Animal

Adestrar o cão pode deixá-lo mais feliz; mas o resultado depende do tutor

Flávia Alves, especial para a Gazeta do Povo
21/07/2018 17:00
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Tutores devem respeitar as necessidades do cão para o adestramento funcionar. Foto: Bigstock.

Sentar, rolar, dar a patinha, fingir de morto. Fazer as necessidades no local certo, não puxar a guia na hora do passeio, não pular nas pessoas quando elas chegam em casa e muito menos destruir a
casa quando os donos estão fora. Muito se espera de um animal de estimação para que a convivência seja feliz e agradável. Mas quanto os tutores estão realmente se doando para isso?
A resposta, segundo os adestradores, é fundamental e dela vai depender o sucesso do relacionamento entre animais e pessoas.
“Muitos donos querem que seus cães tenham um determinado comportamento, mas não se esforçam para entender a natureza do animal e muitas vezes nem sequer sabem quais são suas necessidades”, alerta Rafael Wisneski, adestrador da Petness.
Segundo ele, esta compreensão ampla do que é o animal e do que ele precisa é que baseia o adestramento atualmente, que tem como principal objetivo melhorar a comunicação entre as espécies (cão e homem) para que a convivência seja harmônica e feliz. “Os estudos sobre o comportamento dos cães avançaram muito. Hoje se sabe que eles são uma espécie com um conhecimento incrível sobre os humanos, capazes de entender os homens como nenhuma outra espécie consegue”, diz Wisneski.
Isso, de acordo com ele, é resultado de uma longa convivência, afinal o contato entre humanos e cães já dura mais de 30 mil anos.

Espaço diferente

Nos últimos anos o relacionamento mudou: os animais passaram a ocupar um espaço maior e diferente entre as famílias. “Antigamente o que se esperava de um cão era muito mais claro. Ele ficava fora de casa, dormia no quintal. Hoje ele está dentro de casa e muitas vezes dorme na cama dos donos. É um novo papel, ao qual todos têm que se adaptar”, explica.
Aproveite as feirinhas de adoção para encontrar seu novo pet. Foto: Unsplash.
Aproveite as feirinhas de adoção para encontrar seu novo pet. Foto: Unsplash.
E para que o relacionamento funcione, não é tão difícil: basta entender o que o cão precisa (como espaço, recursos, companhia, entre outras), prover estas necessidades, desencorajar comportamentos inadequados e recompensar os bons.
Parece simples na teoria, mas na prática nem sempre dá certo e é por isso que muitas vezes se recorre aos adestradores profissionais para construir este relacionamento. “O problema é que a maior parte dos donos, mais de 90%, busca o adestramento quando os cães já estão com vícios e comportamentos inadequados, quando realmente não está fácil a convivência”, explica.

Xixi e cocô fora do lugar

Entre os principais problemas que levam os tutores a buscar auxílio de profissionais, as necessidades em local inapropriado são a reclamação número um. “A demarcação de território é o que mais motiva os donos a buscar adestramento. É um problema muito comum, mas também um dos mais fáceis de se resolver”, analisa Fabio Peratz, adestrador da All Dogs. Segundo ele, a demarcação é um vício e deve ser tratado com tal. “Antes de mais nada é necessário tirar o acesso ao vício. Se um cão faz xixi no tapete da sala, por exemplo, a primeira coisa a fazer é impedir que ele tenha acesso a este tapete”, explica.
Depois de proibir, é preciso prover ao animal um tapete higiênico de fácil acesso, ou passeios à rua para que possa fazer suas necessidades. E quando este animal acerta o comportamento, deve receber a recompensa, que muitos adestradores ainda costumam dar em forma de petiscos, mas que preferencialmente pode vir na forma de carinho e atenção. “O cão então começa a perceber que ganha quando age da forma esperada pelo dono. Ele avalia o custo-benefício: vale a pena fazer o xixi no local errado? E quando percebe que não, passa a fazer o certo de forma natural”, pondera Fabio Peratz, adestrador da All Dogs.

