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“A única gravidade nessa história é que meu neto  era funcionário do Senado”.José Sarney, presidente do Senado | J. Freitas/Ag. Senado
“A única gravidade nessa história é que meu neto era funcionário do Senado”.José Sarney, presidente do Senado| Foto: J. Freitas/Ag. Senado

Especialistas condenam nomeações

O fato de o Senado ter criado cargos e efetuado nomeações por meio de atos secretos fere diretamente a Constituição e acarreta a devolução dos valores pagos e, eventualmente, ações por improbidade administrativa contra funcionários e parlamentares. A opinião foi unânime entre os especialistas.

Na avaliação da professora de direito constitucional do Mackenzie e da USP Monica Hermann Salem Caggiano, o Senado praticou "uma irregularidade muito grave". Ela cita o artigo 37 da Constituição, que estabelece os princípios básicos a serem obedecidos em todos os atos dos três Poderes – um deles é a transparência. "Todo ato de autoridade, para ter valor, precisa ser publicado. Se não for, não tem efeito jurídico."

Segundo Monica, todos os atos secretos "têm de ser revistos e declarados nulos". E completa: "Quem recebeu tem de devolver o dinheiro. Se trabalhou efetivamente, pode entrar com ação e pedir indenização."

Para a jurista, devem responder pelas irregularidades tanto quem assinou as decisões como quem ordenou o pagamento. A punição interna vai até a demissão e, no âmbito legal, Mônica prevê ações por peculato e improbidade administrativa.

"É ilegal", confirma o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, que também vê violação à Carta de 1988. "Existem duas repercussões: devolução ao erário, se foi de boa-fé, ou devolução cumulada com improbidade, se ganhou sem trabalhar."

"Essas contratações ferem todos os princípios da administração pública em uma canetada só", critica Britto. "A regularização das contratações é um dever do Senado para fazer as pazes com a opinião pública."

Caso seja identificada a responsabilidade direta de parlamentares, o advogado Eduardo Nobre, especialista em direito eleitoral, diz que eles podem responder por infração à Lei de Improbidade Administrativa (artigo 11, inciso 4), que estabelece punição por "negar publicidade aos atos oficiais". Nesse caso, os políticos envolvidos estariam sujeitos à suspensão dos direitos políticos, de 3 a 5 anos, e multa, entre outras sanções

Para a procuradora da República Janice Ascari, a denúncia revela o "mau cuidado com o uso do dinheiro público" e "a absoluta falta de controle da administração do Senado". Segundo ela, é inadmissível que um diretor da Casa possa até mesmo criar cargos, o que não é atribuição sua, e o presidente da Casa nem sequer fique sabendo.

O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, afirmou ontem que pretende pedir a anulação de todos os atos "secretos" do Senado e a restituição aos cofres públicos do dinheiro pago ilegalmente aos beneficiados por esses boletins.

Em um primeiro momento, Marsico vai pedir ao TCU que requisite à Casa cópia das medidas, adotadas a partir de 1998 e mantidas em sigilo durante todos estes ano. Foram registrados 300 atos secretos com nomeações de apadrinhados, aumentos de salários e criação de cargos para acolher indicados políticos.

Marsico lembrou que a Constituição e a Lei de Improbidade Administrativa obrigam a publicação dos atos públicos para que eles surtam efeito. "É para que o contribuinte saiba de que forma seus impostos estão sendo aplicados", diz. Os boletins – segundo ele – serão examinados caso a caso.

A Lei 8.429, de 1992, que trata da improbidade no serviço público, fixa como um dos atos que atentam contra os princípios da administração pública "qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade legalidade e lealdade às instituições", entre eles o de "negar publicidade aos atos oficiais". A lei, lembra o procurador, prevê, ainda, "ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos", entre outra penalidades.

Sem explicação

Ao chegar ontem pela manhã ao Senado, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), não explicou porque a exoneração de seu neto João Fernando Michels Gonçalves Sarney, de 22 anos, do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), no ano passado, ocorreu através de um boletim secreto. Na época, em outubro de 2008, o Senado tentava atender a determinação da súmula contra o nepotismo do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sarney exibiu apenas o boletim do dia 1º de fevereiro de 2007, em que aparece a nomeação de João Fernando. A iniciativa de publicar os atos sigilosos partiu da primeira secretaria do Senado, mas o presidente da Casa disse ter sido ele quem mandou publicar "todos os boletins que não foram publicados ao longo do tempo".

O presidente do Senado disse ainda que a nomeação do neto não passou por ele, tendo sido tratada exclusivamente por Cafeteira e pelo jovem. João Fernando trabalhou como secretário parlamentar de 1ºde fevereiro de 2007 a 3 de outubro do ano passado no gabinete de Cafeteira. O cargo dava direito ao jovem, que está prestes a concluir o curso de Administração, a um salário mensal de R$ 7,6 mil.

Publicação

O primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse ontem que a Casa publicará todos os "atos secretos" de nomeação e exoneração de funcionários. Segundo Heráclito, os atos são de administrações antigas e estão sendo alvo de uma comissão de sindicância na primeira secretaria.

"Deveremos estar recebendo da comissão encarregada amanhã (hoje) um relatório sobre o apurado. E aí, sim, tomaremos as medidas administrativas, procurando fazer justiça e, se for o caso, punir responsáveis", disse.

A manifestação de Heráclito foi em resposta a questionamento feito pelo líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). O tucano lembrou que em depoimento à Mesa Diretora o ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, negou a existência de atos secretos na Casa.

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