Brasília - Os parlamentares são ágeis para propor o aumento das penas de prisão por crimes comuns, mas dedicam pouco tempo à punição de delitos praticados pela elite econômica. De 646 projetos sobre criminalidade apresentados na última legislatura, 626 tratavam de agravar penas e restrições (96% do total). No mesmo período, apenas duas propostas tiveram como alvo o chamado crime do colarinho branco. O levantamento é da socióloga Laura Frade, autora de uma tese de doutorado sobre o assunto na Universidade de Brasília (UnB).
No trabalho, que chega às livrarias nesta semana (Quem mandamos para a prisão?, da editora Liber Livro), a professora constata que o rigor dos parlamentares é maior quando a lei se aplica mais facilmente a criminosos de baixa renda. A pesquisa incluiu projetos formulados entre 2003 e 2006, período marcado por escândalos políticos como o mensalão e a máfia dos sanguessugas.
"O alvo da maioria dos projetos de lei sobre criminalidade é o pobre. Não há tanta preocupação em regular os crimes da elite, porque os parlamentares não costumam vê-la como criminosa", afirma Laura Frade.
Entre as propostas para endurecer a legislação penal, destacam-se as que tornam hediondos os crimes mais variados, como o contrabando de armas, a falsificação de produtos alimentícios ou medicinais e até o aborto. O adjetivo hediondo, que na lei penal determina punições mais graves, aparece nos dicionários como sinônimo de sórdido, repulsivo e imundo. Um dos projetos mais curiosos, apresentado pelo ex-deputado José Divino (PRB-RJ), propunha transformar em hediondo o homicídio doloso, mas só quando praticado contra um político.
A lista de idéias para endurecer as penas é liderada por uma proposta de emenda constitucional do ex-senador Ney Suassuna (PMDB-PB), que em 2003 propôs instituir a prisão perpétua no país. O autor não conseguiu se reeleger, e a proposta, considerada inconstitucional por seus colegas, foi arquivada.
A pesquisa também mostra que o elitismo predomina na visão que os parlamentares têm do crime. Ao entrevistar 46 deputados e senadores, que falaram sob a condição de não serem identificados, Laura constatou que a maioria faz uma associação direta entre pobreza e propensão para desafiar a lei. Para desvendar o ideário que se esconde por trás dos projetos, ela entregou a cada congressista um questionário com características a serem ligadas ao criminoso. A opção mais citada foi "baixa instrução", seguida por "doente", "indigno de confiança" e "indisciplinado".
Embora as pesquisas de opinião pública mostrem que a violência é uma das maiores preocupações dos brasileiros, 65% dos políticos ouvidos admitiram que a criminalidade não é um tema prioritário no Congresso. A autocrítica ajuda a explicar outra conclusão do estudo: a de que a legislação sobre o assunto é feita aos soluços, como resposta a casos de violência com grande repercussão popular.
A legislatura atual já produziu um desses fenômenos: a apresentação de um novo pacote antiviolência após o bárbaro assassinato do menino João Hélio Fernandes, em fevereiro do ano passado. Após o caso, que teve o envolvimento de um adolescente de 16 anos, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em tempo recorde um projeto para reduzir a maioridade penal para a idade do acusado.
Um dos projetos sobre crimes do colarinho branco institui a prisão temporária para os investigados por delitos financeiros. A idéia, do deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), já tramita há cinco anos pelas comissões da Câmara. A outra proposta sobre o tema, do ex-deputado José Nader (PFL-RJ), previa a responsabilização de integrantes de conselhos de bancos e foi arquivada. Ex-secretário nacional de Justiça, Biscaia afirma que o Legislativo protege os criminosos que têm poder: "Os parlamentares não mostram muito empenho para aprovar projetos que podem afetar quem exerce mandatos ou financia campanhas políticas".



