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Na tarde de sexta-feira, o deputado estava em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, quando escutou:

— O governo Dilma virou pó!

— Pelo que disse o Michel Temer, agora só falta o espanador — retrucou Miro Teixeira (PROS-RJ) com a mordacidade ferina cultivada na vivência parlamentar de todas as crises brasileiras dos últimos 44 anos.

Horas antes, o vice-presidente dera a dimensão da fragilidade da vizinha no Palácio do Planalto, enunciando o óbvio:

— Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo (7% de popularidade). É muito difícil.

Foi sua quarta advertência seguida, nas últimas quatro semanas, sobre a “gravidade” da situação. Já clamara em público por “alguém” com “capacidade” de pacificar a política e recuperar a economia. Na sequência, demitiu-se da coordenação do apoio parlamentar ao governo.

Temer, 75 anos, distingue-se na cena política há meio século pela paciência, comedimento, fidelidade ao liberalismo e, sobretudo, pela flexibilidade no amálgama de interesses patrimonialistas de grupos que habitam nas depressões periféricas do poder. Sem ele, teria sido muito difícil ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se eleger na presidência da Câmara em fevereiro. Com ele, parte do PMDB hoje luta pelo comando da Caixa Econômica Federal.

Num governo em liquefação, o vice cresceu como referência do descontentamento. No último fim de semana, por exemplo, foi procurado por Lázaro Brandão, presidente da fundação que controla o Bradesco.

Aos 89 anos, Brandão exerce com absoluta discrição o controle do poder sobre as decisões que considera relevantes ao futuro do grupo. Foi a ele que o principal executivo Luiz Trabuco recorreu, em novembro, quando recebeu o convite de Dilma para o Ministério da Fazenda. A recusa veio com o patrocínio da indicação de um dos diretores, Joaquim Levy, cujo desalento com aspectos de folhetim impressionara Trabuco durante a semana passada.

Brandão e Temer têm poucas coisas em comum. Paulistas das margens do Tietê, na rota dos bandeirantes para o planalto, chegaram à janela da política no regime militar. Brandão ganhou uma diretoria do banqueiro Amador Aguiar, a quem sucedeu em 1991.

Temer seguiu os liberais Ataliba Nogueira na Secretaria de Educação paulista, onde assistiu às conspirações do governador Ademar de Barros (Trinta e seis anos mais tarde, em 2005, o então embaixador americano em Brasília John Danilovich mandou para Washington um perfil de Dilma Rousseff, atribuindo-lhe o planejamento do assalto à casa da amante de Ademar, onde o grupo Vanguarda Popular Revolucionária (VAR-Palmares) recolheu US$ 14 milhões. Ela sempre negou.)

Pouco se conhece das recentes conversas de Temer com empresários como Lázaro Brandão. Sabe-se, porém, que é unânime a apreensão com o que está aí.

O banqueiro, por exemplo, havia marcado a entrega do comando a Luiz Trabuco para o primeiro semestre de 2016. É a época em que se concentram dois terços dos vencimentos da crescente dívida pública federal.

Nos 12 meses terminados em julho, esse endividamento consumiu recursos na proporção de 7,9% do Produto Interno Bruto — um aumento de custo expressivo (de 2,3 pontos percentuais) em relação ao ano anterior (5,6% do PIB).

Nas horas seguintes, Temer se sentiu à vontade para expor de novo as divergências com Dilma:

— Para um governo conseguir estabilidade — acrescentou — precisa de apoio do Congresso, o que chamo de governabilidade, e dos movimentos sociais, o que chamo de governança. Como hoje não há nenhum dos dois, pode-se dizer que a crise política existe e é grave, assim como a econômica.

Na essência, ambas refletem a exaustão do ciclo de cooptação na política e privilégios no acesso aos subsídios estatais na economia. Sinalizam, também, o esgotamento de um modelo de de alianças no poder assentado em periódicas derramas tributárias, como simboliza a tentativa de recriação da CPMF.

A quebra do Estado é evidente e o governo Dilma demonstra ter perdido a bússola das próprias contas.

Em abril, apresentou ao Congresso uma proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2016 com previsão de superávit fiscal de R$ 64 bilhões.

Dois meses depois comunicou ao Legislativo um novo cálculo. Reduziu o saldo previsto para R$ 34 bilhões.

No início da semana mandou o projeto orçamentário definitivo, com meta inicial de déficit R$ 30 bilhões, o equivalente a 0,5% do PIB.

Na vida real, a falta de caixa pode ultrapassar R$ 80 bilhões. Isso porque é absolutamente incerta uma parcela significativa (R$ 48 bilhões) das receitas previstas para financiar os 700 programas governamentais.

Depende, sobretudo, do êxito em eventuais privatizações numa conjuntura recessiva, com um governo sem liderança legislativa e principais parceiros privados, as empresas “campeãs nacionais”, expostas à devassa por corrupção em contratos com o Estado.

Nesse quadro, a ambiguidade do vice dá margem outras interpretações no Congresso.

Percebe-se na sua torrente de críticas o prelúdio de uma cartada com o condão de isentá-lo de suspeitas sobre conspiração ou conivência com o imobilismo presidencial.

Se Dilma não muda nem renuncia, nada impede Temer de vir a fazê-lo. Sacudiria a poeira e voltaria à base paulista “feliz da vida” — numa das suas expressões prediletas.

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