Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Judiciário

Novo presidente do STJ vê riscos na divulgação de salários de juízes

Félix Fischer, novo presidente do STJ

“O Código Penal já teve uma alteração grande em 1984. Surgiram uma série de alterações ao longo do tempo. Se a gente ficar falando que a legislação é ultrapassada e velha vamos fazer um código novo a cada dez anos. Esse é que é o problema.” -Félix Fischer, novo presidente do STJ | Wenderson Araújo/ Gazeta do Povo
“O Código Penal já teve uma alteração grande em 1984. Surgiram uma série de alterações ao longo do tempo. Se a gente ficar falando que a legislação é ultrapassada e velha vamos fazer um código novo a cada dez anos. Esse é que é o problema.” -Félix Fischer, novo presidente do STJ (Foto: Wenderson Araújo/ Gazeta do Povo)

Nascido na Ale­­­manha, naturalizado brasileiro e "paranaense de coração" (como se autodefine), o ministro Félix Fischer toma posse no próximo dia 31 como presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Fischer, que atuou por 23 anos no Ministério Público do Paraná e está no STJ desde 1988, também vai assumir o comando do Conselho de Justiça Federal. Ambos os mandatos têm duração de dois anos.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o ministro fala sobre as principais polêmicas do momento no Judiciário brasileiro. Disse que vai entrar na briga por aumento para juízes e defendeu o pagamento de adicional por tempo de serviço. Também faz críticas à divulgação individualizada dos salários dos magistrados: "A diferença entre divulgação para efeitos de transparência e invasão de privacidade é bem tênue. Por exemplo: se ele paga pensão, é desagradável [a divulgação integral]. Qual é o interesse geral sobre isso?", questiona Fischer. Na entrevista, ele diz ainda ser contra a reforma integral do Código Penal.

O sr. vai entrar na discussão sobre o aumento para juízes e funcionários do Judiciário federal?

Tanto quanto eu puder ser útil para essa reivindicação. Há muito tempo os vencimentos estão congelados. Na sistemática atual, há muita limitação entre um nível e outro de carreira. Não tem mais a questão do tempo de serviço. Então quem entra num concurso agora tem uma diferença mínima em relação a quem já está há muito tempo na carreira.

A Lei de Acesso à In­­formação mostrou disparidades enormes entre os salários de juízes e o teto constitucional. Há desembargadores no Rio de Janeiro, por exemplo, que apareceram com salários superiores a R$ 100 mil. Como resolver essa situação?

Parece-me que está havendo um pequeno equívoco na imprensa. Às vezes há certos [pagamentos] atrasados em alguns tribunais que os juízes estão recebendo ainda, que vêm na folha junto com o salário. Não é que ele ganha isso aí sempre. Há casos de divulgação errada inclusive de informações do STJ. No período de julho, os tribunais superiores entram em férias coletivas e aí os juízes têm direito a receber o terço de férias. Alguns pedem adiantamento do 13.º [salário] também. Neste mês eles recebem bastante, só que no mês seguinte eles ganham bem pouco. Mas esse engano é até justificado. Minha mulher é procuradora de Justiça aposentada e, quando ela viu essa notícia, virou para mim e perguntou: "Como esses caras estão ganhando muito mais do que você?". Aí eu expliquei para ela. É uma coisa que, digamos assim, não é de conhecimento comum. Não é nenhuma aberração porque está dentro da lei.

Como o sr. vê a polêmica gerada entre os juízes por causa da divulgação individualizada dos salários?

Há um problema. Divulgar o quanto ele ganha, com todos os descontos... A diferença entre divulgação para efeitos de transparência e invasão de privacidade é bem tênue. Por exemplo: se ele paga pensão, é desagradável [a divulgação integral]. Qual é o interesse geral sobre isso? Na minha opinião, o que poderia haver é a divulgação de quanto é que a categoria ganha por mês. Quanto esse salário é a mais, se não houver justificativa, aí tudo bem: faz-se um carnaval. Mas sem saber a origem desse dinheiro, sem verificar, sem ter informação, é perigoso.

Então o sr. acha que deveria haver novos critério de divulgação?

Para divulgar tem que ter critério. E a imprensa tem que ter cuidado. Eu não posso nem defender nem acusar quem está ganhando isso ou aquilo. Mas acho que, para divulgar se o salário é grande, tem que verificar se todo mês ele ganha aquilo – e o que é aquilo ali.

Não dá para deixar tudo claro no instrumento de divulgação?

