Comportamento

*Bari Weiss , New York Times

Por que os concursos de beleza do mundo estão abandonando as provas de biquíni?

*Bari Weiss , New York Times
09/06/2018 17:00
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Participantes de 2018 foram as últimas a passar pela prova do biquíni. Foto: Miss America Organization / Bruce V. Boyajian.

Na manhã da última terça-feira (5) veio a notícia de que o concurso de beleza mais antigo dos EUA não será mais concurso de beleza.
Quase cem anos depois que o primeiro Miss EUA foi realizado em Atlantic City – na época, as moças usavam maiôs que mais se pareciam com burquínis do que biquínis – a organização disse adeus à prova com roupa de banho. “Não vamos julgá-las por sua aparência”, afirmou Gretchen Carlson, presidente da organização do evento.
Carlson é a pessoa certa para promover essa transformação no concurso: conquistou a coroa em 1988 e fez carreira na Fox News depois disso, onde lançou a base para o movimento #MeToo, denunciando Roger Ailes muito antes que surgissem as manchetes sobre Harvey Weinstein.
O Miss EUA 2.0, como o evento foi rebatizado, será uma “competição”, e não um desfile, explicou ela no programa “Good Morning America”, um dos mais populares nos EUA.

“Estamos vivendo uma revolução cultural no país, com as mulheres reunindo coragem para se manifestar e ser ouvidas em várias questões”, completou.

Hipocrisia?

Só gente como Piers Morgan se opõe a um concurso Miss EUA que promete ser mais “fortalecedor” e “inclusivo”, mas dizer que as mulheres não serão julgadas pelo visual é mais ou menos como a Miss Oklahoma ou a Miss Oregon dizendo que deseja a paz mundial.

Deixar o biquíni de lado não vai impedir que os jurados – e o resto do mundo – comentem sobre a beleza exterior das candidatas. Como toda mulher sabe, isso acontece até se formos à esquina de moletom.

O verdadeiro motivo por que a disputa de biquíni foi abolida é o fato de ser explícita demais para a nossa era eufemística, na qual “forte” é o código para “magrela” e “saudável”, para “bonita”. Nossa cultura não deixou de objetificar a mulher; a diferença é que estamos aperfeiçoando o fingimento de que isso não acontece. Vivemos na época do Pilates, do detox e do “bem-estar”, do orgânico e do biodinâmico, da transformação do emagrecimento em jogo através da contagem de calorias como “pontos”.

Entrar no palco de salto alto, coberta apenas por uns quadradinhos de pano minúsculos amarrados por alças é canhestro demais para 2018.

É claro que Donald Trump é o ponto fora da curva em termos de xucrice neste caso, como também o é em relação a tantas normas civilizadas, mas geralmente quando ouço um homem descrever uma mulher como “super em forma”, meu cérebro sempre substitui a expressão por alguma variação do tal “papo de vestiário” do presidente.

Não nos importamos?

O lance agora tem a ver com discrição – em insistir que você não está se esforçando quando está botando os bofes para fora, em dizer ao namorado ou ficante que você simplesmente não gosta de pão. Enquanto os homens fingem não julgar as mulheres pela aparência, nós nos matamos para também fingir que não estamos nem aí.
E aí batemos folhas verdes no liquidificador e dizemos que é “suco”, que é “uma delícia” em vez de assumir que é uma gororoba nojenta.
Usamos pernas de pau para caminhar pelas selvas de concreto e mentimos, negando que não sejam outra coisa a não ser instrumentos de tortura. Arrancamos a pele da base das unhas e as pintamos em tons tão claros que os homens heterossexuais nem percebem que estão pintadas.
Gastamos centenas de dólares em elixires e óleos mágicos, em embalagens quase microscópicas que não prometem nem rejuvenescimento, mas anunciam que são “limpos”.
Deitamo-nos sob luzes fluorescentes, as pernas abertas para receberem a cera quente, enquanto comentamos a nova temporada de “The Handmaid-s Tale”.
Lemos tudo sobre as rotinas de beleza, e rotinas matinais, e rotinas noturnas, e rotinas vespertinas de mulheres infinitamente mais ricas que nós, e ainda estudamos seus perfis nas redes sociais para saber como nos aproximarmos de seus estilos de vida.
Máscaras faciais de tecido são sucesso na Ásia e começam a chegar ao Brasil.<br>Foto: Bigstock
Máscaras faciais de tecido são sucesso na Ásia e começam a chegar ao Brasil.<br>Foto: Bigstock
Gastamos centenas de dólares em maquiagem que nos faz parecer que não estamos usando pintura nenhuma.
Enchemos o cabelo de produtos, fazemos biquinho, jogamos “melhores ângulos” no Google e tiramos fotos segurando a câmera um pouquinho acima do rosto.

Aprisionamento

Praticamos o pensamento analítico e matemático: se eu queimar 450 calorias na esteira, claro que posso comer um pouco de sushi no almoço; mas quem sabe não é melhor pedir sashimi e poder tomar um segundo copo de rosé no jantar?
Tomamos injeções no abdome que nos fazem querer assassinar um no escritório para que, um dia, aos 50 anos, possamos nos tornar donas da firma e termos um filho sozinhas, graças aos nossos óvulos congelados.
Enquanto isso, analisamos impiedosamente a simetria facial de “candidatos” em potencial nos aplicativos de namoro com nomes sem vogais suficientes e postamos fotos de nós mesmas que as amigas aprovaram pelo WhatsApp.
Somos muito mais que tudo isso, mas não conseguimos evitar a distração de todo esse fingimento. E somos as mulheres que se dão ao luxo até de pensar que podem ter tudo! Ter tudo é isso aí.

A competição continua, sim

Não vou sentir falta da prova do biquíni nem um pouquinho. Aliás, não assisto ao concurso desde que estava na escola, e já não colocava muita fé naquela época. A ideia de crescer e ser como aquelas mulheres na tela nunca me passou pela cabeça. E nem é porque eu não era ambiciosa: é que olhava para elas e tinha certeza de pertencer a uma espécie diferente. Aposto que os biquínis tinham alguma coisa a ver com isso.
Mas havia também algo estranhamente honesto em relação à disputa. Estamos sendo observadas, analisadas, julgadas; estamos observando, analisando e julgando. Como disse Carlson, é uma competição, sim.
*Bari Weiss é editora e colunista da seção Opinião do jornal New York Times.
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