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Regime militar

Religioso italiano expulso do Brasil pela ditadura quer voltar

Vito Miracapillo tenta reaver o direito de viver no país, depois de ter sido incluído na Lei de Segurança Nacional. Em 1980, ele foi punido por ter se negado a rezar uma missa para comemorar o 7 de Setembro

Padre Miracapillo: expulsão do religioso envolveu uma batalha jurídica e culminou com a decisão do Supremo Tribunal Federal pela extradição | Alcione Ferreira/DP-D.A Press
Padre Miracapillo: expulsão do religioso envolveu uma batalha jurídica e culminou com a decisão do Supremo Tribunal Federal pela extradição (Foto: Alcione Ferreira/DP-D.A Press)
Severino invocou o Estatuto do Estrangeiro para expulsar o padre |

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Severino invocou o Estatuto do Estrangeiro para expulsar o padre

Recife - Expulso do Brasil em 1980 – em um polêmico processo que contribuiu para agravar ainda mais o conflito entre Igreja e Estado –, o padre italiano Vito Miracapillo tenta inutilmente, há quase uma década, reaver o visto de permanência no país, onde pretende retomar o trabalho pastoral interrompido durante o regime militar. A esperança de reverter essa situação veio com a concessão do visto de trabalho para o conterrâneo Cesare Battisti. O ex-ativista italiano, considerado terrorista em sua terra natal, conseguiu o documento em apenas duas semanas, em junho, após ser solto por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

O padre Vito quer voltar ao município de Ribeirão, a 87 quilômetros de Recife, do qual foi pároco. E residir na Zona da Mata de Pernambuco, onde se concentra a agroindústria açucareira do estado, considerada área de tensão social pelos órgãos oficiais.

"O caso Battisti não é um argumento, mas uma referência para nós. Ele, que foi condenado por quatro homicídios, obteve asilo no país e conseguiu o visto rapidamente. Se isso cabe para ele, cabe mais ainda para o padre Vito", explicou o advogado Pedro Eurico de Barros. Na segunda-feira passada, ele protocolou novo pedido na Polícia Federal para revalidar o visto do padre.

História

Em plena ditadura no Brasil, o padre foi incluído na Lei de Segurança Nacional e atingido pelo então recém-promulgado Estatuto do Estrangeiro, por ter se recusado a atender pedido da prefeitura para que celebrasse missa comemorativa da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1980 – alegando que o Brasil, sob ditadura, não era independente. Num ofício ao prefeito de Ribeirão, Salomão Correia Brasil (PDS), o padre justificou a recusa, entre outros motivos, devido "à não efetivação da independência do povo", reduzido "à condição de pedinte e desamparado dos seus direitos".

Tido como subversivo por usineiros e donos de engenho, foi criticado na Assembleia Legislativa pelo então deputado estadual Se­­­verino Cavalcanti (PDS) – o mesmo que mais tarde se tornaria presidente da Câmara dos Depu­­­tados e renunciaria com o escândalo do mensalinho, acusado de obter propina.

Severino invocou o Estatuto do Estrangeiro pela primeira vez no país, quando fez um apelo ao então ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel, para que expulsasse o padre: "Esses padres subversivos precisam ser observados", disse Severino na época.

A expulsão envolveu uma batalha jurídica, com ordens e contraordens, que mobilizou advogados da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela expulsão do sacerdote. O decreto também mobilizou o clero no Nordeste, que promoveu em Ribeirão uma missa de desagravo ao italiano que terminou em pancadaria. Donos de engenhos, fornecedores de cana e usineiros exibiram armas na igreja e usaram o mastro de uma bandeira do Brasil para dissolver a multidão de fiéis.

Colaborou Rosana Félix.

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