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lei da anistia – 30 anos

Reparações a anistiados custaram R$ 2,6 bilhões

O valor das indenizações e pensões é 66 vezes maior que o pago às famílias das pessoas assassinadas durante o regime

Alexandre Manuel Thiago de Mello, filho do poeta Thiago de Mello, abraça colega na volta ao Brasil, em 1979, depois de três anos exilado no exterior. Lei da Anistia, que ontem completou 30 anos, permitiu o retorno de dezenas de perseguidos pela ditadura | Arquivo/AE
Alexandre Manuel Thiago de Mello, filho do poeta Thiago de Mello, abraça colega na volta ao Brasil, em 1979, depois de três anos exilado no exterior. Lei da Anistia, que ontem completou 30 anos, permitiu o retorno de dezenas de perseguidos pela ditadura (Foto: Arquivo/AE)
Veja os valores pagos em pensões e indenizações de 2003 até agosto de 2009 |

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Veja os valores pagos em pensões e indenizações de 2003 até agosto de 2009

SÃO PAULO - O governo federal pagou, desde 2003, cerca de R$ 2,6 bilhões em pensões e indenizações aos anistiados políticos que sofreram perseguição durante o regime militar, perderam emprego e têm direito à reparação econômica. Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) do governo federal e foram divulgados pelo site Contas Abertas ontem, quando a Lei da Anistia completou 30 anos de vigência.

De acordo com o Siafi, até a última segunda-feira, mais de R$ 1,5 bilhão foi pago em indenizações e mais de R$ 1 bilhão foi destinado ao pagamento de pensões a anistiados. Os valores pagos têm subido ano a ano. Em 2003, as indenizações somaram R$ 7,6 milhões. No passado, o valor foi de R$ 507 milhões.

O pagamento de pensões também cresceu a cada ano. Em 2005, quando há o dado mais antigo registrado, as pensões somaram R$ 132 milhões. Em 2008, o valor foi de, aproximadamente, R$ 507 milhões. Neste ano, já foram pagos R$ 110 milhões em pensões e mais R$ 209 milhões em indenizações.

O valor somado das indenizações e das pensões é aproximadamente 66 vezes maior que o valor pago às famílias das pessoas que foram assassinadas durante a ditadura.

De acordo com a Comissão de Mortos e Desaparecidos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, foram gastos R$ 39 milhões com indenizações a 356 parentes. A indenização é paga uma única vez e não há pagamento de pensão. Os valores individuais das indenizações pagas aos parentes de vítimas da ditadura vão de R$ 100 mil a R$ 152 mil.

Na avaliação da presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia Alice Schmidt de Almeida, há distorções entre as leis que regulamentam a reparação econômica aos anistiados (Lei n.º 10.559, de 13/11/2002) e as indenizações dos parentes das vítimas (Lei 9.140, de 4/12/1995). "O que houve no Brasil foi um crime contra a cidadania. As pessoas deveriam ser indenizadas igualmente. A questão não era trabalhista. É por isso que um morto e desaparecido acaba sendo menos valorizado do que alguém que perdeu emprego ou foi impedido de trabalhar’’, compara.

Para a cientista política Glenda Mezarobba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), "há um equívoco muito grave. É óbvio que o maior bem que uma pessoa tem é a própria vida. Jamais alguém que foi perseguido político poderia receber mais que o familiar de alguém que perdeu a vida’’. Em sua opinião, o teto das reparações econômicas deveria ser a indenização aos parentes dos desaparecidos, cujo valor médio é de R$ 120 mil.

Lei da Anistia ainda causa controvérsias

A Lei da Anistia aprovada pelo Congresso Nacional, em 1979, foi condição para que houvesse a sucessão do regime militar. A avaliação é do jurista Fábio Konder Comparato. "Os militares queriam sair do poder, mas eles queriam sair do poder tendo a garantia de que não seriam processados", disse o jurista.

Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, a lei evitou que uma guerra civil irrompesse durante o período em que o país discutia a transição gradual do regime militar (1964-1985) para o sistema democrático. Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, diz acreditar que a anistia teve a importância de conseguir fazer a transição do regime militar para o regime civil e foi feita sob a "condição estabelecida à época para uma transição gradual e progressiva, que era a regra do jogo".

Até hoje especialistas divergem sobre a interpretação e o alcance da lei, que alguns criticam por ter beneficiado também a quem torturou, sequestrou ou matou oposicionistas do governo militar ou pessoas que nada tinham que ver com a resistência armada ao sistema.

Impunidade

Para a presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia de Almeida, a Lei da Anistia "tem falhas graves", inclusive de interpretação que, na sua opinião, gera impunidade. Além disso, para ela, a lei teve um alcance menor do que desejavam setores políticos que se opunham ao regime militar. "Não foi a lei que nós queríamos. A lei que queríamos anistiava todos os chamados crimes políticos. Os presos políticos acabaram saindo da prisão por reformulação da Lei de Segurança Nacional", observa.

O ministro da Secretaria de Co­­­mu­­­nicação Social da Presidência, Franklin Martins, anistiado em 1979, contemporiza o que chama de "questão jurídica". A anistia foi concedida às pessoas que lutaram e foram perseguidas pela ditadura militar. "Fica essa controvérsia que ela também foi concedida aos torturadores. Essa não é a questão relevante. O que é relevante é que o país conheça a verdade e que as pessoas tenham direito a enterrar seus mortos, os desaparecidos políticos."

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