
Surpreendido e acuado pelas manifestações que tomam conta do país, o governo federal está tentando assumir o controle da agenda que emergiu das ruas para aprovar projetos que já eram defendidos pelo Planalto e pelo PT. A estratégia começou a ser delineada com o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff na segunda-feira, na qual ela propôs pactos com o Congresso para atender aos anseios da população nas áreas de saúde, transporte, educação, combate à corrupção, reforma política e responsabilidade fiscal. A oposição, porém, ontem começou a criticar o que seria uma tentativa do governo de jogar uma "cortina de fumaça" para desviar o foco da insatisfação popular.
No Congresso, parte da agenda positiva já começou a ser tocada adiante embora não exatamente como quer o governo nas áreas de educação e responsabilidade fiscal (leia mais nesta página). Da parte do Planalto, as discussões sobre o plebiscito da reforma política por enquanto têm sido a principal preocupação.
Ontem, o Palácio do Planalto anunciou ter chegado a um acordo com os presidentes dos partidos políticos que compõem a base de apoio para a realização do plebiscito, possivelmente em agosto, para nortear a reforma política a ser votada posteriormente pelo Congresso. As perguntas que serão levadas à população não foram definidas. O consenso alcançado com os presidentes partidários é que a consulta envolverá apenas os "pilares" dessa reforma e não entrará em detalhes específicos sobre sistemas de votação.
Também foi definido que a prioridade da consulta à população será abordar o financiamento público das campanhas. Essa é uma antiga bandeira do PT, sob o argumento de que é a melhor forma de coibir o abuso do poder econômico nas eleições.
Outras pautas do PT que foram apresentadas como resposta à insatisfação das ruas são a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação e contratação de médicos estrangeiros para atender no SUS.
Outro foco
Líderes oposicionistas, porém, ontem ensaiaram discurso mudando o foco da discussão sobre o atendimento à pauta das ruas. "Não temos nada contra o plebiscito, mas nós [congressistas] temos capacidade de diagnosticar e fazer uma reforma política. O que a presidente está fazendo é lançar uma cortina de fumaça para tentar esconder as mazelas do governo na educação, na saúde, no transporte", afirmou o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO). "Temos outros assuntos para tratarmos, como saúde, educação, redução de gastos públicos, de ministérios. Essa é a pauta que está em sintonia com as ruas e isso queremos discutir", disse o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP).
Como o governo, UNE quer royalties só para a educação
Das agências
Cerca de 2 mil manifestantes da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) promoveram ontem uma manifestação na frente do Congresso para pedir que o Senado aprove o projeto original do Planalto que prevê que 100% dos royalties do petróleo sejam destinados exclusivamente à educação. Em votação anteontem na Câmara, os deputados decidiram que 75% da verba será destinada à educação e 25% para a saúde.
A reivindicação da UNE e da Ubes entidades ligadas a partidos que fazem parte da base de apoio da presidente Dilma Rousseff coincide com o anseio do Planalto de resgatar o projeto original. Na quarta-feira, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, já havia dito que o governo defenderá a aplicação de 100%, e não de 75%, no ensino público.
A UNE e a Ubes ficaram de fora das primeiras manifestações pelo país. Questionada se a UNE estava entrando muito tarde nas manifestações, a presidente da entidade, Virgínia Barros, respondeu: "A UNE está nas ruas há 76 anos participando dos protestos no país".
Beijaço
No protesto, estudantes ocuparam o gramado em frente do Congresso e alguns manifestantes invadiram o espelho dágua. O ato contou até com um "beijaço" entre pessoas do mesmo sexo para repudiar os projetos em tramitação no Legislativo que, segundo o movimento estudantil, promovem a discriminação dos homossexuais, tal como a "cura gay".
CCJ do Senado aprova PEC do Trabalho Escravo
Agência O Globo
Dando sequência à agenda positiva para aplacar os ânimos das manifestações de rua, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de terras em que forem flagradas a exploração desse tipo de mão de obra. O texto tramita há 14 anos no Congresso e segue agora para duas votações em plenário.
Para a PEC ser aprovada, foi preciso um acordo com a bancada ruralista, que sempre se opôs ao projeto. Ficou acertado entre os senadores que ainda será definido o que é trabalho escravo e também como vai se dar o trâmite da expropriação das terras. Esse também foi o acerto feito com os ruralistas da Câmara para que a proposta fosse aprovada pelos deputados. O relator no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), disse que sem o conceito de trabalho escravo, a PEC vai ser inaplicável. Uma comissão de deputados e senadores será criada para votar o que é trabalho escravo.




