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Sergio Moro
Sergio Moro, ícone da Operação Lava Jato| Foto:

Milhões de brasileiros ouvem o nome “Sergio Moro” todos os dias na tevê e no rádio, leem sobre ele nos jornais e na internet. É fácil associá-lo à Lava Jato . Mas para a imensa maioria ele não passa disso, um nome: sem rosto, sem voz, sem passado e sem personalidade.

Tímido por natureza, desde que começou a trabalhar na Lava Jato Moro se fechou ainda mais. Não dá entrevistas há mais de um ano. Aos amigos, pediu que não deem informações sobre ele, até por prudência: alguém que está mandando prender empreiteiros, gente ligada à maior estatal do país, políticos e doleiros tem razão para não querer que se diga onde mora ou detalhes de sua rotina (o que será respeitado nestas páginas). Durante o tempo em que este perfil foi escrito, Moro falou uma única vez com a reportagem: para dizer que não se pronunciaria.

Mas para muita gente Moro é bem mais do que o nome na tevê. Para os funcionários da Justiça Federal, é o sujeito pacato que até pouco tempo atrás ia de bicicleta trabalhar. Para os alunos da UFPR, é o professor que ensina sobre lavagem de dinheiro e que mesmo durante a Lava Jato não se atrasa para a aula. Para os advogados, é osso duro de roer. Para os amigos, é o são-paulino que gosta de vinho e charutos. Para dona Odete, é o filho que saiu cedo de casa para ser juiz. Para Rosângela e os filhos, é o pai de família com dois empregos que passa as férias em Santa Catarina.

Faz quase 50 anos. Recém-formado, Dalton conheceu Odete e os dois partiram para vida nova. Casaram e saíram de Ponta Grossa rumo a Maringá. Ele, aprovado em concurso para dar aulas de geografia, escolheu o colégio Gastão Vidigal para lecionar. Odete dava aulas de português. Juntos, tiveram dois filhos, Sergio e Cesar, e viveram casados por quase quatro décadas, até a morte de Dalton em 2005.

O professor se dizia “positivista”, mas escolheu a geografia humana – estudava a região de Maringá e a debandada da população rural. Um amigo, em homenagem póstuma, diz que Dalton chegava a chorar ao ver o sofrimento dos roceiros na cidade grande. Mas achava que pesquisador não devia chorar, e pedia segredo.

Os meninos estudaram em colégio religioso. Faziam aula no Instituto de Línguas de Maringá, única escola de idiomas da cidade. Não era vida de luxo – a típica situação da classe média no interior do Brasil, numa época de “milagre econômico” e de falta de liberdades individuais.

Sergio passou no vestibular e entrou no curso de Direito. Típico de sua timidez, não chegou a chamar a atenção de muita gente. Um ex-professor, questionado sobre o aluno famoso, diz que nem tem certeza de que lhe deu aulas. “Dei aula para ele? Nem sei... Teria que olhar no histórico.”

Mas Sergio chamou a atenção de advogados. Indicado por um ex-reitor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Neumar Godoy, foi parar em um escritório de advocacia de direito tributário. Hoje, Moro brinca com seu antigo gosto pelo tema. “Sinceramente tenho muita dificuldade de me lembrar por que eu gostava daquilo...” Mas fazia bem o trabalho. “Ele ficou dois anos com a gente. Sujeito sensacional”, diz o advogado que o contratou, Irivaldo de Souza.

Sergio começou fazendo pesquisas. Ia ao fórum. Depois passou a redigir petições, memoriais, cada vez assumindo mais responsabilidade. Mas o sonho era outro e veio com a aprovação no concurso para juiz, em 1996. Recém-saído da faculdade, aos 24 anos, Sergio repetia o pai: conseguia emprego em outra cidade e se mudava para seguir a profissão escolhida. O destino era Curitiba – na sede da Justiça Federal.

O juiz : a linha dura começou cedo

Ser juiz e decidir coisas fundamentais sobre a vida alheia aos 24 anos pode ser intimidador. Mas os relatos sobre os primeiros tempos de Sergio Moro como juiz federal não fazem parecer que ele se deixou intimidar. A “linha dura”, de que hoje reclamam os advogados da Lava Jato, vem da vara previdenciária em que ele começou.

Em 1996, não era comum o uso da tutela antecipada – um tipo de liminar que pode favorecer, por exemplo, alguém que está pedindo algo ao governo. A lei era recente e os advogados não estavam acostumados a pedir. Moro, visto pelos procuradores do INSS como “pró-velhinhos”, passou a perguntar nos autos se haveria interesse em fazer a solicitação.

