
SÃO PAULO - O governo federal pagou, desde 2003, cerca de R$ 2,6 bilhões em pensões e indenizações aos anistiados políticos que sofreram perseguição durante o regime militar, perderam emprego e têm direito à reparação econômica. Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) do governo federal e foram divulgados pelo site Contas Abertas ontem, quando a Lei da Anistia completou 30 anos de vigência.
De acordo com o Siafi, até a última segunda-feira, mais de R$ 1,5 bilhão foi pago em indenizações e mais de R$ 1 bilhão foi destinado ao pagamento de pensões a anistiados. Os valores pagos têm subido ano a ano. Em 2003, as indenizações somaram R$ 7,6 milhões. No passado, o valor foi de R$ 507 milhões.
O pagamento de pensões também cresceu a cada ano. Em 2005, quando há o dado mais antigo registrado, as pensões somaram R$ 132 milhões. Em 2008, o valor foi de, aproximadamente, R$ 507 milhões. Neste ano, já foram pagos R$ 110 milhões em pensões e mais R$ 209 milhões em indenizações.
O valor somado das indenizações e das pensões é aproximadamente 66 vezes maior que o valor pago às famílias das pessoas que foram assassinadas durante a ditadura.
De acordo com a Comissão de Mortos e Desaparecidos, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, foram gastos R$ 39 milhões com indenizações a 356 parentes. A indenização é paga uma única vez e não há pagamento de pensão. Os valores individuais das indenizações pagas aos parentes de vítimas da ditadura vão de R$ 100 mil a R$ 152 mil.
Na avaliação da presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia Alice Schmidt de Almeida, há distorções entre as leis que regulamentam a reparação econômica aos anistiados (Lei n.º 10.559, de 13/11/2002) e as indenizações dos parentes das vítimas (Lei 9.140, de 4/12/1995). "O que houve no Brasil foi um crime contra a cidadania. As pessoas deveriam ser indenizadas igualmente. A questão não era trabalhista. É por isso que um morto e desaparecido acaba sendo menos valorizado do que alguém que perdeu emprego ou foi impedido de trabalhar, compara.
Para a cientista política Glenda Mezarobba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), "há um equívoco muito grave. É óbvio que o maior bem que uma pessoa tem é a própria vida. Jamais alguém que foi perseguido político poderia receber mais que o familiar de alguém que perdeu a vida. Em sua opinião, o teto das reparações econômicas deveria ser a indenização aos parentes dos desaparecidos, cujo valor médio é de R$ 120 mil.
Lei da Anistia ainda causa controvérsias
A Lei da Anistia aprovada pelo Congresso Nacional, em 1979, foi condição para que houvesse a sucessão do regime militar. A avaliação é do jurista Fábio Konder Comparato. "Os militares queriam sair do poder, mas eles queriam sair do poder tendo a garantia de que não seriam processados", disse o jurista.
Para o ministro da Justiça, Tarso Genro, a lei evitou que uma guerra civil irrompesse durante o período em que o país discutia a transição gradual do regime militar (1964-1985) para o sistema democrático. Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, diz acreditar que a anistia teve a importância de conseguir fazer a transição do regime militar para o regime civil e foi feita sob a "condição estabelecida à época para uma transição gradual e progressiva, que era a regra do jogo".
Até hoje especialistas divergem sobre a interpretação e o alcance da lei, que alguns criticam por ter beneficiado também a quem torturou, sequestrou ou matou oposicionistas do governo militar ou pessoas que nada tinham que ver com a resistência armada ao sistema.
Impunidade
Para a presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia de Almeida, a Lei da Anistia "tem falhas graves", inclusive de interpretação que, na sua opinião, gera impunidade. Além disso, para ela, a lei teve um alcance menor do que desejavam setores políticos que se opunham ao regime militar. "Não foi a lei que nós queríamos. A lei que queríamos anistiava todos os chamados crimes políticos. Os presos políticos acabaram saindo da prisão por reformulação da Lei de Segurança Nacional", observa.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, anistiado em 1979, contemporiza o que chama de "questão jurídica". A anistia foi concedida às pessoas que lutaram e foram perseguidas pela ditadura militar. "Fica essa controvérsia que ela também foi concedida aos torturadores. Essa não é a questão relevante. O que é relevante é que o país conheça a verdade e que as pessoas tenham direito a enterrar seus mortos, os desaparecidos políticos."




