
Em 1978, um metalúrgico bigodudo e um sociólogo desgrenhado panfletavam juntos na saída da fábrica da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo (SP). Era Lula, então um sindicalista sem partido, colocando a mão na massa para ajudar a eleger Fernando Henrique Cardoso para o Senado pelo PMDB. Faltavam dois anos para a fundação do PT e mais dez para a do PSDB. Passaram-se décadas, as lideranças dos dois partidos se afastaram e agora polarizam o cenário nacional. Mas o palco central da disputa nunca deixou de ser paulista.
Em 2012, a campanha pela prefeitura de São Paulo dita o ritmo das articulações partidárias em Brasília e produz reflexos em todo país. O embate é encarado como decisivo para o futuro do xadrez inventado por petistas e tucanos. De um lado, Lula trabalha pessoalmente para eleger o pupilo Fernando Haddad (PT). Do outro, José Serra (PSDB), tradicional aliado de FHC, ressurge após duas derrotas presidenciais.
Visando ao arranjo paulistano, o PT manteve Marta Suplicy na vice-presidência do Senado e escalou Jilmar Tatto para a liderança da legenda na Câmara dos Deputados ambos eram concorrentes internos de Haddad na disputa pela prefeitura e os cargos acabaram virando um prêmio de consolação por terem desistido em favor de Haddad. Além disso, os petistas negociam cargos no primeiro escalão federal com PR e PDT em troca do apoio em São Paulo.
Na semana que passou, o PRB, partido ligado à Igreja Universal, ganhou o Ministério da Pesca em uma estratégia para tentar blindar Haddad dos ataques de evangélicos. Quando ministro da Educação (2005 a 2012), ele ficou marcado pela defesa do "kit gay", material de prevenção à homofobia que seria distribuído em escolas públicas e que recebeu fortes críticas de setores religiosos.
Raízes semelhantes
Já os tucanos tiveram de forçar Serra a disputar a eleição para não perderem espaço para os petistas. "O PSDB está encurralado no Centro-Sul do país e sentiu que poderia ficar prestes a tomar um xeque-mate. Como não sobrou margem de manobra, teve de recorrer a uma de suas principais lideranças", diz Valeriano Mendes Ferreira Costa, professor da pós-graduação em Ciência Política da Universidade de Campinas.
Cientista política da Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista, Maria do Socorro Braga destaca ainda que todos os candidatos a presidente do PSDB desde 1989 foram de São Paulo. "Os tucanos possuem uma identidade muito sólida no estado, em especial no interior. É fruto do crescimento alavancado a partir das gestões Fernando Henrique (1995-2002) e Mário Covas (governador entre 1995 e 2000)", opina a professora.
Do outro lado, ao mesmo tempo em que tiveram mais habilidade para construir um projeto nacional, os petistas não deixaram de cultuar as raízes paulistas e a rixa local com os tucanos. "Estamos falando de dois partidos nascidos em São Paulo em campos políticos similares e que sempre brigavam pela mesma faixa do eleitorado", diz o cientista político da Fundação Getúlio Vargas Cláudio Gonçalves Couto. Segundo ele, o ponto crucial para o desalinhamento entre as duas legendas ocorreu quando a então petista Luiza Erundina chegou à prefeitura de São Paulo, em 1988, e sofreu uma oposição cerrada dos tucanos.
Ao longo do tempo, o PSDB acabou assimilando um discurso mais conservador para ganhar os votos do eleitorado de direita, identificado com o ex-prefeito e atual deputado federal Paulo Maluf (PP). Segundo Couto, foi esse caminho que deu tanta força ao partido em São Paulo. E que, por outro lado, acabou acirrando o embate com os petistas o que inviabiliza, três décadas depois daquela panfletagem em São Bernardo, que FHC e Lula trabalhem juntos em qualquer campanha.
Em Curitiba, disputa entre as duas siglas está "camuflada"
A eleição em Curitiba ficará sem um confronto direto entre petistas e tucanos, mas possivelmente será alinhada à disputa nacional entre os dois partidos. O PSDB do governador Beto Richa vai apoiar a reeleição do prefeito Luciano Ducci (PSB). Do outro lado, o PT tende a sustentar candidatura de Gustavo Fruet (PDT) embora haja a possibilidade de os petistas optarem pela candidatura própria, com o deputado federal Dr. Rosinha ou o deputado estadual Tadeu Veneri.
Os presidentes estaduais das duas legendas concordam sobre a influência nacional sobre a formação das alianças. "Temos dois projetos distintos e já conhecidos disputando a opinião pública", diz o petista Ênio Verri. Já o tucano Valdir Rossoni afirma que a candidatura de José Serra em São Paulo já trouxe reflexos ao Paraná: "Sinto que essa decisão deu um novo ânimo para o partido aqui no estado, abriu os nossos horizontes para a importância da disputa com o PT".
Na prática, as opções dos dois partidos estão ligadas às eleições de 2014. Ex-tucano, Fruet foi abraçado por uma ala do PT por ser visto como uma alternativa para evitar que Richa mantenha a hegemonia na capital. Já o governador, que teve Ducci como vice quando era prefeito (2005-2010), joga para fechar as portas para os petistas.
"De uma certa forma, é parecido com o que está acontecendo em São Paulo", diz Rossoni. Verri também não esconde o encaixe entre as duas disputas. "Nosso projeto para 2014 está inserido no de 2012", declara o petista.
Peso relativo
Para o presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos Manhanelli, a interferência do discurso nacional tem um peso relativo nas eleições municipais. "A decisão de voto para prefeito é um somatório de vários fatores, mas essa não é uma das prioridades", afirma o especialista. Ele lembra o caso do apoio do presidente Lula a Marta Suplicy na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 2008. "Apesar da popularidade do presidente, ela perdeu."
Já o cientista político Fabrício Tomio, da Universidade Federal do Paraná, diz que o apoio nacional pode ter mais influência em Curitiba caso haja uma disputa acirrada entre Ducci e Fruet. "Na hipótese de o eleitor ver pouca diferença entre os dois candidatos, o apoio nacional pode dar mais robustez."
Segundo Tomio, Fruet não deve ter problemas, pelo menos entre o eleitorado tradicional do PT, ao aparecer na campanha recebendo apoio de lideranças nacionais como Lula e Dilma Rousseff, apesar de ter feito oposição à gestão petista como deputado federal. "Normalmente as pessoas pensam assim: se o próprio Lula relevou o que aconteceu no passado, não há porque culpar o candidato."






