Comportamento

Carolina Werneck

Aos 53 anos, analista de Curitiba vira gamer profissional: “ajuda no autocontrole”

Carolina Werneck
23/02/2018 17:45
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Saraiva descobriu o universo dos games depois dos 50. Foto: Arquivo Pessoal

Luciano Saraiva, 53 anos, é um analista de sistemas, jornalista, músico e diretor de teatro que passa em média duas horas por dia destruindo tanques de guerra. A cada dois dias, ele precisa destruir ao menos 60 dessas máquinas. Do contrário sua comandante, Cici, uma mulher que também tem mais de 50 anos, não terá problemas em chamar sua atenção. E Saraiva cumpre rigorosamente suas metas diretamente do conforto de sua casa, em Curitiba. É que toda a ação acontece em um game online chamado War Machines, da Fun Games.
Ele começou a jogar entre 2016 e 2017. Desde então sua performance tem sido tão boa que ele foi recentemente convidado pela empresa responsável pelo game a participar de uma seleção. Os melhores jogadores vão participar de um grande evento de games. E a diferença de idade dele para os demais jogadores não parece ser um obstáculo. “As relações com o pessoal do clã são de muito alto nível. A cabeça da moçada de 15, 16 anos é muito boa. E tem essa questão de interagir com a galera. Isso é muito bacana. É um aprendizado, até no sentido de treinar sua humildade, de saber ouvir, tomar bronca de uma pessoa mais jovem e ficar quietinho”, avalia.
Músico, ele tem até um álbum profissional com composições autorais. Foto: Arquivo Pessoal
Músico, ele tem até um álbum profissional com composições autorais. Foto: Arquivo Pessoal

Amor recente

Fruto de uma das primeiras ondas profissionais de tecnologia da informação (TI) no Brasil, Saraiva começou a programar em 1979. O interesse por tecnologia ajudou a direcioná-lo para a carreira de analista de sistemas. Naquela época, a área engatinhava no país. “Eu programava em cobol [uma das linguagens de programação]. O programador cobol hoje é dinossauro, só os velhinhos que fazem”, diz, rindo.
Mas o amor por tecnologia da informação não se estendia aos videogames. “Eu nunca gostei. Nunca incentivei minhas filhas a jogar, sempre fui contra. Xadrez, sim, joguei por muito tempo, mas não videogame.” O que trouxe War Machines para o cotidiano dele foi a ansiedade. O analista diz que percebeu que o game poderia ser uma forma de não se angustiar tanto com filas de espera, por exemplo. “A gente sempre espera pelo salário que vai cair, pelo médico que vai chegar, pelo lote do Imposto de Renda que vai restituir. Isso gera uma forma de sofrimento muito grande. Então o jogo me ajuda a exercitar o autocontrole.”

Multitarefas

Mesmo jogando poucas horas por dia, o bom posicionamento no ranking do jogo veio naturalmente. Muito, também, porque Saraiva sempre se interessou por tanques e helicópteros de guerra. “Curto muito o universo de objetos de artilharia e guerra. Leio aqueles livros chatos de especificação dos morteiros dos anos 1940. Agora estou lendo um livro que minha filha me indicou, chamado ‘A guerra não tem nome de mulher’. Ele fala sobre a participação das mulheres na Segunda Guerra, que obviamente não foi muito enfatizada, mas chegou a haver milhões de mulheres em combate. Tudo isso me fascina muito.”
O interesse peculiar é um sinal do coração polivalente do analista. Além do trabalho com tecnologia da informação, ao longo dos anos ele já gravou um disco profissional com músicas autorais, formou-se em jornalismo, montou duas peças de teatro inspiradas em álbuns dos Beatles e, agora, tem uma terceira peça – “A Encruzilhada” – na programação do Festival de Curitiba deste ano. O teatro o atraiu tanto que, em 2016, ele decidiu cursar produção cênica na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Não bastasse todo esse currículo, ele está prestes a começar uma especialização em gestão de projetos.
Saraiva comemora a aprovação no vestibular para o curso de produção cênica na UFPR, em 2016. Foto: Arquivo Pessoal
Saraiva comemora a aprovação no vestibular para o curso de produção cênica na UFPR, em 2016. Foto: Arquivo Pessoal
Mesmo com habilidades em tantas áreas, ele diz que o game ainda trouxe muitos aprendizados. Um deles é uma constante atualização tecnológica e pessoal. Como só joga pelo celular, precisou começar a entender sobre sistemas operacionais mobile e melhores configurações. Também percebeu o grande potencial desse universo. “Eu subestimava o mundo dos games. Ele é uma área de negócios muito grande, de muito investimento tecnológico. A tecnologia da informação ficou focada por décadas em segmentos como educação, indústria e comércio. Acho que essa via do game está explodindo e vai ser muito fundamental em várias áreas da vida humana.”
Saraiva garante que o hobby não virou vício e que consegue organizar os horários de jogo de acordo com suas prioridades. “Entra um pouco a maturidade de saber que, embora seja uma coisa que eu estou curtindo muito, não é minha prioridade. Minha prioridade é meu trabalho [no grupo Bom Jesus], meu curso de produção cênica, o festival de teatro. O game é uma coisa que está entrando na minha vida. Nunca me vi escravo dele, não.
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