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O dia 9 de novembro pode ser um marco na atuação da Promotoria de Investigação Criminal (PIC) em Curitiba. Nessa data, o governo do estado anunciou a retirada do apoio material e policial ao órgão do Ministério Público. A medida, que poderia ser encarada como um sinal de derrocada, é vista como algo positivo pelo coordenador da promotoria, Paulo Kessler. "O episódio mostra que o modelo dependente em que atuávamos era precário", diz o promotor. Kessler foi um dos responsáveis pela prisão do policial civil Délcio Rasera, acusado de fazer grampos ilegais e que estava cedido à Casa Civil. A investigação seria um dos motivos para o desgaste da relação com o Poder Executivo. E mesmo sem policiais à disposição, ele promete continuar nessa linha de investigações. "Nossa prioridade é fazer intervenções cirúrgicas, apontar onde se revelam os maiores problemas de corrupção."

Na última segunda-feira, Kessler prestou depoimento à CPI do Grampo, na Assembléia Legislativa. Negou-se a responder a perguntas sobre o caso Rasera, que está nas mãos do juiz Gaspar Luiz Mattos de Araújo Filho e corre sob sigilo no Fórum de Campo Largo. Dois dias depois, em entrevista à Gazeta do Povo, falou sobre o qual será o destino da PIC.

Qual será o futuro da PIC em Curitiba sem o apoio do governo do estado?

A PIC na verdade independe do governo do estado. Ser uma Promotoria de Investigação Criminal não quer dizer a necessidade de ter policiais militares ou civis dentro de sua estrutura. O Ministério Público já possui ferramentas legais para que ele execute todas as suas funções. Não vejo dificuldade em dar seqüência às nossas atribuições. Aliás, acho que esse episódio serve para marcar e evidenciar que a nossa busca por autonomia e independência é ainda mais necessária. Quando se retira o imóvel do Ministério Público, de repente, sem qualquer aviso, se desmobiliza um corpo de policiais que vem dar apoio ao nosso serviço, mostra que o modelo que adotávamos era precário. Em contribuição aos poderes constituídos e na defesa dos interesses da sociedade, a promotoria tem de se estruturar de tal forma para que ela possa andar com as próprias pernas. Mas isso não significa isolamento. E se reconhecermos a necessidade de trabalhar em conjunto, vamos fazê-lo.

O Ministério Público tem condições de manter uma equipe de investigação própria? Há disposição para se investir nisso?

Há limitações orçamentárias. Há uma crise de falta de pessoal – e não é só no âmbito da PIC. Mas ainda com essas dificuldades, temos a possibilidade de readaptar alguns funcionários para esse trabalho. Como já era feito antes de 2000. Essa configuração, com policiais lotados aqui, é uma coisa relativamente nova. A PIC já existia antes disso. O caso Rasera é a representação do que podemos fazer. Nós alcançamos quem, afinal de contas? Um policial civil, nomeado pelo governador do estado, para exercer funções especiais dentro da governadoria, dentro da Casa Civil. E esse policial ao mesmo tempo mantinha uma estrutura admirável, invejada até por outros órgãos de investigação. E produzia ali interceptações clandestinas com destinos variados. Atendendo a várias pessoas que permeiam essa estrutura de corrupção no poder. Esse é o trabalho da promotoria, fazer intervenção cirúrgica, apontar onde se revelam os maiores problemas.

O Caso Rasera foi a gota d’água para o rompimento com o governo?

Com certeza. Aliás, foi um divisor de águas. Há um oceano a ser investigado. Ainda vamos ter muito trabalho. As dificuldades estão só começando. Acho que nós, no Ministério Público, precisamos de homens de boa vontade e não de oportunistas. Enquanto eu estiver à frente desta PIC não vou aceitar nada que possa ferir a dignidade do MP. A autonomia e a independência são ferramentas indispensáveis.

Se o Rasera foi a gota d’água, qual foi o princípio do conflito?

Na verdade, o conflito não existe com este governo. É uma disparidade entre uma cultura da corrupção no país e o interesse da sociedade. Essa divisão já remonta a isso. A gente não pode personalizar essa luta. É uma luta de princípios, de cultura. O MP tem essa incumbência, ser o instrumento que se opõe à cultura da corrupção. Como tudo começou? Há muito tempo. Quanto maior as esferas que você vai atingindo, maior é a reação. A primeira vez que alcançamos uma estrutura de corrupção dentro da polícia, a mais grave delas, nos idos de 1995, deram tiros na minha casa, me perseguiram. Mas era uma reação primária, pouco elaborada. Depois que a promotoria começou a ter outras investigações, colocaram fogo no nosso prédio. Agora a reação é mais elaborada, é política, vem permeada com escritos, matérias jornalísticas – algumas tendenciosas. É isso que estou tentando colocar para os meus colegas de instituição. Eu pergunto: por que o Rasera nunca foi preso antes? Será que ninguém sabia o que ele fazia, será que não era possível detectar a atividade ilícita?

A atual crise de relacionamento com o governo tem a ver com os problemas pessoais entre o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, e o ex-coordenador da PIC, Dartagnan Cadilhe Abilhoa?

Não, isso não tem nada a ver com o ex-coordenador. Ainda que alguém queira fazer essa ligação, não tem nada a ver. Vai fazer um ano que ele (Abilhoa) já não está aqui na PIC. Se alguém quer fazer de má-fé qualquer vinculação da minha imagem com o Dartagnan, eu só posso dizer que não trabalho com ele há quatro anos, desde que ele saiu daqui na primeira vez. Eu sou amigo dele. Se ele é a bola da vez do secretário, é alvo de investigação, não vou negar que foi meu companheiro de trabalho e isso resultou numa amizade. Os meus amigos também têm defeitos.

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