
O relator do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa, votou ontem pela condenação de nove réus por lavagem de dinheiro e fez menção direta à atuação do ex-ministro José Dirceu no caso. Em seu voto que apontou um esquema de ocultação de saques do dinheiro usado no mensalão, Barbosa disse que o empresário Marcos Valério de Souza funcionou como "intermediário" de interesses da dona do Banco Rural, Kátia Rabello, junto a Dirceu, então ministro da Casa Civil.
A acusação contra o ex-ministro será analisada mais adiante. Segundo Baborsa, encontros entre Kátia e Dirceu ocorreram "no contexto" das operações de lavagem. "Embora Kátia Rabello e José Dirceu não admitam ter tratado do esquema de lavagem de dinheiro, é imprescindível atentar para o contexto em que tais reuniões se deram. Não se trata de um fato isolado, ou seja, meras reuniões entre dirigentes de um banco e o então chefe da Casa Civil, mas num mesmo contexto em que as operações foram levadas a efeito", disse.
Na sessão de ontem, o relator pediu a condenação de Valério, de seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, de seu advogado Rogério Tolentino e de duas funcionárias do grupo, Simone Reis e Geiza Dias. O ministro também considerou culpados a sócia do Banco Rural Kátia Rabello, o ex-vice-presidente José Roberto Salgado e Vinícius Samarane na semana passada, o tribunal já tinha condenado a cúpula do banco por gestão fraudulenta. O relator votou pela absolvição de Ayanna Tenório, ex-vice-presidente do Rural, por ela já ter sido livrada pelo plenário da acusação de gestão fraudulenta, o que a impediria de ser condenada por lavagem.
Manobra
Barbosa contabilizou 46 operações de lavagem de dinheiro por meio de saques no Rural. Segundo ele, o esquema passou por três etapas. Primeiro houve uma fraude nos registros contábeis das empresas de Valério. Depois veio a simulação de R$ 29 milhões de empréstimos bancários das empresas de Valério junto ao Rural. As dívidas eram roladas indefinidamente, sem pagamento. Por fim, o dinheiro era sacado na boca do caixa de modo a enganar o Banco Central e o Coaf, órgão de inteligência financeira do governo.
Pela legislação, os bancos deveriam comunicar ao BC e ao Coaf todos os saques iguais ou superiores a R$ 100 mil. Os saques do mensalão foram informados aos órgãos de controle sem o registro nominal do sacador real, porque a agência SMP&B, de Valério, emitia cheques de uma conta no Rural para a própria empresa como se fosse para pagar fornecedores. Na hora de sacar o dinheiro, a SMP&B autorizava o Rural a permitir que outras pessoas sem ligação com a empresa recebessem o dinheiro.
"O Rural, portanto, mediante procedimento de ocultação e dissimulação, permitia que outras pessoas sacassem cheques nominais à SMP&B", disse o ministro. Para ele, toda a manobra realizada pelo grupo tinha o objetivo de ocultar os beneficiários das vultosas quantias sacadas.
Novas sessões
O julgamento dessa etapa do mensalão será retomado amanhã, com o voto de Ricardo Lewandowski, revisor do processo. Ontem, Barbosa defendeu a realização de sessões extras para agilizar a análise do caso.
"Acho que talvez fosse conveniente estudarmos sessões extras exclusivamente para esse julgamento", disse, lembrando que a análise do mensalão já acontece há mais de um mês. Os ministros não chegaram a analisar a proposta, mas o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, afirmou estar aberto à possibilidade.