Ansiedade

Outro ponto que motiva a busca pelo adestramento é a ansiedade, principalmente a relacionada à separação. Mais uma vez, Wisneski salienta que este problema é, na maior parte das vezes,
causado pelo fato de o tutor não estar atendendo às necessidades do seu pet.
“As pessoas muitas vezes compram um pug, por exemplo, com a intenção de que ele seja um cão de companhia. Mas então saem para trabalhar às oito horas da manhã e só voltam para casa depois das sete da noite. Para quem este pug está fazendo companhia?”, explica.
German dog trainer works with a sheetland sheepdog
German dog trainer works with a sheetland sheepdog
Para Peratz, a ansiedade deve ser trabalhada de uma forma geral e não apenas a relacionada à ausência. Ele também sugere coerência por parte dos donos. “Tem que se trabalhar a energia da casa e saber sinalizar para o cão qual o comportamento esperado, de forma clara. Muitos donos reclamam que seus cães destroem a casa quando estão sozinhos, latem e incomodam vizinhos, mas quando eles chegam em casa a primeira coisa que fazem é supervalorizar o comportamento do cão e colocar muita energia neste reencontro.”
Segundo ele, o resultado desta ansiedade pode ser catastrófico – quem não se lembra do labrador Marley, que em noites de tempestade quase destruía toda a casa? –, mas isso não significa que ela não possa ser resolvida. “Com o emprego das técnicas de adestramento, já se começa a ver uma melhora por parte do cachorro em uma semana”, diz.

Agressividade

De acordo com Wisneski, a agressividade tem uma origem parecida com a da ansiedade. “Desde pequeno, os donos incentivam certos comportamentos nos cães que depois querem reprimir. Quando são filhotes, por exemplo, ficam brincando e deixam que eles mordam suas mãos,provocando-os. Depois, quando eles crescem,reprovam que eles mordam objetos”, diz, ressaltando novamente a incoerência entre o que se mostra e o que se exige do comportamento do cão.
Peratz afirma que a agressividade muitas vezes é uma forma de afronta. “Antigamente os pais eram muito rígidos com os filhos, hoje estão muito permissivos. Com os cães acontece a mesma coisa, falta um certo limite”, justifica Peratz. Outra razão que leva à agressividade, segundo ele, é o medo. Muitas vezes, as fobias – sejam elas de qualquer tipo – são expressadas desta forma.

O tempo certo

Este medo exagerado, explica Peratz, muitas vezes é resultado de traumas adquiridos no início da vida dos animais. “Existe uma fase na vida dos cães em que eles estão mais propensos a desenvolver fobias, chamamos de fase do medo. Ela se inicia por volta dos três, quatro meses de idade e vai até os oito meses. Por isso é importante buscar o adestramento na fase correta, para antecipar problemas”, defende.
Para Wisneski, o fato de os médicos veterinários muitas vezes recomendarem reclusão até que as vacinas iniciais estejam completas, o que ocorre por volta dos 100 dias, pode complicar ainda mais a sociabilidade dos cães. “Até os três meses e meio é justamente a fase em que os cães estão mais abertos à socialização”, diz ele, que afirma que não é necessário por em risco a saúde dos bichinhos, mas que algumas atitudes podem contribuir para que esta janela não seja perdida.
“Os donos podem levá-los para passear no colo, por exemplo, passar na frente de uma escola com muitas crianças para que eles as vejam e as escutem”, sugere.
E se o ideal é que o adestramento comece tão logo seja dada a terceira dose da vacina, nem por isso é impossível que os cães mais velhos sejam orientados. “Claro que quanto mais velho o cão mais vícios ele terá e por isso mais dificuldade em memorizar os comandos. Mas não é impossível que aprenda”, fala Waldemir Oliveira de Rezende, adestrador da K9, que desde 1998 faz este trabalho com os animais.

Medo do preço

Waldemir afirma que na maior parte das vezes os donos buscam o adestramento tardiamente por conta do preço. “Muitos acham caro, mas na realidade as pessoas não consideram o tempo que ficarão com o animal. Se forem dividir o investimento pelo tempo de vida, o valor se torna irrisório”, argumenta ele, que diz que um curso de adestramento com cerca de seis comandos, com tempo de duração médio de 60 dias, custa em torno de R$ 2,5 mil.

O prejuízo da desobediência

Outra conta que os donos não fazem, afirma Peratz, é o quanto um cão desobediente e agressivo pode custar.
“Muitos comem os móveis da casa, roupas, sapatos. Atendi um caso, certa vez, em que o cachorro tinha fugido para o terreno vizinho e comido o para-choque do carro do vizinho, um Jaguar. Isso sim é caro!”, brinca Peratz, que ainda lembra dos casos em que a atitude do animal pode até colocar em risco outros animais e pessoas.
“Tive um caso em que o poodle da família escalava o berço para morder o bebê. Aqui em casa temos um dogo canário, que é tida como uma raça agressiva, mas tenho certeza de que nosso filho poderá ficar com ele e que não será mordido”, afirma o adestrador.
E falando de raças, Peratz não acredita que existam raças que não possam ser adestradas, mas acredita no comportamento individual. “Cães têm temperamentos diferentes e enormes variações
de conduta. Eles são extremamente inteligentes e podem usar esta inteligência tanto para colaborar quanto para tornar a vida deles mais divertidas. Os beagles, por exemplo, que muitos costumam falar que são difíceis, acho que são extremamente inteligentes pois, em vez de fazerem o que os donos querem, conseguem fazer exatamente o que eles querem”, diz.
Quando o animal compreende como obedecer aos comandos, torna-se um cão mais equilibrado. E não precisa ser um adestrador profissional, segundo ele, a desenvolver este trabalho. “A natureza
do cão é agir por impulso, conforme os estímulos. O cão que é adestrado deixa de agir impulsivamente, o que significa que ele tem menos estresse. É um cão mais equilibrado emocionalmente, que
aproveita melhor os momentos. É um cão mais feliz”, diz Fabio Peratz, adestrador da All Dogs.

