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Documentos diplomáticos indicam atuação de lula em favor de empreiteira. | PAULO WHITAKER/REUTERS
Documentos diplomáticos indicam atuação de lula em favor de empreiteira.| Foto: PAULO WHITAKER/REUTERS

Telegramas diplomáticos trocados entre chefes de postos brasileiros no exterior e o Ministério das Relações Exteriores, entre 2011 e 2014, indicam que as atividades do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor do grupo Odebrecht no exterior foram além da contratação para proferir palestras, diferentemente do que o petista e a construtora têm sustentado. Os documentos apontam que Lula, em pelo menos duas ocasiões, atuou para beneficiar a Odebrecht — uma delas, com pedido expresso para que o primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, desse atenção aos interesses da companhia num processo de privatização naquele país. Em outra, Lula atuou na prospecção para aperfeiçoamento da matriz energética cubana relacionada a Mariel, onde a empreiteira construiu um porto com recursos do BNDES. Na época, Cuba buscava financiamento externo para um ambicioso programa de modernização na área.

Lula nega lobby e diz que só recebeu por palestras

O Instituto Lula negou que o ex-presidente Lula faça lobby ou pratique tráfico de influência. A assessoria do petista disse que ele não atuou em favor da Odebrecht na privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF). “Como o documento mostra, ele comentou o interesse da empresa brasileira pela empresa portuguesa. Que, aliás, era público há muito tempo (…) São inúmeras as empresas brasileiras que acompanham com interesse o processo de privatizações em curso em Portugal.”

Perguntado se Lula havia recebido pagamento para fazer lobby para a Odebrecht, a assessoria negou. “Não. O ex-presidente não recebeu, não recebe e jamais receberá qualquer pagamento de qualquer empresa para dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influências”. E afirma que, no caso da Odebrecht, ele ganhou para fazer palestras.

A Odebrecht também citou palestras de Lula como justificativa para as viagens. “As visitas a Cuba foram realizadas durante outras viagens do ex-presidente a países nos quais realizou palestras”, disse em nota. A empresa afirma que seus representantes acompanharam Lula em visitas ao Porto de Mariel pelo fato de a empreiteira ser a construtora da obra. Sustenta que os convites para visitar o porto partiram de Cuba. Em relação à atuação do ex-presidente em Portugal, a empresa apenas confirmou os fatos de que Lula teve as despesas pagas pela Odebrecht em 2013, quando realizou uma palestra, e de que a empreiteira tinha interesse na EGF. Não houve comentário sobre a conversa de Lula com o primeiro-ministro português sobre o caso.

O Instituto Lula disse que o ex-presidente não agendou reunião para o embaixador do Zimbábue no Brasil, Thomas Bvuma, no BNDES. “O ex-presidente não agendou uma reunião. O evento ao qual o telegrama se refere, no dia 3 de maio de 2012, foi público, um grande seminário comemorativo dos 60 anos do banco, com mais de 500 pessoas presentes, entre elas embaixadores ou delegações de todos os países africanos, na sede do BNDES”.

O BNDES disse que foram disponibilizados espaços para reuniões privadas no âmbito do seminário, mas disse não ter informação sobre reunião com Bvuma. O banco afirmou que Lula “não interferiu, nem poderia ter interferido, em nenhum processo do BNDES” porque os financiamentos “seguem todos os critérios impessoais de análise”.

Liberados na última quinta-feira pelo Itamaraty a partir de pedido por meio da Lei de Acesso à Informação, os documentos descrevem, ainda, encontros de Lula em Cuba, sempre em companhia de altos representantes da construtora. Em uma das visitas à ilha, ele foi recepcionado no hotel pelo presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e pelo ex-ministro José Dirceu. Por meio da assessoria de imprensa de seu instituto, o ex-presidente Lula negou que tenha recebido de qualquer empresa para “dar consultoria, fazer lobby ou tráfico de influência”. A Odebrecht também negou ter usado serviços de Lula para tentar obter contratos.

Lula é investigado pela Procuradoria da República do Distrito Federal por suposto crime de “tráfico de influência em transação comercial internacional”, incluído no Código Penal em 2002. O tipo penal caracteriza como crime “solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional”. A pena prevista (2 a 5 anos de prisão) pode ter aumento de 50%, se o beneficiário da vantagem for estrangeiro. A legislação tem como origem uma convenção internacional de 1997, da qual o Brasil é signatário, com objetivo de combater a corrupção no comércio internacional.

A movimentação do ex-presidente a favor da Odebrecht em Portugal é relatada em dois telegramas. Em 25 de outubro de 2013, o embaixador brasileiro em Lisboa, Mario Vilalva, enviou comunicado abordando a visita de Lula a Portugal, ocorrida entre os dias 21 e 23 daquele ano. O diplomata deixou claro que a visita do ex-presidente se deu em razão de convite da Odebrecht, por conta dos 25 anos de presença da construtora brasileira em Portugal. Na descrição da agenda de Lula em Lisboa, o embaixador narrou que, no dia 22 de outubro, à tarde, o petista “encontrou-se com empresários brasileiros, dentre os quais o dr. Emílio Odebrecht”.

