O processo de cassação do mandato do deputado no Conselho de Ética será aberto na primeira semana de novembro e, ainda que de lá escape, aliados veem chances de ele deixar o posto a pedido do Procurador-geral da República. Uma tese que vem sendo levantada é a de que, quando o Supremo acatar a denúncia contra Cunha – o que pode acontecer a qualquer momento –, ele será instado a se afastar do comando da Casa.

Essa é a conclusão defendida por aqueles que acreditam que, por se tratar do terceiro na linha sucessória, o caso do presidente da Câmara deve ser visto de forma análoga ao do presidente da República. Segundo a Constituição, o presidente fica suspenso de suas funções nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Enquanto não ocorre o desfecho de sua novela, Cunha permanece tentando caminhar adiante, alternando gestos de afago e ataques ao governo e à oposição, carregando sempre a caneta do impeachment como uma vareta de equilibrista sobre a corda bamba.

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