
Quase um ano depois de se tornar alvo de um pedido de cassação, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) perdeu o mandato na noite desta segunda-feira (12). O placar foi 450 votos a favor e apenas dez contrários (nove abstenções). Eram necessários 257 votos (maioria simples entre os 513) para cassá-lo.
O peemedebista foi acusado de mentir à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, quando disse que não tinha contas no exterior, o que acabou desmentido por autoridades da Suíça.
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Cunha estava em seu quarto mandato consecutivo como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Com a decisão, ele fica inelegível por 8 anos após o fim da atual legislatura, ou seja, até janeiro de 2027, quando ele terá 68 anos de idade. Sem o mandato, o peemedebista também perde o foro privilegiado. Na prática, significa que os processos que tramitam contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF), relacionados à Operação Lava Jato, devem seguir para o primeiro grau, ou seja, para as mãos do juiz federal Sergio Moro.
A sessão que terminou com a cassação do parlamentar começou às 19 horas, mas foi logo interrompida pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que alegava querer “mais quórum” para abrir o debate. Uma hora depois, com quase 400 parlamentares, a sessão foi reaberta.
O primeiro a falar foi o relator do caso no Conselho de Ética, Marcos Rogério (DEM-RO), cujo parecer recomendava a cassação. Ele enfatizou que Cunha tem contas no exterior e que o peemedebista mentiu aos pares quando negou o fato, na CPI da Petrobras, daí a quebra de decoro parlamentar. Também disse que se tratava do caso “mais emblemático” já vivido pela Casa e que havia contornos “policialescos” nas manobras que teriam sido feitas pelo peemedebista para embaraçar os trabalhos do Conselho de Ética.
Em seguida, falou o advogado de Cunha, Marcelo Nobre. Ele voltou a dizer que não existem provas contra seu cliente. “Se há conta do meu cliente no exterior, cadê ela?”, protestou ele. Para a defesa, “trust” não é uma conta pessoal. Nobre também reforçou que o STF ainda não julgou o peemedebista: “E se ele depois for inocentado?”. Até agora, embora dezenas de deputados federais sejam alvos de inquéritos da Lava Jato, apenas Cunha e o paranaense Nelson Meurer (PP) se tornaram réus no STF em ações penais ligadas à operação.
Enquanto Nobre falava na tribuna, Cunha já estava no plenário aguardando a sua vez. Poucos parlamentares foram cumprimentá-lo. O ex-presidente da Casa ficou sozinho na maior parte do tempo e, ao subir na tribuna, fez um discurso agressivo, principalmente contra o PT. “Eu estou pagando o preço por ter dado continuidade ao processo de impeachment [de Dilma Rousseff]. É o preço que estou pagando para o país se livrar do PT”, atacou ele, que ao longo dos seus quase 30 minutos de fala foi interrompido por protestos de parlamentares, especialmente petistas.
Cunha disse que a grande maioria não tinha lido nenhuma página do seu processo e não estava interessada em qualquer argumento. “É um processo de natureza puramente política. Peço para ser julgado com isenção, em respeito aos votos que tive nas urnas. Peço que me enfrentem somente nas urnas”, disse Cunha, se utilizando de argumentos semelhantes aos da ex-presidente da República durante o processo de impeachment. “Foi assim com a Dilma”, gritaram petistas contra Cunha.
Sobre o impeachment de Dilma Rousseff (PT), Cunha reclamou sobre o fato de ela ter não ter perdido os direitos políticos, criticando a decisão do Senado de fatiar a votação que tirou o mandato da petista. “Todos sabemos que a pena é conjunta e hoje nem a possibilidade da votação em destaque vão me dar”, disse ele.
Apesar do tom agressivo, Cunha se emocionou durante sua fala. Ao mencionar a família e a possibilidade de sair definitivamente da vida pública, o peemedebista ficou com a voz embargada. Em um desses momentos, um político do plenário disparou com ironia: “Chora!”.
Isolado
Ao longo da sessão, o deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Cunha, ainda tentou suspender a votação, sem sucesso. Outras alternativas propostas por Marun também fracassaram. Embora Cunha tenha mantido uma “tropa de choque” sólida ao longo do seu processo na Casa, Marun foi praticamente o único aliado a atuar em defesa do ex-presidente do Legislativo na sessão desta segunda-feira (12).
O líder do governo Temer, André Moura (PSC-SE), indicado para a vaga com o apoio de Cunha, estava ausente.
Para Cunha, parte dos parlamentares estaria votando a favor da sua cassação para agradar a opinião pública. Ele reclamou, por exemplo, do fato de a sessão ter sido marcada às vésperas das eleições municipais, o que tornaria o processo “um verdadeiro circo”.
No gramado em frente ao Congresso Nacional, dezenas de manifestantes com a bandeira “fora Cunha” e também “fora Temer” permaneceram no local por cerca de uma hora. Quando a votação foi iniciada no plenário da Câmara dos Deputados, o local já estava vazio.
Trajetória
De trajetória política controversa, Cunha chegou a Brasília para exercer seu primeiro mandato como deputado federal no ano de 2003. Conhecido pela articulação nos bastidores da Câmara dos Deputados, sua ascensão à presidência da Casa, para onde miram todos os holofotes, não deixou de ser um ponto “fora da curva” de sua trajetória política. Teria chegado lá principalmente em função do seu empenho na campanha eleitoral de colegas.
Ponte entre parlamentares e financiadores de campanha política, Cunha não nega ter pedido a empresários que fizessem doações a aliados. Ele afirma, contudo, que só ajudou integrantes do PMDB. No falatório oficial, Cunha ganhou adeptos à sua candidatura na principal cadeira do parlamento, no início de 2015, porque pregava autonomia do Legislativo em relação ao Executivo. O discurso agradou e o então “candidato do Planalto”, Arlindo Chinaglia (PT-SP), acabou derrotado.
O cenário não podia ser pior para um segundo mandato de Dilma Rousseff, que já começava combalido pelo resultado acirrado das urnas de outubro de 2014. Embora filiado ao PMDB, principal partido da então coalizão encabeçada pelo PT, Cunha não era exatamente um aliado de Dilma e defendeu pautas descoladas das diretrizes do governo federal, impondo derrotas sucessivas à petista.
Em meados do ano passado, quando a Lava Jato começava a chegar perto do peemedebista, Cunha rompeu “pessoalmente” com o governo federal e, em dezembro, deflagrou o processo de impeachment contra a presidente, com forte apoio do PSDB, DEM, PPS e SD. Na trajetória da petista até o impeachment, no final do mês passado, a vitória de Cunha naquele início de 2015 é considerada um ponto crucial.
Mas, além dos embates com a gestão Dilma, Cunha também ficou conhecido ao longo da sua gestão na presidência da Casa pela atenção que deu ao chamado “baixo clero”, grupo de parlamentares inexpressivos na política nacional e ligados a partidos fisiológicos. Não só atendeu a pautas do grupo, como também deu cargos importantes a integrantes dele dentro da estrutura da Casa.