Bichanos comportados

Cães e gatos abandonados de Maringá poderão ser resgatados pelo Serviço de Emergência Animal da cidade. Foto: Pixabay
Cães e gatos abandonados de Maringá poderão ser resgatados pelo Serviço de Emergência Animal da cidade. Foto: Pixabay
Quando o assunto é gato, muitos tutores se perguntam: é possível adestrar os bichanos? Para a adestradora comportamental de cães e gatos da Petness, Natália Martins, mais que ensinar comandos, o principal é entender o comportamento dos felinos a fim de tornar a convivência mais harmônica. “É o chamado manejo comportamental, em que se melhora a comunicação entre tutor e gato por meio da modulação do ambiente”, explica.
Antes de mais nada, Natália explica que é preciso descartar possíveis causas clínicas que possam estar levando o animal a ter comportamentos inadequados. “Quando os gatos fazem suas necessidades fora do local, por exemplo, pode ser uma cistite”, justifica.
Xixi e cocô em locais inadequados, aliás, são os grandes motivos pelos quais os donos buscam ajuda, diz ela. “Muitos pensam que os gatos já nascem sabendo usar a caixa de areia, mas isso não é verdade”, diz Natália. Para contornar o problema, ela explica que se deve aplicar uma regra: para cada gato, os donos devem deixar sempre disponíveis duas caixas de areia. Mudar o substrato também pode ser uma opção quando o bichano está fazendo as necessidades no local errado.
A regra de dois para um também deve ser observada para a oferta de água e alimento e de locais de descanso, principalmente quando há mais de um gato na casa. “Um dos principais motivos de briga entre os gatos é a falta de recursos, por isso quanto mais acesso eles tiverem, menor a chance de haver desentendimentos”, justifica.

Mais de um gato

Além disso, para evitar conflitos, Natália conta que a aproximação dos animais deve ser lenta e progressiva. “Quando um animal novo chega, geralmente os donos não têm o cuidado de fazer a introdução, o que gera problemas futuros”. O ideal é que o novo gato fique num cômodo por algum tempo (cerca de uma semana) e quando todos estiverem calmos sejam apresentados os cheiros, por meio de panos, que os adestradores chamam de paninho da amizade. Só depois é que se permite que um veja o outro, mas sempre sob supervisão, para evitar estranhamentos.E finalmente, quando estiverem bem à vontade, é possível deixá-los juntos.

Ambiente atraente

Outro motivo de estresse, a agressividade com os donos pode ser manejada com alguns cuidados simples. “Os gatos são caçadores por natureza, adoram pegar sua presa e morder, e para evitar que eles façam isso com as mãos dos donos, deve-se propiciar brincadeiras que os deixem extravasar esta necessidade, como brinquedos específicos”, alerta Natália.
E a dica vale para o ambiente: enriquecê-lo com brinquedos e arranhadores pode evitar que os gatos usem os móveis para desenvolver seus instintos. “Arranhar é um comportamento natural do gato. Ele arranha para marcar o local visualmente e olfativamente. Por isso é importante ter um arranhador, mas que ele seja estimulante. O melhor é que seja fixo e alto, com no mínimo 80 centímetros, para permitir que o gato se estique e arranhe”, explica Natália, que afirma também que o uso de feromônios sintéticos (substâncias que imitam os odores naturais produzidos pelos gatos) auxilia muito na orientação dos bichanos.

Modelos de adestramento

A dog trainer works with a shetland sheepdog
A dog trainer works with a shetland sheepdog
basicamente duas formas. A mais tradicional é a que o cão é retirado da companhia de seus donos e permanece junto ao adestrador durante certo período de tempo. O adestrador Waldemir Rezende, da K9, afirma que a vantagem deste modelo é justamente a imersão do animal na rotina de ensinamentos.
Outra maneira, que está sendo aplicada pelos treinadores mais recentemente, é a que mantém o bichinho em casa. Esta é a aplicada por Fabio Peratz e Rafael Wisneski, que acreditam que desta forma toda família entra no ritmo e acaba incorporando de forma mais natural a maneira de lidar com os cães. Em ambos os casos, porém, o sucesso dos ensinamentos vai depender do comprometimento dos tutores.
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