É isso aí que tem dado muita confusão interna. Tem gente que acha que quando se divulga deveria se dar uma nota explicando [qual é o embasamento legal do vencimento].

O Congresso intensificou nos últimos meses a discussão sobre mudanças no Código Penal. O sr., como ministro do STJ e especialista em Direito Penal, acha que ele precisa mesmo ser totalmente modificado?

O Código Penal já teve uma alteração grande em 1984. Surgiram uma série de alterações ao longo do tempo. Se a gente ficar falando que a legislação é ultrapassada e velha vamos fazer um código novo a cada dez anos. Esse é que é o problema. Acho que poderia ser adaptado, mas já que resolveram fazer um novo... Sempre tem polêmica, cada um tem sua opinião. Eu acho problemático, pelo que vi na imprensa, acabar com o crime de desacato [à autoridade]. Eu não sou muito apegado a posições religiosas no caso do aborto, mas abrir demais é perigoso. Eles tomaram algumas medidas muito boas, mas em outras eu tenho uma posição um pouco divergente.

Então o sr. acha que não é necessário criar integralmente um novo Código Penal?

Eu achava que poderia dar uma modernizada. Não é um código ruim. Em outros países há códigos bem mais antigos. Um código inteiramente novo precisa de uma discussão bem mais ampla. Só sessão pública não resolve.

O que o sr. pretende implantar de novo em sua gestão como presidente do STJ?

Uma série de coisas. Vou tentar aperfeiçoar o que já existe e manter com magistrados e servidores um ambiente de motivação para atender aos anseios de quem recorre ao tribunal. E também trabalhar para modernizar sempre as instalações dos serviços internos, dentro do possível na previsão orçamentária.

Do ponto de vista dos tribunais superiores, o que é possível fazer para tornar a Justiça brasileira mais ágil? O excesso de recursos é um problema?

Existe uma distorção. Os tribunais superiores não deveriam existir como tribunais de apelação. Seria um demérito. A Justiça tem dois graus: primeira instância e segunda instância. Dali para cima, o que existe na verdade são tribunais superiores para padronizar entendimentos quando há divergências. Eles não estão ali para rever matéria de fato. Isso é pacífico na Constituição. O que aconteceu depois de 1988, mais por interpretação, é que abriram demais as portas dos tribunais e o volume de serviço tem aumentado em progressão geo­­métrica. Quando entrei no tribunal, meu gabinete era da metade do tamanho de hoje. Se não limitarem legalmente o acesso aos tribunais não tem como enfrentar esse problema – e isso não é deixar de prestar jurisdição, porque até segundo grau você tem todo tipo de recurso imaginável. É como enxugar gelo. E não é só uma questão de aumentar o tribunal para atender à demanda. Em pouco tempo precisaríamos ter um tribunal superior com mais de mil magistrados. Isso não existe em lugar nenhum.

Por essa lógica é normal um tribunal superior como o STF julgar um caso criminal como o mensalão?

O mensalão tem previsão constitucional para ser julgado pelo STF porque uma parcela dos réus tem foro privilegiado [três dos 38 acusados]. Só que tem muitos réus. Vai ser um problema para julgar tudo isso aí. Na prática, o que a gente tem feito aqui no STJ é desmembrar esse tipo de processo. O STF também tem feito isso, mas nesse caso não fez. É um processo complicado para julgar. Bem complicado.

Um tema sensível ao Paraná é a aprovação da PEC dos Tribunais, bandeira do meio jurídico no estado e que cria mais cinco Tribunais Regionais Federais no país, um deles em Curitiba. O sr. é a favor?

Eu acho que é muito importante a criação desses novos tribunais. Mas tem de ser feito com cuidado para não gerar um efeito dominó e daqui a pouco tem um tribunal regional por estado. O que me parece mais adiantado é o de Minas Gerais.

Agora também há uma outra PEC do senador Sérgio Souza (PMDB-PR) para a criação de um TRF apenas no Paraná. É boa ideia? Só no Paraná? Isso aí é mais difícil passar. A pessoa pode desejar, mas é mais difícil.

Há uma polêmica sobre a PEC dos Tribunais porque há estados que não gostariam de perder força, como seria o caso do Rio Grande do Sul. Inclusive o atual presidente do STJ, Ari Pargendler, é gaúcho.

O Rio Grande do Sul quer manter a situação em que está. Entre ampliar o tribunal de lá e criar um novo, é melhor criar um novo. Mas precisa ser feito com muito cuidado para não virar a reivindicação de um estado só.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.