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Educação, cultura e lazer

Menos de 1% se preocupa com a educação na hora de votar

Índices educacionais positivos e área verde em abundância ainda são insuficientes para garantir o show de bola de Curitiba nas áreas educacional, recreativa e cultural

Reconquistada: na Vila Autódromo, programação esportiva está vencendo o medo dos moradores | Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo
Reconquistada: na Vila Autódromo, programação esportiva está vencendo o medo dos moradores (Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Povo)
Partilha: Praça do Atlético, na Água Verde, vingou ao se tornar democrática |

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Partilha: Praça do Atlético, na Água Verde, vingou ao se tornar democrática

Projeto: na Vila São Pedro, a praça é o point dos moradores |

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Projeto: na Vila São Pedro, a praça é o point dos moradores

Ausência: no Bolsão Ulysses,

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Ausência: no Bolsão Ulysses,

Sonho: no Jardim Saturno, bosque foi adotado como praça por crianças de escola vizinha |

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Sonho: no Jardim Saturno, bosque foi adotado como praça por crianças de escola vizinha

Confira a distribuição dos equipamentos culturais, praças e jardinetes de Curitiba |

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Confira a distribuição dos equipamentos culturais, praças e jardinetes de Curitiba

Por essa os candidatos a prefeito de todo o Brasil não esperavam: a maior parte da população (68%) não faz idéia do que o poder público municipal faz pela educação. E menos de 1% considera as propostas para o setor como determinantes na hora de decidir o voto. O levantamento, feito pelo Ibope, será detalhado nesta semana, pelo projeto Educar para Crescer. Mas os dados preliminares bastam para se formular a questão: os políticos vão deixar de se preocupar com a educação, já que, aparentemente, isso não garante voto?

Esse quadro negro também ocorre em Curitiba. Das cerca de 18 mil sugestões recolhidas pelo poder municipal em audiências públicas neste ano, apenas mil eram referentes à educação. As prioridades são urbanismo, segurança e saúde. Para os especialistas da área, o cenário é preocupante. Ainda mais na capital paranaense, que, por carregar índices educacionais acima da média brasileira, corre o risco de embarcar em uma onda de "já ganhou" e desacelerar na busca por desempenhos ainda melhores.

"Se por um lado a cidade tem uma nota 5,1 no Ideb (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico), a melhor do Brasil, ela não pode se esquecer de caminhar rumo a uma nota 6. A qualidade ainda é um desafio", diz o presidente-executivo do movimento Todos pela Educação, Mozart Neves Ramos. Para ele, essa qualidade só se estabelece se houver um efetivo regime de colaboração entre município e governo estadual. Por que não, como lição de casa, pedir às secretarias de educação de Curitiba e do Paraná que façam um trabalho em grupo? Entre os exercícios a serem resolvidos estão a distribuição de docentes, a construção de escolas e a continuidade curricular. O Ministério da Educação (MEC) começou a implantar um programa com este objetivo há um ano, conta a secretária nacional de Educação Básica, Maria do Pilar Lacerda. "Como ente federado, o governo federal trabalha muito em regime de colaboração com estados e municípios, mas na área educacional havíamos avançado muito pouco."

Além dessa articulação, a prefeitura precisa promover uma integração maior entre as diversas secretarias. "Existe um diálogo, mas principalmente em função da nossa demanda", diz a professora Simone Rechia, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas em Esporte, Lazer e Sociedade (Cepels), da UFPR. O grupo existe há quatro anos e é formado por 25 alunos, os quais dizem que Curitiba, apesar de ostentar a invejável marca de 12,6 metros quadrados de área verde por habitante, deixa a desejar na qualidade e acessibilidade dos equipamentos públicos. "Sem iluminação, sem segurança, fica impossível para um trabalhador freqüentar um parque no seu horário livre." Outro problema: os brinquedos e equipamentos são todos iguais, desconsiderando que cada comunidade tem um interesse próprio.

A cidade vista da praça

Em abril e julho deste ano, durante as conferências municipais para discutir a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), algo de inesperado aconteceu. O esporte e o lazer apareceram na sétima posição no ranking de 18 mil sugestões enviadas pela população. A cultura foi para a Bacia das Almas – para lá da décima posição. A educação, a duras penas, ganhou o quarto lugar.

Para o secretário municipal de Esporte e Lazer (Smel), Neivo Beraldin, a explicação é simples: a população está satisfeita, por isso não pede mais. Os números do setor são animadores. De acordo com o gestor, cerca de 155 mil curitibanos participam mensalmente de atividades da secretaria, em cerca de 30 praças com programação intensiva – ao todo, são 443. O setor só não é mais reconhecido pela população porque é varrido para escanteio pela mídia – mais ocupada com os circuitos esportivos oficiais do que das peladas de bairro.

A opinião do secretário não é de toda absurda. Ao contrário da educação e da cultura – que mal-e-má têm seu lugar nos debates públicos – o lazer ainda é um assunto paralelo, o que talvez justifique sumir como poeira de vez em quando. Não causa espanto que ganhe o segundo plano diante de problemas como o trânsito ou as ruas esburacadas. Uma pena. Poucos assuntos se trançam de maneira tão instantânea quanto a quadra, o quadro e o palco.

