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Julgamento no STF

Mensalão na tevê, sem edição

Transmissões ao vivo pela TV Justiça, que acaba de completar 10 anos, dão transparência ao julgamento, mas têm efeitos no comportamento dos ministros

Sessões do STF com ministros “vigiados” pelas câmeras, no alto do plenário, que transmitem a sessão ao vivo para todo o país | Divulgação/ STF
Sessões do STF com ministros “vigiados” pelas câmeras, no alto do plenário, que transmitem a sessão ao vivo para todo o país (Foto: Divulgação/ STF)

Bate-boca, poesia, músicas de Cazuza e Chico Buarque e até comparações com Jô Soares. Com todos esses ingredientes, os primeiros 14 dias do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dariam um programa de televisão. Ou melhor, já deram.

A transmissão ao vivo das sessões que vão definir o futuro de 37 réus acusados de envolvimento no maior escândalo político do governo Lula é um marco para a TV Justiça, que completa neste mês 10 anos de atividade. As mesmas câmeras que garantem transparência, no entanto, também estariam alterando o comportamento dos "protagonistas" ao longo dos anos.

"A preocupação dos ministros com a afirmação retórica de seus argumentos em função da televisão levou a sessões muito mais longas", avalia o diretor da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri. Nas contas dele, antes das transmissões ao vivo, eram julgados de 16 a 20 processos por sessão. "Hoje são cinco ou seis", complementa.

A demora gerada pelo detalhamento tem se repetido nos embates entre o relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Logo no primeiro dia do julgamento, Lewandowski levou mais de uma hora e meia para defender um parecer favorável a respeito de uma questão de ordem sobre o desmembramento da ação. Amanhã, após terem lido ao longo de quatro dias apenas uma das oito partes de seus votos, ambos querem mais tempo para explicar suas argumentações.

Como nos dias anteriores, a expectativa é de novas discussões acaloradas entre os dois. A exposição ao vivo dessas brigas, contudo, não é motivo de preocupação, segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília, Cristiano Paixão. "Quando ainda não havia a TV Justiça, os ministros também batiam boca constantemente", afirma ele.

Paixão diz que as divergências são naturais em qualquer tribunal colegiado. "O complicado é quando elas ocorrem nos bastidores ou pela imprensa, não quando há brigas públicas em um julgamento." Para o professor, é possível fazer uma analogia com o teatro – em uma sessão, advogados, promotores e juízes constroem "performances" para expor seus argumentos e convencer uns aos outros.

Em depoimento para um documentário sobre os 10 anos da TV Justiça, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, diz que o canal auxilia na formação de uma "santa curiosidade" entre a sociedade. Até agora, não há medições oficiais de audiên­­cia que comprovem esse efeito por causa do mensalão. Na internet, o vídeo mais popular produzido pelo canal continua sendo o de uma aula de Direito Administrativo, com mais de 500 mil visualizações no Youtube.

Segundo a secretária de Comunicação do STF, Silvana Freitas, há um consenso entre os ministros de que as transmissões ao vivo se tornaram "irreversíveis". "Todos veem como um avanço no aspecto da transparência", explica ela. Além das sessões do Supremo (que ocorrem ordinariamente às quartas e quintas-feiras à tarde), a TV Justiça também apresenta ao vivo as sessões do Tribunal Superior Eleitoral (terças e quintas-feiras à noite).

As transmissões ainda despertam, de acordo com Silvana, a atenção de líderes do Poder Judiciário de outros países. "É um tema recorrente nas agendas dos ministros com autoridades internacionais", diz. Entre os poucos modelos similares, estão as supremas cortes do México e do Reino Unido.

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