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Curitiba e Paranaguá

Meninas de 11 anos se prostituem por R$ 1,99

Em meados dos anos 90, a cifra R$ 1,99 virou símbolo da estabilidade econômica. Passados 12 anos, o número simboliza a carência de programas sociais que combatam um problema terrível. Em Curitiba e em Paranaguá, R$ 1,99 é como são conhecidas ruas onde meninas de 11 ou 12 anos se vendem a caminhoneiros, marinheiros, a todo tipo de cliente. A cifra se refere ao valor — real e subjetivo — da intimidade das jovens.

— Há meninas aqui que por causa do crack fazem sexo por qualquer dinheiro, R$ 2, R$ 3. Tanto que já houve até briga, mas quem não quer não é obrigado a fazer programa — diz J., de 17 anos, referindo-se à rua do R$ 1,99 de Curitiba, perto do bairro Rebouças.

Nos primeiros 74 dias de 2006, o programa Sentinela atendeu a 23 casos de exploração sexual comercial infanto-juvenil em Paranaguá, um dos maiores portos do país. Média de um caso a cada três dias numa cidade de 140 mil habitantes e com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) acima da Região Sul.

Rua do Cincão, outro ponto da prostituição infantil

J. também freqüenta a Rua do Cincão, em Curitiba, outro logradouro que ficou conhecido pelo valor do programa (R$ 5) feito pelas meninas prostitutas. Ela denuncia a situação corriqueira das drogas, especialmente o consumo do crack, que alicia menores para a prostituição:

— As meninas ficam por aqui mesmo, fumando pelos cantos, esperando. Vivo na rua desde os 10 anos. Meu falecido padrasto usava droga e me envolvi.

Paranaguá é considerada cidade modelo do programa Sentinela — principal iniciativa governamental no combate à exploração infantil — e no ano passado chegou a receber a visita do ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Mas o programa sobrevive com apenas R$ 13 mil mensais da União e uma contrapartida de 25% da prefeitura.

— A gente começa cobrando R$ 15 ou R$ 20, mas no fim da noite, quando o movimento é fraco, qualquer trocado é lucro — diz Q., 17 anos, que se prostitui na rua do R$ 1,99 de Paranaguá desde os 14.

As meninas geralmente começam a se prostituir cedo, por volta dos 10 anos, estimuladas por irmãs, primas, tias e até mães. Existem casos de famílias de prostitutas que estão na segunda ou terceira geração.

— Estou aqui há mais de 30 anos e desde aquela época elas vinham com 12, 13 anos. Conheci as avós dessas meninas de hoje — conta Neusa Veiga, dona do bar Casa Branca.

No ano passado, o Sentinela registrou o caso de uma menina de 9 anos.

— Não conseguimos resgatá-la e, segundo informações, ela está grávida — disse Neusa Mary Machado, coordenadora do Sentinela em Paranaguá.

Tolerada há tantos anos, a exploração infantil é vista como coisa normal em Paranaguá.

— Aqui é uma questão quase cultural porque já vem de várias gerações — diz Gabriela Borba, psicóloga do Sentinela.

O principal ponto de exploração é um posto de combustíveis no entroncamento da BR-277 com a estrada que leva ao pátio de descarga do porto. Ali, na rua do R$ 1,99, dezenas de caminhoneiros estacionam para descansar e fazer sexo com as meninas. Antes o trotoir acontecia nos bares e lanchonetes do pátio. Há dois anos, o governo estadual fechou as lanchonetes e restringiu o acesso ao pátio. As medidas só provocaram a mudança do local da prostituição.

Outra área de prostituição, além do posto, é o porto. Marinheiros e funcionários de empresas de exportação lotam bordéis como a Boate Conquistador, na Boca da Barra. Terça-feira, o Conquistador estava cheio de iranianos, alemães, indianos e filipinos. Eles pagam em dólar e sustentam o lado mais "sofisticado" da prostituição na cidade. Uma das conseqüências é a disseminação da Aids. Com mais de 800 casos, Paranaguá é a primeira no ranking do Paraná e terceira do Brasil.

Ano passado, a dona da Boate Maria Bonita, perto da Igreja de Nossa Senhora do Rocio, padroeira do Paraná, foi presa por abrigar uma menina de 16 anos. Outras circulam pelos armazéns oferecendo-se aos marinheiros, em inglês sofrível, por cachês que chegam a R$ 300.

— You have fun? (Você quer diversão?) — perguntam.

Cliente estrangeiro, o sonho das meninas

Topar com gringo rico que as sustente em dólar é o sonho da maioria das meninas. As garotas geralmente não têm cafetão. Não existe uma rede organizada, mas muita gente lucra com a exploração infantil. São donos de bares, motéis e principalmente taxistas e traficantes de crack. Há uma regra na cidade pela qual as prostitutas andam à vontade nos táxis e só pagam quando pegam um estrangeiro.

Já os traficantes costumam atrair as garotas para orgias de álcool e crack até que, viciadas, elas recorrem à rua do R$ 1,99. Também são freqüentes os relatos de exploração por policiais civis e militares. Nas duas noites que passou no R$ 1,99, o repórter viu vários carros da PM no local, assistindo passivamente ao trotoir das adolescentes.

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