
Professor de História do Direito da Universidade Nova Lisboa, Antonio Manuel Hespanha considera que há uma estratégia errada, tanto no Brasil quanto em outros países, de apostar em reformas constitucionais para resolver problemas de natureza política, eleitoral ou social da população. Na avaliação de Hespanha, fazer reformas legislativas é algo fácil e totalmente inócuo. "Não faz mal nenhum nem bem, não muda nada", diz ele. O difícil, segundo o jurista português, é conseguir mudar a mentalidade das pessoas.
Hespanha explica que os governos apresentam uma impaciência natural por causa da duração de seus mandatos, que, em geral, são de quatro anos. "A política pretende mudar as coisas em pouco tempo, mas os interesses da comunidade tem de ser pensados para 10 a 15 anos, do contrário não se faz nada", diz o jurista.
Hespanha veio a Curitiba na metade deste mês a convite do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e está proferindo o curso "O Liberalismo do Estado Liberal: o exemplo português do constitucionalismo monárquico (1800-1910 Confrontos com o Brasil)". Coordenado pelo professor de Direito Ricardo Marcelo Fonseca, da UFPR, o curso integra o programa da Capes chamado Escola de Altos Estudos, que possibilita a vinda de professores estrangeiros ao Brasil.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o jurista português fala sobre as dificuldades da democracia no mundo hoje e como ela pode ser aprimorada. Hespanha considera que os grandes meios de comunicação têm papel fundamental na ampliação do espaço de debate de políticas públicas. Ressalta também a importância de o poder público estimular a participação popular e cita como exemplo a experiência brasileira dos orçamentos participativos, que abrem à população a possibilidade de discutir quais devem ser as prioridades de ação em seus bairros.
Se comparado com outros períodos históricos, pode-se dizer que atualmente a democracia funciona bem?
No século 19 a cultura política era muito homogênea e a democracia funcionava muito bem. Isso porque o universo de participação política era muito restrito. Era exclusivamente formada por homens, depois passou a ser censitária, fazendo parte somente as classes mais favorecidas. Era uma cultura muito homogênea de cidadãos. A partir do momento em que se começa a alargar o universo político, o que acontece no fim do século 19, com o surgimento do sufrágio universal (direito de voto para todos), isso muda. Hoje parte das pessoas não entende a linguagem da política e, por esse motivo, não participa.
Como ampliar a participação da sociedade na política?
Pode-se desenvolver formas diferentes de democracia, mais próximas do cidadão, as chamadas democracias deliberativas, ou participativas, em que as pessoas podem participar do processo político ao nível de seus bairros. O Brasil tem alguns exemplos do que tem sido experimentado nesse campo, como o orçamento participativo. Os próprios cidadãos dizem em que áreas querem que o orçamento seja aplicado. Claro que as opiniões, em geral, acabam não vinculando a aplicação de recursos, mas as pessoas acabam se acostumando a deliberar sobre questões públicas. Cria-se uma cultura de discussão das questões municipais.
Há outras formas possíveis de participação política?
Outra importante iniciativa refere-se à atuação dos meios de comunicação social, principalmente a televisão, na transmissão dos debates do mundo político. Ainda que os assuntos sejam pouco atrativos e as audiências baixas, isso é importante. Uma forma de tornar esses programas mais atrativos seria de tornar a linguagem mais simples para o entendimento das pessoas. Na minha opinião deve haver um esforço da comunicação social para informar melhor. Os problemas públicos precisam ser discutidos com tempo e profundidade. Para as democracias serem mais consistentes, mais deliberativas, é necessário que os meios de comunicação estimulem o crescimento do debate público. Esse espaço cada vez está mais reduzido hoje.
Uma série de escândalos na administração do Senado brasileiro vem sendo levantada pela imprensa brasileira. Esses fatos mostram a necessidade de que as informações do Poder Legislativo sejam abertas para análise. Como ampliar a transparência nos poderes públicos?
Eu tenho acompanhado o assunto pela imprensa brasileira. É preciso dizer que o progresso das instituições é feito sempre à custa de escândalos.
Há uma cultura de emendas e reformas da Constituição Federal brasileira. Atualmente falamos em reforma política e eleitoral, em reforma tributária. Qual a sua opinião sobre o comportamento dos legisladores de alterar frequentemente o texto constitucional?
A Constituição portuguesa é de 1826 e foi alterada poucas vezes. Mas é verdade que em Portugal também vem se falando em alterar a Constituição. Acredito que ocorrem duas coisas. A primeira é a ideia errada de que fazer uma reforma é mudar a lei. Não é assim. É preciso mudar costumes, mentalidades. E isso é difícil. Alterar a lei é fácil e totalmente inócuo, não faz mal nenhum nem bem. Não muda nada. O segundo ponto a ser considerado é que há uma certa impaciência dos governos, porque eles têm cerca de quatro anos para implantar suas políticas. Nesse tempo não dá para avaliar as políticas adotadas, nem saber que resultados darão. Um programa sério de reformas é algo que se faz para ter resultado em dez ou quinze anos. Eu sou um pouco desiludido sobre como se poderia corrigir isso. A política pretende mudar as coisas em pouco tempo, mas os interesses da comunidade tem de ser pensados para 10 a 15 anos, do contrário não se faz nada.
Como manter programas de longo prazo ao mesmo tempo em que se tem troca de governos?
Quando há paradigmas muito diferentes acaba sendo complicado. Mas hoje, em todo o mundo, estamos num grande "centrão", os partidos sociais democratas e os socialistas fazem atualmente 75% dos votos em Portugal, por exemplo, e não se diferem em quase nada. E há políticas públicas que não produzem grandes dúvidas. Há políticas que são sempre boas, como na área de educação. As dificuldades vão surgir quando falamos em políticas inclusivas. Aí teremos diferenciações de acordo com as ideologias dos partidos.



