Animal

Meu cachorro é doador de sangue

Carolina Kirchner Furquim, especial
16/05/2016 15:55
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O técnico da PetTransfusion, Luciano Marin, durante a coleta de sangue do cachorro Bono (Foto: Divulgação PetTransfusion)

A doação de sangue não é um gesto de solidariedade restrito apenas aos humanos. Em Curitiba, tutores de cães que desejam disponibilizar o sangue de seu bichinho para ajudar outros animais em situação de risco, encontram este serviço à disposição. “A transfusão veterinária de sangue é uma realidade cada vez mais frequente e tem permitido salvar a vida de muitos cachorros”, afirma o veterinário João Paulo Amadio, diretor da PetTransfusion, o primeiro hemobanco veterinário de Curitiba.
Os receptores do sangue, segundo ele, são animais vítimas de doenças (como anemia, câncer, tumores, doenças renais e autoimunes) ou traumas decorrentes de acidentes (como atropelamentos). Neste último caso, a transfusão acontece em caráter de urgência e, muitas vezes, é o que salva a vida do animal.
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O policial civil Alexis Silva disponibiliza suas quatro cachorras, as labradoras Mari, Huana e Pepper, e a dobermann Hannah, todas adotadas, para doação de sangue. Ele conheceu o serviço através de uma postagem no Facebook e imaginou que seria uma ótima maneira de ajudar animais em situação de risco. Um labrador macho, Greg, doou sangue por quase um ano, mas precisou interromper a boa ação em função de um problema na tireoide. “São todos cães saudáveis, tranquilos e de grande porte. Como a doação é feita em casa, já chegaram a dormir durante o procedimento. A Hannah foi resgatada muito debilitada, mas quando recuperou o peso também passou a ser doadora”, conta o policial e amante dos animais.
O policial civil Alexis Silva, à esquerda, com técnicos da PetTransfusion durante o procedimento de doação de sangue do labrador Greg (Foto: Arquivo Pessoal)
O policial civil Alexis Silva, à esquerda, com técnicos da PetTransfusion durante o procedimento de doação de sangue do labrador Greg (Foto: Arquivo Pessoal)
Quatro cães da veterinária Fernanda Niederheitmann, Olívia, Pucca, Sirius e Molly, todos também adotados, foram doadores de sangue por quase cinco anos. As fêmeas doaram até atingir a idade máxima permitida e o macho parou por ser muito próximo do peso mínimo. “Comecei com a doação porque alguns animais chegavam à clínica quase morrendo, com anemia severa. Então passei a disponibilizar os meus para ajudá-los, o que acabou por salvar a vida de muitos”, conta Fernanda. A veterinária organizava uma espécie de rodízio para que nenhum deles precisasse doar sangue em um intervalo inferior a seis meses, e os cães, depois de cada doação, ganhavam um bom agrado em reconhecimento ao ato.
Como funciona
O processo de doação de sangue tem início logo na seleção dos doadores. O cachorro doador precisa ter idade entre 1 e 8 anos, além de pesar, no mínimo, 25 quilos. Além disso, na história clínica não pode constar nenhum tipo de doença grave ou crônica. Estar com a vacinação em dia também é um pré-requisito. Depois da análise histórica e clínica do animal e também de uma conversa com o tutor para sanar todas as dúvidas, é feito um acesso na veia jugular do cão doador. São retirados 450ml de sangue em um processo que demora de 30 a 45 minutos. A coleta é feita em uma bolsa de sangue humana, que cumpre bem a função.
O sangue passa então pelo processamento, que resulta em 3 hemoderivados que podem ser utilizados individualmente, se preciso: concentrado de hemácias, plasma fresco e concentrado de plaquetas, que são especificamente acondicionados. O plasma, tão rico quanto o sangue, é essencial em clínicas veterinárias. Ele atua na coagulação e é um importante agente no tratamento de infecções.
Compatibilidade e riscos
Catalogados, existem mais de 20 grupos sanguíneos caninos, mas apenas 6 têm relevância na medicina transfusional. Cães da mesma raça podem ter tipos sanguíneos diferentes, assim como cães de raças diferentes podem possuir o mesmo tipo. Reações durante e após a transfusão podem acontecer e os riscos não devem ser negligenciados. Assim, o animal receptor é monitorado de forma intensiva e a velocidade da transfusão é menor na primeira meia hora, de modo a identificar (e tratar) precocemente possíveis reações.
E os felinos?
Segundo Amadio, a doação de sangue em felinos conta com algumas particularidades. A primeira delas, é que pelo porte do animal não é possível retirar mais do que 60ml de sangue. Essa pequena quantidade não pode ser acondicionada em uma bolsa comum, visto que não é proporcional às soluções anticoagulantes presentes em seu interior. E, no Brasil, ainda não existe tecnologia para a fabricação de bolsas menores e compatíveis. Tudo isso invalida a criação de um banco próprio para gatos, além da existência de algumas especificidades do sangue felino, que também comprometem o armazenamento.
Contudo, isso não significa que a transfusão não aconteça. No caso dos gatos, o processo acontece nas próprias clínicas. O sangue é retirado em seringa e transferido para o receptor por meio de um acesso intravenoso. Algumas clínicas contam com cadastros de proprietários dispostos a ter seus gatos utilizados como doadores.