
A manobra que ficou conhecida como “pedalada fiscal”, que pode custar o cargo de Dilma Rousseff, foi a última – e talvez mais rudimentar – das tentativas do governo de camuflar o descontrole dos gastos públicos.O caos das finanças culminou nos rebaixamentos da nota de crédito do país e na projeção de déficit primário de quase R$ 100 bilhões neste ano. Mas seus efeitos também aparecem na rápida expansão da dívida pública, na inflação acima da meta, na maior taxa de juros do mundo e, por fim, na falta de confiança que paralisa a economia. Veja no infográfico a evolução das pedaladas ao longo dos anos.
O desequilíbrio começou por volta de 2009, com a melhor das intenções, quando o presidente Lula abriu os cofres para enfrentar a crise internacional. Era para ser temporário, mas o sucesso das reduções de impostos e do crédito subsidiado embriagou o governo. Eleita no embalo de um crescimento do PIB de 7,53% em 2010, Dilma Rousseff dobrou a aposta nessa política, que sua equipe batizou de nova matriz econômica, adicionando elementos como a redução forçada das taxas de juros e da conta de luz.
Com o governo gastando mais e a base de arrecadação gradualmente corroída por desonerações tributárias a uma gama cada vez maior de setores da economia, ficou difícil cumprir as metas de superávit primário – dinheiro usado para pagar os juros da dívida e mantê-la em trajetória sustentável. Mas, em vez de apertar os cintos ou revisar os objetivos fiscais, o Tesouro preferiu recorrer a truques contábeis.
Foi assim que, em 2010, um aporte de R$ 75 bilhões na Petrobras – parte do que Lula definiu como “a maior capitalização da história da humanidade” – se converteu em receita de R$ 32 bilhões para o governo. Em 2012, uma intrincada série de operações realizadas no último dia do ano, envolvendo saques do Fundo Soberano e antecipação de dividendos do BNDES e da Caixa, garantiu os R$ 20 bilhões que faltavam para cumprir a meta fiscal.
O malabarismo de 2012, obra-prima da contabilidade criativa do então secretário do Tesouro, Arno Augustin, sepultou de vez a crença na gestão fiscal. Para tentar capturar a verdadeira situação das contas públicas, bancos e consultorias criaram uma contabilidade paralela à do governo, simulando qual seria o superávit sem receitas extraordinárias e outras mágicas. Os números só pioravam.
Até certo ponto, o ilusionismo contábil parecia estar dentro da lei. Mas, esgotados os recursos criativos, o governo começou a “pedalar”. Pura e simplesmente, passou a atrasar pagamentos devidos a bancos públicos, empurrando débitos para exercícios seguintes. Como bancaram despesas do Tesouro com recursos próprios por meses a fio, BNDES, Banco do Brasil e Caixa podem ter “financiado” o governo, o que é proibido.
Tarde demais
Com a reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o governo aceitou quitar de uma só vez todas as pendências, no fim de 2015, e hoje admite abertamente a possibilidade de um déficit primário gigantesco. Tivesse optado pela transparência antes, Dilma talvez não fosse reeleita, mas o país poderia ter enfrentado mais cedo a necessidade de uma correção na estrutura dos gastos públicos – um ajuste que, quanto mais tarda, mais dolorido fica.



