
Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ) pode resultar na anulação de uma enxurrada de ações de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público. No último dia 8, ao julgar um recurso do deputado estadual Luiz Eduardo Cheida (PMDB), condenado por ato de improbidade administrativa, os desembargadores da 4.ª Câmara Cível do TJ entenderam, por unanimidade, que o parlamentar tem prerrogativa de foro. Portanto, apenas o Órgão Especial do TJ poderia julgar o recurso.
A decisão do tribunal paranaense levanta uma discussão jurídica que ainda não foi dirimida nos tribunais superiores. A prerrogativa de foro para políticos, previsto no Código Penal Brasileiro, também se aplica às ações cíveis, em especial as de improbidade administrativa? Há decisões judiciais nos dois sentidos. Dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), há um entendimento de que o privilégio do foro se aplica também em ações cíveis. No Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, os ministros afastam a prerrogativa em ações de improbidade administrativa.
Dentro do próprio TJ há decisões nos dois sentidos. Em fevereiro deste ano, os desembargadores da 4.ª Câmara Cível afastaram a prerrogativa de foro no julgamento de uma ação de improbidade contra um prefeito.
Mas, com a brecha jurídica aberta pela decisão que favoreceu Cheida, políticos acusados de cometer ato de improbidade podem tentar anular as decisões decorrentes de ação de improbidade. Com essa estratégia, podem arrastar por anos as ações do MP na Justiça provocando insegurança jurídica. O desfecho desta discussão também pode resultar no trancamento de investigações em todo o país.
O MP do Paraná não tem um levantamento de quantas ações correm o risco de serem declaradas nulas. Entre elas, estariam as ações de improbidade administrativa propostas contra deputados e ex-diretores da Assembleia Legislativa, no caso que ficou conhecido como Diários Secretos. Nesses processos, os promotores requereram judicialmente o bloqueio de mais de R$ 1,2 bilhão em bens dos envolvidos e a devolução de pouco mais de R$ 100 milhões aos cofres públicos.
Este é apenas um exemplo. Há centenas de prefeitos paranaenses acusados de ato de improbidade administrativa. Alguns deles foram condenados pela Justiça de primeiro grau e obrigados a deixar a chefia do Executivo Municipal. Se essas condenações fossem reconsideradas, o prefeito poderia ser até reconduzido ao cargo outro cenário que traria grande insegurança jurídica a todo o país.
Nos casos de ações de improbidade contra vereadores, essa brecha jurídica não poderia ser questionada, uma vez que a legislação não garante foro privilegiado para vereadores.
Supremo dará a palavra final
Caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final sobre a prerrogativa de foro para agentes públicos em ações cíveis. A advogada Vivian Lima Lopez Valle, mestre em Direito Público da UFPR e professora de Direito Administrativo e Constitucional da PUCPR, explica que o Supremo vai ter que pacificar essa matéria através de uma súmula vinculante.
Para editar uma súmula, no entanto, é necessário que os ministros adotem um mesmo entendimento em diferentes processos. "Antes disso sempre pode haver a dúvida nos juízos de primeiro grau e nos tribunais regionais", disse Vivian. Para ela, o STF tende a afastar a prerrogativa de foro. "Entendo que as autoridades políticas não deveriam ter o foro privilegiado, mas, tecnicamente, é possível suscitar essa dúvida da prerrogativa de função alegando vícios formais no processo", completa.
O presidente da comissão de Direito Constitucional da OAB paulista, Dircêo Torrecillas Ramos, também diz que o STF dará a palavra final. Mas ele tem outro entendimento sobre o assunto. "Minha interpretação sistemática dos dispositivos da Constituição Federal me faz crer que, assim como no Direito Penal, as autoridades também têm prerrogativa de foro em ações de improbidade administrativa", opinou ele, que também é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo.
Ações penais
O procurador-geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacoia, é contra a prerrogativa de foro em ações cíveis. "Em matérias penais já é discutível. Há posicionamentos da queda do foro dentro da atual estrutura da Justiça", disse. Para Giacoia, será um retrocesso para a sociedade se prevalecer o entendimento de que autoridades têm prerrogativa de foro também em ações de improbidade administrativa. "Para o interesse da sociedade, da transparência nas contas públicas e na apuração dos atos de improbidade, essa decisão conspira desfavoravelmente", diz.
O procurador de Justiça Mário Schirmer, que atuou na investigação e na redação das ações de improbidade no caso envolvendo os Diários Secretos da Assembleia do Paraná, também é contrário à prerrogativa de foro. "Para o combate a corrupção isso é péssimo em todos os pontos porque só beneficia os acusados", completou.



