Ao eleger seus deputados por meio do voto proporcional em lista aberta – no qual o eleitor vota em um candidato e, automaticamente, contribui com o quociente eleitoral de sua chapa – tornou-se praticamente impossível a construção de um partido único majoritário. A legenda que vence as eleições tende a ficar com apenas 20% das cadeiras, e tem que negociar o apoio de um segundo partido, com votação quase igual, e uma vasta gama de “nanicos”.
O parágrafo acima é uma descrição do que acontece hoje no Brasil, mas poderia estar falando da Finlândia. No gélido país europeu, o Congresso eleito é dividido entre dois partidos grandes de situação, dois de oposição e outras várias legendas menores que se aglutinam ao redor desses dois campos. Para que o país se mantenha “governável”, os partidos são forçados a recorrer a alianças delicadas. A única coisa que esses dois países tão diferentes têm em comum? O mesmo modelo de votação.
Quando um país decide adotar um determinado modelo de votação, há que se considerar os diferentes impactos que eles podem causar. É impossível prever o impacto exato que a adoção de um modelo ou outro pode ter na vida política da nação, mas é possível saber quais aspectos da política são privilegiados e quais perdem importância.
Nesta semana, a Câmara deve concluir a votação do relatório da reforma política. A mudança mais vistosa, ainda que não seja a única alteração relevante, é a mudança do formato das eleições para deputados e vereadores. Parte do PMDB, liderado por Eduardo Cunha, presidenta da Câmara, e Michel Temer, vice-presidente da República, se aliou ao “baixo clero” para defender o chamado “distritão”. Já o PSDB e o PT fizeram uma improvável aliança para defender o voto distrital misto. Há, ainda, o PSB na defesa da manutenção do modelo atual.
O modelo distrital misto seria uma opção mais “conservadora” em relação ao sistema político. Ela introduz o caráter de representação majoritária distrital, mas mantém uma eleição proporcional paralela – é uma espécie de meio-termo entre os modelos distrital e proporcional. O modelo atual também pode ser visto como um meio termo, ao permitir que o eleitor escolha seu candidato, mas vote sempre em partidos.
A principal diferença é que, por incluir o voto distrital, por duplicar o quociente eleitoral e por criar a necessidade de campanhas partidárias organizadas, a tendência é que partidos maiores, mais organizados e com campanhas majoritárias mais fortes – como, por exemplo, o PT e o PSDB – tendam a concentrar mais cadeiras nos parlamentos. Logo, a tendência seria de redução no número de partidos com representação.
O “distritão”, por outro lado, é uma mudança radical na lógica da eleição para câmaras baixas. Não há, nesse caso, uma fórmula que garanta a representação proporcional por partidos ou por regiões – e, por isso, é um modelo pouquíssimo usado no mundo. Ao reduzir a importância dos partidos, a tendência é que interesses individuais das lideranças políticas se sobreponham a projetos políticos coletivos.
Voltando à Finlândia, é bom lembrar que os dois países adotam o mesmo modelo de votação há quase um século – nós, desde a década de 1930, eles, desde a década de 1900. Eles ocupam as melhores posições nos rankings de educação, saúde, renda e transparência – nós flutuamos nas posições intermediárias. Logo, mudar o sistema eleitoral não vai significar uma revolução na vida dos brasileiros. Mas há um impacto na maneira como somos representados – e isso não pode ser ignorado na hora de debater a reforma política.



