Comportamento

Flávia Schiochet

Restaurantes recebem crianças de escolas públicas para aulas de culinária

Flávia Schiochet
05/10/2018 07:00
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A Semana Solidária da Criança é realizada há 11 anos pela Abrasel - PR em restaurantes de Curitiba. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

No salão envidraçado do restaurante Cantina do Délio, no bairro Alto da XV, 28 crianças se agitam à mesa segurando balões cor de rosa e verde. O chef de cozinha Rafael Gonçalves, de frente para a turma, mostra os ingredientes e anuncia: “Vamos fazer pizza!”, projetando a voz sobre a algazarra.
O burburinho não cessa e a autoridade da professora Tatiane Walter se faz valer: “Shh! Quieto, Eduardo! Ou quer ir lá ajudar o chef?”. O que se seguiu foi um coro desencontrado de “eu quero! eu quero! eu quero!”, competindo pela atenção do chef. No fim, Eduardo foi de bom grado. Misturou os secos: trigo, sal, açúcar, fermento. E, depois de acrescentar azeite e água, sovou parte da massa enquanto Rafael contava à turma sobre a origem da pizza.
As 14 meninas e 14 meninos são do segundo ano do Centro de Ensino Integral Professor Adriano Gustavo Carlos Robine, escola do bairro Fazendinha, e têm entre seis e sete anos. Para muitos deles, era a primeira vez que entravam em um restaurante.
Proporcionar uma experiência nova para as crianças é a proposta da Semana Solidária da Criança, realizada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do Paraná (Abrasel – PR) há 11 anos em Curitiba, sempre em outubro. A associação junta duas pontas: restaurantes afiliados a escolas públicas e entidades que atendem crianças em vulnerabilidade social. Na edição de 2018, 25 restaurantes da capital paranaense abriram seus salões para crianças e adolescentes aprenderem mais sobre gastronomia. Em todo o solo nacional, a expectativa é atender 20 mil crianças, segundo o diretor executivo da Abrasel – PR, Luciano Bartolomeu.
Eduardo, aluno da escola Adriano Robine, sova a massa a exemplo do chef Rafael Gonçalves, da Cantina do Délio. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Eduardo, aluno da escola Adriano Robine, sova a massa a exemplo do chef Rafael Gonçalves, da Cantina do Délio. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Cada restaurante escolhe que tipo de atividade vai propor e qual a faixa etária que está apta a receber: há desde crianças na primeira infância até pré-adolescentes. Ao final, sempre uma refeição.
“As crianças se sentem importantes, porque é muita atenção, carinho e calor humano. Alimenta a alma delas e por consequência, a barriguinha”, brinca Bartolomeu. As mais singelas demonstrações de cuidado e coletividade podem ser observadas: na Confeitaria Requinte, as crianças pediram para rezar antes de comer; na Cantina do Délio, uma das meninas devolveu um guardanapo a mais que haviam entregue para ela; em inúmeros casos, pedem para levar algum quitute para os irmãos ou pais.
A primeira edição da Semana Solidária da Criança pela Abrasel foi em 2007, em Londrina. A pizzaria Martignoni realizava um evento com modelo similar desde 2003 e, quando se afiliou à Abrasel – PR, outros empresários se inspiraram. Em 2013, a iniciativa passou a ser adotada por todas as regionais da entidade. Para ser uma instituição atendida, é preciso se cadastrar com a Abrasel de seu estado.
A turma do segundo ano da escola Adriano Robine, do bairro Fazendinha, participou da ação da Abrasel-PR preparando pizza na Cantina do Délio. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
A turma do segundo ano da escola Adriano Robine, do bairro Fazendinha, participou da ação da Abrasel-PR preparando pizza na Cantina do Délio. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
A escola Adriano Robine participa desde 2015 e a cada ano, escolhe turmas diferentes para que a maior parte dos alunos possa participar. No ano passado, duas turmas do quinto ano foram ao Happy Burger, no Tarumã, e uma turma do terceiro ano foi ao tradicional restaurante Veneza, em Santa Felicidade. “É bom para os alunos saírem um pouco do entorno da escola. Conforme o trajeto, eles acham até que estão em outra cidade”, relata a diretora Nanci Cordova Yasbeck.
Para a professora Tatiane, controlar a ansiedade dos pequenos foi uma tarefa a mais na semana. “Colei o aviso na agenda semana passada e marquei no calendário da sala o dia em que viríamos comer pizza. Todo dia eles iam conferir quanto faltava”, conta.
Andrew, ao centro, não pensou duas vezes depois que o chef lhe disse que poderia lamber a colher cheia de chocolate. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Andrew, ao centro, não pensou duas vezes depois que o chef lhe disse que poderia lamber a colher cheia de chocolate. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
A ansiedade ainda estava presente no salão da Cantina do Délio. A cada mudança de tarefa, as crianças voltavam a aumentar os decibéis: “Posso ir agora? Posso, posso, posso?”. Entre a produção da massa e a primeira rodada de pizza, as crianças se alternavam para montar os sabores margherita, bacon e de chocolate. “Ó, professora, ó!”, chamou Andrew, enquanto lambia a colher com chocolate. “Tá limpinha agora”.

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