O programa brasileiro de combate à Aids é pioneiro entre os países emergentes e um dos mais respeitados do mundo, mas pode acabar ameaçado pelo seu próprio sucesso, que gerou genéricos mais caros que a média mundial. O alerta vem de um estudo feito na prestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com o apoio de pesquisadores brasileiros.
O governo já economizou US$ 1,2 bilhão desde 2001 com a fabricação de genéricos no país e com acordos com empresas farmacêuticas para redução de custos de remédios. Ainda assim, a tendência de redução mundial de custos dos medicamentos anti-retrovirais entre 2001 e 2005 não foi acompanhada de uma redução nos gastos do Programa Nacional de DST e Aids. Entre 2001 e 2003, eles chegaram a cair, de US$ 204 milhões para US$ 162 milhões. Mas de 2003 para 2004 houve um aumento de 20%. Entre 2004 e 2005, os custos mais do que dobraram em relação a 2001, para US$ 414 milhões.
O levantamento publicado na revista especializada "PLoS One" desta semana foi feito por Amy Nunn, da Escola de Saúde Pública de Harvard, baseado na temporada de um ano que a pesquisadora passou no Brasil, ao lado dos cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Com seus colegas, Nunn formulou três explicações para justificar esse aumento dos custos.
Em primeiro lugar está o sucesso da iniciativa na redução de mortes de pacientes com a doença. Como a Aids não tem cura, pacientes vivendo mais precisam de cada vez mais remédios, o que eleva os gastos do governo. Em segundo lugar, está o aumento real dos preços dos medicamentos contra a Aids. E em terceiro, o aumento, desproporcional, dos preços dos genéricos no país, em relação ao resto do mundo.
Enquanto em outros países os custos dos anti-retrovirais genéricos estão caindo, no Brasil eles têm aumentado. Em alguns casos, os remédios brasileiros chegam a ser de duas a quatro vezes mais caros do que seus equivalentes em outros países em desenvolvimento. O medicamento tenofovir 300 mg, por exemplo, custava em média US$ 1,387 no Brasil em 2006, contra US$ 1,186 em média nos demais países emergentes, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. A diferença é ainda maior em outros remédios: o lamivudine 150 mg custava US$ 214 no Brasil e US$ 80 na média dos demais países; o nevirapine 200 mg, US$ 258 aqui e US$ 59 por lá.
"Preço da liderança"
Para o pesquisador da Fiocruz Francisco Bastos, que participou do estudo, isso ocorre porque o país está perdendo a "guerra" com outros países pelos sais básicos importados que são a matéria-prima dos genéricos. Bastos acredita que todo o sucesso em termos de saúde pública do Programa pode ser ameaçado por essa pressão sobre os custos dos genéricos. E será preciso ser "agressivo" para reverter esse quadro.
"O Brasil paga o preço da liderança", afirmou ele ao G1. "Quando começamos essa iniciativa, em 1996, só nós estávamos fazendo isso. Agora, outros países seguiram nosso exemplo e estão competindo para terem também seus remédios mais baratos", explica.
Um dos principais fabricantes dos sais que servem de matéria-prima para esse tipo de remédio, por exemplo, é a Índia, também um dos países mais afetados pela epidemia. "Não interessa para a Índia exportar esses sais básicos porque ela tem uma enorme população infectada. Ela só exporta uma pequena parte, que é disputada pelo resto do mundo", afirma o pesquisador.
Para mudar a situação, o cientista sugere que o governo tenha uma postura mais agressiva e ágil. "Nossos competidores estão mais ágeis, velozes e furiosos", afirma. "Precisamos acompanhar essa tendência", aconselha.
A "espinha dorsal"
Para Mariângela Simão, diretora do Programa Nacional de DST e Aids, do Ministério da Saúde, os genéricos brasileiros são mais caros porque a maioria deles é feita no país e não importada. "Os últimos anos têm tido uma maior oferta de medicamentos indianos, mas a maioria não tem registro no Brasil e não podemos usar", explicou ela ao G1.
Os remédios usados aqui, no entanto, são produzidos pelas fábricas nacionais, estatais. "Temos tido um movimento intenso recente de queda no preço dos genéricos no mundo. Mas os nossos remédios vêm da indústria farmacêutica nacional e eles seguem outras regras", explica Mariângela. "Eles têm um maior valor agregado, mas são a espinha dorsal do Programa. É a produção nacional que garante o sucesso desse trabalho, porque o Ministério sabe que pode ter acesso ao feijão-com-arroz do tratamento de Aids sempre que precisar", afirma.
A diretora afirmou que o governo deve divulgar no dia 30 de novembro, véspera do Dia Mundial de Luta contra a Aids, os novos preços dos genéricos no país, com uma redução em relação aos preços praticados em 2007.