No INSS, houve choro e ranger de dentes. Pediu-se a suspeição de Moro, já que ele não poderia fazer sugestão às partes. Ele levou o caso ao Tribunal Regional Federal, que lhe deu razão. A partir daí, sempre que o INSS questionava seus despachos lembrando a existência da tutela antecipada, Moro tascava a decisão do tribunal e perguntava se o procurador queria continuar com o pedido de suspeição, mesmo sabendo de possíveis consequências processuais. No INSS, isso foi visto como ameaça e os procuradores pediram uma correição parcial de Moro.

A situação era difícil porque, numa vara previdenciária, o juiz só trabalha com o INSS. Se o INSS o considera suspeito, como pode ficar lá? Ao fim e ao cabo, Moro não precisou lidar com o problema. Acabou tendo sua primeira transferência, para Cascavel. Lá, a fama de juiz durão prosseguiria com o caso das contas CC5.

O processo da CC5, que analisava remessas ilícitas de dinheiro para o exterior, foi a primeira grande experiência de Moro com o crime do colarinho branco. O Ministério Público pediu uma quebra de sigilo gigantesca, de todas as contas usadas para esse tipo de remessa. E os promotores só tinham elogios para o jovem juiz, de 26 anos, que assumiu o processo.

“O Sergio é um juiz fantástico”, diz Celso Três, promotor do caso. “É um cara que realmente faz o processo andar. Às vezes eu brincava, dizendo que com um juiz desse nem precisava de promotor”, diz. A frase de Celso Três faz lembrar o tom dos acusadores de Moro. O resumo da acusação cabe na frase de um desafeto: “Com o Moro, o jogo já começa sempre dois a um: é ele e o MP contra o acusado”.

O próprio Celso Três diz que não é assim. “É que no Brasil tem muito juiz que trava o processo. Ele não. E não cerceia a defesa, que tem o direito de recorrer ao Supremo, se for o caso. Agora, se o juiz mata tudo na primeira instância, a gente não tem a quem recorrer”, diz.

Seja como for, o resultado do caso Banestado e das contas CC5 desanimou Moro. Em 2009, já tendo saído de Cascavel, passado por Joinville e subido a serra de volta para Curitiba, ele escreveu um e-mail para amigos. “Quanto aos crimes de colarinho branco, o custo e o desgaste não valem o resultado. Se prende-se, se solta. Se não prende, prescreve pelo tempo entre eventual condenação e início da execução da pena.”

A Lava Jato mostraria ao Moro de 2015 que o Moro de 2009 estava redondamente errado.

O professor: bem visto pelos alunos, contestado por colegas

Duas vezes por semana, Sergio Moro sobe a escadaria da UFPR para suas aulas. O ritual se repete desde 2007, quando passou em segundo lugar no concurso para o Departamento de Direito Penal. Lá, dá uma disciplina obrigatória para o último ano e, neste semestre, uma optativa sobre... lavagem de dinheiro. Evidente: a sala lota.

E Moro não costuma decepcionar os alunos. Mesmo em meio à Lava Jato, não falta e, segundo os alunos, só uma vez se atrasou no semestre. Visto como professor tranquilo, dá mostras de bom humor. Na política interna, se abstém de disputar cargos e até foge de votar (se não se pronuncia em público nem sobre os partidos da faculdade, imagine sobre PT e PSDB...).

Entre os professores, está longe de ter a mesma unanimidade. Para alguns, Moro foi atacado pela “juizite”. Houvesse um dicionário de advogados a doença seria definida como o mal que ataca os magistrados, tornando-os arrogantes e de difícil trato. “Nem no cafezinho ele se mistura”, diz uma professora. “Nunca conversa com ninguém”, diz outro. Há quem o defenda. “Não tem juizite nenhuma. A vida da gente é corrida, ninguém fica lá matando tempo depois da aula”, diz o professor João Gualberto Garcez Ramos.

O modo como muitos olham para Moro dentro da UFPR tem a ver com um processo em que ele não era juiz, e sim parte autor. Convidado para ser juiz instrutor do Supremo Tribunal Federal durante o mensalão, Moro pediu para acumular todas as aulas numa só noite. Uma portaria proibia isso. O juiz, ao ouvir a resposta, não só não gostou como entrou com um processo para conseguir o que queria. Perdeu.

Para quem vê de fora, parece ter havido mais um problema de comunicação e de diplomacia. O problema acabou sendo resolvido de uma forma ou de outra. Mas ficaram as mágoas . Moro quis mostrar a importância de um professor da casa ir ao STF. Para muitos colegas, soou arrogante. Juizite? Depende de quem vê.

