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Frustração

Posse de Sarney esfriou ânimos dos herdeiros das Diretas Já

Escolha de Tancredo Neves, mesmo que indireta, era tida como uma vitória da sociedade. Morte dele alçou à Presidência antigo aliado do regime militar

Tancredo Neves na Câmara após vitória no Colégio Eleitoral, ao lado de Ulysses Guimarães, José Sarney e Marco Maciel | Câmara Federal
Tancredo Neves na Câmara após vitória no Colégio Eleitoral, ao lado de Ulysses Guimarães, José Sarney e Marco Maciel (Foto: Câmara Federal)

A posse do primeiro presidente civil após o regime militar foi um momento frustrante para a grande parcela da população – principalmente aqueles que apoiaram as "Diretas Já" nos anos anteriores. Os herdeiros do movimento que reivindicou eleições diretas para presidente da República esperavam uma ruptura com o regime militar, o que era representada por Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Porém isso não se concretizou. Tancredo foi internado no dia 14 de março, na véspera da posse. O vice, José Sarney, um político que esteve comprometido com o regime militar, assumiu o comando do país.

Na avaliação do professor de Filosofia Política Roberto Romano, o 15 de março de 1985 foi um momento frustrante. "Por carência de possibilidade de alianças, herdamos uma pessoa que virou vice por oportunidade, que efetivamente não correspondeu ao que se esperava do novo regime civil."

Romano faz uma avaliação negativa de Sarney. Para ele, após a promulgação da Constituição, Sarney fez de tudo para não segui-la. "É dele a frase que com a Constituição Federal o Brasil era ingovernável. Desde que foi promulgada, ele tem repetido isso."

Estabilidade

Apesar dessa declaração, a gestão de José Sarney teve o mérito por, exatamente, promulgar a Constituição de 1988. Além disso, conseguiu manter uma estabilidade, evitando que o regime voltasse a ser uma ditadura. Para Carlos Strapazzon, professor de Ciência Política e Direito Constitucional do Centro Universitário Curitiba, Sarney foi alçado ao poder por causa da necessidade de se fazer uma transição de regime. Ele era ligado ao regime militar e se tornou vice de Tancredo Neves por causa das discordâncias que teve no PDS – a antiga Arena, que dominou o cenário eleitoral durante a ditadura (1964-1985). Sarney arregimentou descontentes no PDS, que lançou Paulo Maluf à Presidência, e criou a Frente Liberal. "Sarney acabou tendo um papel importante em não aceitar o nome de Paulo Maluf como candidato a presidente e ao se juntar a outras lideranças e criar a Frente Liberal", destaca Strapazzon.

O que ninguém esperava, entretanto, é que Sarney permaneceria como figura dominante da política nos 25 anos seguintes. Será o presidente do Senado até o ano que vem, cargo que já ocupou entre 1995 e 1997 e 2003 e 2005. Como presidente da mais alta Câmara do país, ele teve de administrar uma série de escândalos em 2009, como a "farra das passagens", o excesso de cargos do Senado, a descoberta de atos secretos, e a ação judicial movida pelo seu filho, o empresário Fernando Sarney, que resultou na censura judicial ao jornal O Estado de São Paulo.

Pactos conservadores

A redemocratização só ocorreu mediante a concretização de dois pactos conservadores: o primeiro, dos militares moderados com os militares radicais. O segundo, o dos militares com os políticos de centro e de direita. Essa é a visão do professor de Ciências Políticas Adriano Codato, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Para o primeiro grupo, a possibilidade de terminar com a ditadura exigiu um compromisso não com a democratização, mas com a liberalização de alguns de seus aspectos mais repressivos, avalia Codato. "Por isso não é correto falar-se em "transição para a democracia no Brasil após 1974, ou após 1979. E sim em liberalização, relaxamento da ditadura militar."

Na hora de firmar o pacto, que só se concretizaria anos depois, o único ponto inegociável para todos os militares era a exclusão política do setor popular e dos seus aliados. "Ou seja, dos políticos populistas, principalmente os de esquerda, como Leonel Brizola e João Goulart, mas também os de direita, como Jânio Quadros e Carlos Lacerda. O projeto era de uma democracia antipopular e antipopulista".

Segundo Codato, o segundo pacto conservador dizia respeito à ideia de restaurar apenas as condições mínimas de competição político-eleitoral e as prerrogativas dos legislativos a fim de retomar a política de clientela. A intenção, afirma ele, era a de restaurar a relação tradicional dos políticos profissionais com os clientes eleitorais, ao mesmo tempo em que se garantia que as esquerdas, mesmo participando das eleições, nunca vencessem os pleitos. "A dinâmica política que presidiu a eleição de Fernando Collor é um exemplo disso". Ou seja, a intenção dos militares, que deixavam o poder, era produzir o mínimo de ruptura possível com o regime anterior.

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