Basta pensar na sobrecarga que pesa sobre a escola. E no perigo da escolarização excessiva do esporte e da cultura, transformando em matéria de avaliação atividades cujo princípio é o prazer. Criar essa rede é que são elas. Durante esta semana, a reportagem visitou vários logradouros, atrás de um modelo. Foram encontrados vários. As praças, afinal, são tão múltiplas quanto a cidade que as abriga. Há áreas vips, como os Jardins Ambientais e os eixos de animação da Wenceslau Brás e Arthur Bernardes. Há lugares exemplares, como a Praça Nelson Paternaski, na Vila São Pedro, mix de área de lazer, praça esportiva e teatro. Detalhe: cada metro quadrado foi resultado de pressão dos moradores junto ao poder público. E zonas proibidas – ou quase – a exemplo do Parque Linear, no Jardim Autódromo, Cajuru, à beira do Rio Atuba.

O Linear é impressionante: são 104 mil metros quadrados, boa parte sem o proveito de viva alma. Em volta, pelo menos 300 ocupações irregulares. Impossível não pensar no bem que a área poderia fazer à rapaziada local. Pois há quem tenha feito valer esse direito. Apesar de plantado no bairro mais violento da cidade – o Cajuru – o parque-praça abriga campeonatos esportivos dos 67 grupos que participam da União de Associação de Moradores, a UAM, liderada por Neemias Portela, 40 anos.

Só para as copas Cajuru e Solitude, Neemias costuma arrebanhar 1,3 mil atletas. "Tenho 22 anos de vila, já vi mais de 15 mortes por aqui. Mas hoje mudou. Acredito que o esporte tem esse poder", diz, diante da rapazida que joga partida numa quadra recém-inaugurada. A afirmação do líder se repete noutras paragens. Na Praça Afonso Botelho, a "do Atlético", o esporte é o prato do dia.

O local é digno de uma crônica. Inaugurado em 1972, demorou 20 anos para vingar. Até que enfim. Agora, são 2,5 mil esportistas por mês e não passa 30 dias sem um campeonato. Além da reurbanização, iluminação e um pause nos eventos religiosos, a região conta com a força-tarefa de dois veteranos da Educação Física, Fernando San-ches, 59, e João Scorsin, 55.

A dupla é do tempo em que se acreditava no poder das escolas públicas em formar novos esportistas. Como a regra é desesperar jamais, bateram na porta de colégios da região – como o Rio Branco e João Turin – promovendo eventos extraclasse. O resultado veio a jato – o que se pode ver na infinidade de arquivos de fotos, cronogramas nos murais e no entra-e-sai da gurizada. Nas paredes externas, grafites, mostrando que praça tem de falar a 2008. "Nosso público é o B e o C. O negócio aqui é democrático. Acho que é por isso que dá certo", aposta Sanches, com a chave do segredo.

A criançada que mora no Bolsão Ulysses também era daquelas que organizava campeonatos de futebol. Mas o campinho ficava em terreno particular que agora está cercado. Para jogar em quadra, é preciso andar pelo menos 20 quadras ou então atravessar a BR-476. Se for para soltar pipa, a rua na frente de casa é a opção. O filho de Magna dos San-tos, Gleison, de 9, ficava feliz da vida quando chegava em casa com uma medalha. Há duas semanas, o menino chegou em casa com o rosto queimado, fruto de uma brincadeira infeliz com fogueira, acesa em um lote que poderia virar uma pracinha. "Temos 609 famílias, a maioria com criança pequena, sem ter onde brincar", conta a presidente da Associação dos Moradores da Vila Dr. Ulysses, Rosângela dos Santos.

Sua colega de ofício, a presidente da Associação dos Moradores do Jardim Saturno, Wanda Morais, tem muito mais o que comemorar. O bosque do conjunto, com quase 23 mil metros quadrados, está sendo utilizado como sala de aula dos alunos da Escola Municipal Paranaguá, no projeto Bosque Escola, lançado em junho. "Havia uma diretora que queria roçar toda a área, mas agora, felizmente, contamos com uma direção e professores que sabem aproveitar o bosque", diz.

Para a educadora física Simone Rechia, esse tipo de integração entre escola, áreas de lazer e de cultura deve ser a prioridade do sistema educacional. "Com o Comunidade Escola, os colégios viraram espaços de lazer nos finais de semana. O programa é bom, mas por outro lado deixa a criança fechada no mesmo lugar onde ela já passa os dias de semana. É preciso utilizar outros espaços também."

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Com a palavra

Participaram desta edição o mestre em Educação Física e Lazer Felipe Gonçalves; o secretário municipal Neivo Beraldin; o professor de Educação Física Fernando Sanches; a doutora em Educação Física Simone Rechia; a historiadora Maria do Pilar Lacerda; e o educador Mozart Neves Ramos.

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