Menos de sete meses depois, em outro telegrama, Vilalva, em 2 de maio de 2014, fez uma análise sobre a privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), que encontrava resistência por parte de alguns municípios portugueses que, na avaliação do embaixador, havia gerado pouco resultado. Após descrever como estava o processo, o diplomata observou que as empresas brasileiras Odebrecht e Solvi, em parceria com o grupo português Visabeira, demonstraram interesse pela EGF, o que gerou simpatia dos formadores de opinião em Portugal. O diplomata registrou a ação direta de Lula em favor da Odebrecht.

“Repercutiu positivamente na mídia recente declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista à RTP no dia 27/04 último, no sentido de que o Brasil deve se engajar mais ativamente na aquisição de estatais portuguesas. O ex-presidente também reforçou o interesse da Odebrecht pela EGF ao primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que reagiu positivamente ao pleito brasileiro”, informou o diplomata.

Lula, de fato, deu uma entrevista à televisão portuguesa, falando dos 40 anos da Revolução dos Cravos e abordando vários temas, inclusive defendendo maior participação de empresas brasileiras nas privatizações conduzidas em Portugal — mas sem citar nenhuma empresa especificamente. A gestão a favor da Odebrecht, pelo que se depreende do comunicado emitido pelo diplomata, foi feita em caráter privado ao primeiro-ministro português. Segundo site do Instituto Lula, o ex-presidente se encontrou com Passos Coelho no dia 24 de abril. Eles teriam falado apenas da situação econômica mundial e da Copa no Brasil.

Na ocasião do telegrama, a empreiteira brasileira era uma das sete que tinham manifestado oficialmente interesse no negócio. Dois meses depois, porém, a Odebrecht não formalizou proposta. A EGF acabou vendida por 149,9 milhões de euros para a Suma, consórcio entre as empresas Mota e Engil.

Cuba

O encarregado de negócios brasileiros em Cuba, Marcelo Câmara, num telegrama de 3 de março de 2014, informou sobre a visita que Lula fez à ilha entre 24 e 27 de fevereiro do mesmo ano. Resumo da mensagem: “Tema central de suas interlocuções foi a prospecção de iniciativas para aperfeiçoamento da matriz energética à zona especial de Mariel, e o reforço da cultura de soja no país”. Nessa viagem, “em atendimento a convite do governo local e com apoio do grupo COI/Odebrecht”, como descreve o documento, Lula foi acompanhado, entre outros, do senador Blairo Maggi (PR-MT) e do ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau, que deixou o governo em 2007 acusado de receber propina para favorecer empresas com obras federais.

Os comunicados da diplomacia brasileira demonstram ainda que Lula também atuou para abrir as portas do BNDES a países africanos, embora não fique claro se houve ligação direta com a Odebrecht. Em comunicado enviado da sede do ministério para a representação brasileira no Zimbábue, há a descrição de que o ex-presidente solicitou que o embaixador daquele país fosse recebido no banco de fomento. A reunião teria ocorrido em 3 de maio de 2012.

Na lista de financiamentos de obras e serviços no exterior divulgada pelo BNDES não consta nenhum financiamento para a atuação de empresas brasileiras no Zimbábue, mas em 2013 por meio do Ministério de Desenvolvimento Agrário foram liberados recursos (US$ 98 milhões) para aquele país no âmbito do programa Mais Alimentos Internacional. Desde 1980, o Zimbábue é governado pelo ditador Robert Mugabe.

Os documentos do Itamaraty registram ainda outras viagens de Lula a Cuba. Em junho de 2011, ele foi recebido por Marcelo Odebrecht e por José Dirceu. “Em sua chegada ao hotel, Lula recebeu os cumprimentos do Senhor José Dirceu e do empresário Marcelo Odebrecht, Diretor-Presidente daquela construtora”, registrou o encarregado de negócios em Cuba na ocasião, Albino Poli Jr., em telegrama enviado para o ministério.

Marcelo está preso em Curitiba há um mês, após ser detido na fase “Erga Omnes” da Operação Lava-Jato. Dirceu está em prisão domiciliar por sua condenação no mensalão e já foi mencionado na Lava-Jato por alguns delatores como beneficiário de propina por meio de sua empresa de consultoria. Na visita em que fez na companhia deles a Cuba, o ex-presidente se reuniu com Raúl e Fidel Castro. Pelo relato do telegrama, Marcelo ficou fora das duas reuniões, enquanto Dirceu acompanhou Lula apenas na conversa com Raúl.

O ex-presidente teve ainda outra viagem ao país dos irmãos Castro associada à Odebrecht. Lula esteve no país em janeiro de 2013 com as despesas pagas pela empreiteira. Alexandrino Alencar, então diretor de Relações Institucionais da empresa, chegou no mesmo jatinho no qual viajou o ex-presidente. Alencar também foi preso na Lava-Jato no mês passado e deixou a empreiteira.

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