
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por unanimidade, acolher denúncias contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e o empresário Marcos Valério. João Paulo, ex-presidente da Câmara, é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; Valério e seus sócios na empresa SMP&B Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, de corrupção ativa. Todos passam a ser réus em processos que serão abertos no Supremo, sujeitos a pena de prisão de 2 a 12 anos.
Foi a primeira denúncia aceita contra Marcos Valério e seus sócios. João Paulo Cunha é o primeiro político petista a ter denúncia aceita no caso mensalão.
Segundo o relator Joaquim Barbosa, o ex-presidente da Câmara teria usado o poder de que dispunha para beneficiar a empresa SMP&B, do empresário Marcos Valério, numa licitação na Casa. De acordo com ele, o deputado teria cometido crime de corrupção passiva ao receber vantagem indevida R$ 50 mil, oferecida por Marcos Valério, para ter tratamento privilegiado. Os R$ 50 mil foram sacados numa agência do Banco Rural por Márcia Regina, mulher de João Paulo.
Seguindo a relatoria de Barbosa, os ministros rejeitaram a denúncia de corrupção ativa contra Rogério Tolentino, outro sócio de Marcos Valério. O relator entendeu que a denúncia não esclarece que contribuição Tolentino possa ter dado para a consumação do crime imputado a Valério e os outros sócios.
Executivos do Rural foram os primeiros réus do mensalão
Mais cedo, os ministros acolheram a denúncia contra quatro executivos do banco, por gestão fradulenta, abrindo o primeiro processo contra acusados de participar do maior escândalo do primeiro governo Lula. A presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane se tornaram os primeiros réus no caso. Como são 40 acusados, o relator Joaquim Barbosa optou por dividir seu voto por capítulos, começando pelo quinto.
A sessão tinha sido suspensa na noite de quinta, quando o relator, Barbosa, votou a favor da abertura de processo penal contra o grupo pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira. Além do relator, manifestaram-se favoráveis à ação penal os ministros Marco Aurélio de Mello e Cezar Peluso - que votaram ainda na quinta - Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Brito, Gilmar Mendes, e Celso de Mello nesta sexta-feira. Os indiciados passarão à condição de réus. A presidente do STF, Ellen Gracie, só é obrigada a votar em matérias constitucionais, o que não é o caso.
A pena para este tipo de crime varia de três anos a 12 anos, mais multa. Os representantes do Banco Rural também foram denunciados por Antônio Fernando Souza pelos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Mas Joaquim Barbosa ainda não analisou estes pontos da denúncia. O banco fez empréstimos à direção do PT em 2003, operações consideradas fictícias pelo procurador-geral.
Relator acusa advogados de mentir
Durante o julgamento, o relator Joaquim Barbosa e a ministra Carmen Lúcia protagonizaram uma discussão áspera que resvalou nos advogados dos acusados. A ministra levantou um aspecto apontado pela defesa em seu voto e o relator chegou a acusar os advogados de mentir.
- Nem tudo o que é dito em sustentação oral deve ser tomado ao pé da letra - disse Joaquim Barbosa à ministra.
O advogado José Carlos Dias pediu a palavra para se defender:
- Quero lembrar que tudo o que é dito aqui é verdade.
Joaquim Barbosa respondeu:
- Esse julgamento vai provar o contrário.
Em determinado momento, o ministro Eros Grau disse que votaria com independência, sem levar em conta a pressão da mídia:
- A sociedade e a imprensa não sabem, mas o magistrado independente é o autêntico defensor de ambos - afirmou.
O ministro Gilmar Mendes também fez um discurso contundente, defendendo que não se deve aceitar denúncia com falhas, pois um processo penal já é uma forma de punição.
- Esse preâmbulo de certa forma vai balizar também o meu posicionamento neste julgamento - anunciou Mendes.
Eros Grau condena 'linchamentos consumados'
Durante a leitura do seu voto no STF o ministro Eros Grau fez uma breve explanação a respeito do papel da mídia na sociedade. Eros Grau fez ressalvas ao que chamou de "linchamentos consumados (...) sob a premissa de que todos são culpados até prova em contrário":
- Condenam-se pessoas mesmo antes da apuração dos fatos. Nunca me detive em indagações a respeito das causas dos linchamentos consumados em um como que um tribunal dirigido sob a premissa de que todos são culpados até que se prove o contrário. Talvez seja assim porque muitos sentem necessidade de punir a si próprios por serem o que são. A imprensa livre é indispensável à plena realização da democracia, por isso ela há de ser necessariamente imune à censura (...). A alusão que aqui faço a determinados desvios (...) não pode ser tomada como desconsideração ou menosprezo da minha parte do papel fundamental desempenhado pela imprensa na democracia. Reportome a desvios cuja substancialidade não pode ser negada - afirmou o ministro, citando um artigo do qual é co-autor, publicado na revista Teoria Política.
Relator dividiu voto em capítulos
Na quinta-feira, Barbosa começou a apresentar seu voto - que tem cerca de 400 páginas - pelo quinto capítulo da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, sobre o chamado núcleo financeiro do esquema de pagamento de mesada a parlamentares. O núcleo foi acusado de aprovar empréstimos a empresas de Marcos Valério e ao PT em valores desproporcionais à capacidade de pagamento dos beneficiados. As empresas e o partido receberam, segundo as investigações, R$ 292,6 milhões em 2005.
Para especialistas, o caso deve ter julgamento técnico e não político pelos ministros do Supremo, apesar da pressão da opinião pública. Este é o entendimento de dois ex-integrantes do STF e de um jurista.
Eros Grau adia cirurgia para acompanhar julgamento semana que vem
O ministro Eros Grau disse que adiou uma cirurgia que havia marcado para o próximo sábado para poder participar do julgamento da admissibilidade do inquérito do mensalão.
- Decidi arriscar - disse o ministro.
Ele não informou para quando vai remarcar essa cirurgia.
A presidente Ellen Gracie disse que, se houver necessidade de outras datas para o prosseguimento do julgamento, além da próxima segunda-feira, que já está reservada, irá levar a questão ao plenário. Ela disse que, de acordo com o andamento do julgamento, deve discutir a questão no final da tarde de hoje ou na segunda-feira. A decisão, conforme a ministra, será do colegiado.
Defesa dos acusados é concluída no segundo dia
O segundo dia de julgamento no STF começou com a conclusão da defesa dos acusados. Os advogados mantiveram a estratégia de tentar desqualificar a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, como aconteceu no primeiro dia.
Luiz Francisco Barbosa, que defende o presidente do PTB, Roberto Jefferson, alegou que seu cliente deveria ser testemunha de acusação e não réu.
- Foi ele quem denunciou e, inclusive, batizou o escândalo do 'mensalão', dando entrevistas a jornais e falando à Câmara. Ele poderia ter ainda mais a dizer à nação - afirmou Barbosa.
Troca de e-mails entre ministros repercute no STF e no Congresso
A revelação de uma conversa por e-mail entre os ministros Lewandowski e Carmen Lúcia, no primeiro dia de julgamento do caso, flagrada pelo fotógrafo Roberto Stuckert Filho do jornal 'O Globo', repercutiu muito em Brasília.Antes de entrar no plenário do Supremo, o ministro Eros Grau, que teve o suposto voto vazado no e-mail não escondeu sua irritação.
A OAB e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, também criticaram a divulgação das mensagens eletrônicas. No Congresso, parlamentares como o senador Arthur Vrigílio (PSDB-AM) consideraram o caso de extrema gravidade.