O funcionário: o homem que escreve as próprias sentenças

Antes da Lava Jato, o dia de Sergio Moro começava muitas vezes com uma pedalada de três quilômetros de seu apartamento até o prédio da Justiça Federal, na Anita Garibaldi. Hoje, por motivos óbvios, a pedalada em público está fora de cogitação. Mas muito da rotina segue igual: Moro continua acordando cedo e indo para sua sala na Torre Judiciária do Ahú.

Chegar à 13.ª Vara exige passar por pelo menos duas barreiras de segurança. Na portaria, há detecção de metais e é preciso se identificar. Para chegar ao andar, só acompanhado por funcionário e passando pela segurança.

A vara segue o padrão de todas as outras. Com a Lava Jato, ganhou mais quatro pessoas recentemente. Vagas disputadíssimas, aliás: cerca de 100 estudantes se cadastraram para ser estagiário de Moro. Os onze escolhidos para fazer a seleção foram informados por Gabriela Hardt, juíza substituta, que “a discrição conta pontos”. Os dois discretos estagiários escolhidos para a função ajudam a superpovoar o cartório, único setor visível da vara para quem vê de fora: é a parte administrativa e burocrática. Numa sala à esquerda, ficam os dois assessores jurídicos de Moro, classificados de “geniozinhos”. Genialidade à parte, o que corre pelos bastidores é que os dois auxiliam o Moro a pensar, mas não têm autorização para escrever uma linha das e sentenças.

Tudo isso é escrito nas duas salas finais da vara. De um lado, Gabriela Hardt toca as demais ações. De outro, Moro cuida exclusivamente da Lava Jato. O fato de escrever as próprias sentenças já é estranho no Judiciário: há casos em que se dá exatamente o oposto, com o juiz delegando todo o trabalho de escrever a assessores. O trabalho é muito. “Tem sentença dele de quatro da manhã”, diz um observador.

Recentemente, esse mesmo “observador” disse a Moro, brincando, que a qualidade dos textos caiu com a Lava Jato. Ouviu como resposta que ,com a quantidade atual de trabalho, “é o que dá para fazer”. Quantidade de trabalho que, segundo um amigo, só é viável por causa de uma capacidade (rara nos juízes, segundo ele) de manter várias bolas no ar ao mesmo tempo. “É impressionante o trabalho de logística dele”. Nem todos concordam. “O Sergio, metódico?”, questiona um amigo de longa data. “Acho ele até meio atrapalhado.”

Seja como for, as 38 ações da Lava Jato continuam sendo tocadas pelo solitário juiz Moro. Talvez a custo de algum Red Bull, segundo quem já viu sua mesa. Faz sentido.

O marido: os olhos brilharam para ela

O ano que mudou a vida de Moro? Aposte em 1996. Foi o ano em que ele pegou o diploma de Direito, passou no concurso para juiz, começou a dar aulas na Faculdade de Direito de Curitiba e – mais importante – conheceu Rosângela.

Quando chegou a Curitiba, Moro tinha basicamente a idade de seus alunos. Não é de admirar que se desse bem com eles, apesar da timidez. Era admirado pela turma. “Ele sempre foi um ponto fora da curva. Tinha nossa idade, formado há menos de um ano, aprovado em concurso de juiz meses após colar grau e dando aula em faculdade”, diz um aluno da primeira turma.

Como ninguém é de ferro, dava uma esticada com os alunos depois das aulas noturnas. “Aí saía às vezes com a turma. Foi numas festas nossas e os olhinhos brilharam para a Rô”, conta um aluno. Rosângela Wolff de Quadros (hoje Moro) se formaria naquele ano. Hoje, dezenove anos depois, os dois continuam juntos e têm dois filhos.

A família mora em um apartamento num prédio típico de classe média na zona norte de Curitiba. Com dois carros na garagem, a família não é de ostentar. Passa as férias em Balneário Camboriú e pelo menos uma vez por semana tem uma reunião com amigos. Entre os convivas mais frequentes, um assessor parlamentar, um dono de restaurante e um investidor da bolsa.

Na conversa, nada de Lava Jato ou política. A grande disputa é sobre times de futebol. Moro é são-paulino. “Ele tem problema para escolher duas coisas: vinho e time de futebol”, diz um palmeirense que recusa qualquer rótulo de arrogante para o amigo famoso. “É só um cara tranquilo, tímido, que gosta de ficar com a família, os amigos, fumar charuto e tomar um vinho. Mas o melhor é que eu escolha o vinho pra ele”, diz, sorrindo.

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