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Diplomacia

O que o Brasil ganha com eles?

Aproximação com os polêmicos Ahmadinejad, Chávez e Zelaya reforça o sonho brasileiro de ser protagonista do jogo político internacional

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Brasília - Do meio da América Central, Honduras vai hoje às urnas e divide as atenções e opiniões dos dois pólos do continente. No norte, os Estados Unidos patrocinam a disputa e, no sul, o Brasil contesta a legitimidade das eleições. O episódio é o desfecho de uma sequência recente de distensões entre a política externa dos dois países, que começou na segunda-feira com a passagem do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por Brasília.

A proteção ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, somada à proximidade a Ahmadinejad e ao venezuelano Hugo Chávez, colocam a diplomacia brasileira no fio da navalha – e não apenas para os norte-americanos. Para alguns líderes mundiais, aparece um país que promove o diálogo entre nações belicosas. Para outros, as atitudes só servem para avalizar governos antidemocráticos.

Na prática, porém, toda essa movimentação demonstra um desejo histórico do Brasil: ocupar um papel de destaque no cenário mundial. Os exemplos do passado são vários, da Guerra do Paraguai (1864-1880) à tentativa frustrada de fazer parte do conselho de segurança da Liga das Nações – organismo criado para manter a segurança do planeta após a 1.ª Guerra Mundial (1914-1918).

"O que o governo Lula quer é pôr em prática esse antigo sonho: participar da arquitetura do poder internacional, falar e ser ouvido", diz o doutor em Ciências Políticas e sociólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Gustavo Biscaia de Lacerda. Para ele, a política externa adotada pela gestão petista esbarra em problemas conceituais.

O principal deles seria a noção de democracia. Segundo Lacerda, o Brasil erra seguidamente quando toma partido ideológico em questões internas de outros países. "A defesa de democracia que o Brasil está fazendo lá fora é ambígua. Zelaya queria rasgar a Constituição de Honduras e nós ficamos do lado dele. Em 2007, deportamos boxeadores cubanos que fugiram da delegação que participava dos Jogos Pan-Americanos e, agora, não queremos mandar Cesare Battisti para Itália."

O sociólogo, no entanto, não é só críticas às ações do governo Lula. Segundo ele, o mundo tem dado mais atenção ao país graças à estabilidade institucional e aos avanços econômicos conquistados nos últimos anos. Além disso, o Brasil teria sim cacife para intermediar o conflito no Oriente Médio; pela tradição pacifista e pela forte colônia de ascendência árabe, que reúne hoje cerca de 15 milhões de brasileiros – o dobro da população de Honduras.

A ambição de se transformar em uma potência esbarra nos interesses das potências já estabelecidas. Apesar da "química" entre Lula e Barack Obama, os Estados Unidos mostraram que estão dispostos a impor limites ao enviar uma carta ao governo brasileiro sobre Honduras, na semana passada. A correspondência foi respondida na quinta-feira pelo Palácio do Planalto e gerou protestos.

Articulador da estratégia brasileira em Honduras, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse que o posicionamento dos Estados Unidos a favor da eleição foi uma "decepção". O Brasil defende o restabelecimento de Zelaya ao poder, ideal compartilhado pela Venezuela e outros países da América Latina.

A simples contraposição aos EUA e a defesa do Brasil como nova via de negociação mundial não fará do país protagonista do xadrez político internacional, de acordo com o historiador da Universidade de Brasília, Virgílio Arraes. "Um país só se transforma em uma potência internacional se consegue se impor em três áreas: militar, cultural e econômica. O Brasil não está à altura das atuais potências em nenhum desses quesitos."

Segundo ele, o verdadeiro poder de influência brasileiro ainda está restrito a países da África e da América Latina. Arraes destaca, contudo, que a diplomacia brasileira tem agido com pragmatismo comercial, especialmente no caso da Venezuela e do Irã. "Aí não é uma questão de quem está no poder, mas uma relação entre Estados."

A discussão sobre erros e acertos também deságua no Congresso. Durante a passagem por Brasília, Ahmadinejad foi recebido por um parlamento dividido. Enquanto os partidos da base aliada ao governo Lula defendiam o diálogo com o iraniano, a oposição protestava.

"Não há pragmatismo que justifique que o nosso país faça confraternização com ditadores", afirma o senador Alvaro Dias (PSDB-PR). O paranaense é um dos principais críticos da proposta de inclusão da Venezuela no Mercosul. O projeto seria votado na semana passada pelo Senado, mas a análise foi adiada para o dia 9 de dezembro.

Para o ex-presidente do Par­­lamento do Mercosul, deputado fe­­deral Dr. Rosinha (PT-PR), é a oposição que tem uma opinião deturpada do caso. "Estamos falando de al­­go muito mais comercial do que político." Sobre o Irã, o petista disse que Lula demonstrou imparciali­­da­­de ao ter recebido também o pre­­sidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e o primeiro-ministro de Israel, Shimon Peres.

Ele também cita uma conversa recente com o presidente para justificar a postura brasileira. "Certa vez Lula me disse que para defender a paz era necessário conversar com quem quer fazer a guerra." A estratégia pode ainda não ter surtido efeito, mas colocou o Brasil no noticiário internacional – para o bem e para o mal.

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